(RV) “Nunca mais violência em nome de Deus!”, “na
noite dos conflitos” “as religiões sejam alvoradas de paz” – disse o
Papa no encontro inter-religioso com o Sheik e os representantes das
outras comunidades religiosas do Azerbaijão.
Texto integral
Considero uma bênção encontrarmo-nos aqui juntos. Desejo agradecer ao
Presidente do Conselho dos Muçulmanos do Cáucaso, que nos acolhe com a
sua habitual cortesia, e aos Chefes religiosos locais da Igreja Ortodoxa
Russa e das Comunidades Judaicas. É um grande sinal encontrarmo-nos, em
fraterna amizade, neste lugar de oração; um sinal que manifesta aquela
harmonia que as religiões, em conjunto, podem construir, a partir das
relações pessoais e da boa vontade dos responsáveis. Prova disto mesmo
é, por exemplo, a ajuda concreta que o Presidente do Conselho dos
Muçulmanos garantiu em várias ocasiões à comunidade católica, e os
sábios conselhos que partilha, em espírito de família, com ela; são de
sublinhar também o vínculo estupendo que une os católicos à comunidade
ortodoxa, manifestado numa fraternidade concreta e num carinho diário
que são um exemplo para todos, e a amizade cordial com a comunidade
judaica.
Desta concórdia beneficia o Azerbaijão, que se distingue pelo
acolhimento e a hospitalidade, dons que pude experimentar neste dia
memorável e pelo qual lhes estou muito grato. Aqui deseja-se guardar o
grande património das religiões e, ao mesmo tempo, procura-se uma
abertura maior e frutuosa: o próprio catolicismo, por exemplo, encontra
lugar e harmonia entre outras religiões muito mais numerosas; um sinal
concreto que mostra como não seja a contraposição mas a colaboração que
ajuda a construir sociedades melhores e pacíficas.
Este nosso ajuntamento está em continuidade também com os numerosos
encontros que se realizam em Baku para promover o diálogo e a
multiculturalidade. Ao abrir as portas ao acolhimento e à integração,
abrem-se as portas do coração de cada um e as portas da esperança para
todos. Confio que este país, «porta entre o Oriente e o Ocidente» [João
Paulo II, Discurso na cerimónia de boas-vindas, Baku, 22 de maio de
2002: Insegnamenti XXV/1 (2002), 838], cultive sempre a sua vocação de
abertura e encontro, condições indispensáveis para construir sólidas
pontes de paz e um futuro digno do ser humano.
A fraternidade e a partilha que desejamos incrementar não serão
apreciadas por aqueles que querem salientar divisões, reacender tensões e
enriquecer à custa de conflitos e contrastes; mas são imploradas e
esperadas por quem deseja o bem comum, e sobretudo são agradáveis a
Deus, Compassivo e Misericordioso, que quer os filhos e filhas da única
família humana unidos e sempre em diálogo entre si. Assim escreveu um
grande poeta, filho desta terra: «Se és humano, mistura-te com os
humanos, porque os homens sentem-se bem uns com os outros» (Nizami
Ganjavi, O livro de Alexandre I, sobre o próprio estado e o passar do
tempo). Abrir-se aos outros não empobrece, mas enriquece, porque nos
ajuda a ser mais humanos: a reconhecer-se parte ativa dum todo maior e a
interpretar a vida como um dom para os outros; a ter como alvo não os
próprios interesses, mas o bem da humanidade; a agir sem idealismos nem
intervencionismos, sem realizar interferências prejudiciais nem ações
forçadas, mas sempre no respeito das dinâmicas históricas, das culturas e
das tradições religiosas.
As próprias religiões têm uma grande tarefa: acompanhar os homens em
busca do sentido da vida, ajudando-os a compreender que as limitadas
capacidades do ser humano e os bens deste mundo nunca se devem tornar
absolutos. O mesmo Nizami escreveu: «Não te estabeleças solidamente
sobre as tuas forças, enquanto não encontrares morada no céu! Os frutos
do mundo não são eternos; não adores o que perece!» (Leylā e Majnūn,
Morte de Majnūn no túmulo de Leylā). As religiões são chamadas a
fazer-nos compreender que o centro do homem está fora dele, que tendemos
para o Outro infinito e para o outro que está próximo de nós. Aí o
homem é chamado a encaminhar a vida rumo ao amor mais sublime e,
simultaneamente, mais concreto: este não pode deixar de estar no cume de
toda a aspiração autenticamente religiosa; porque – diz ainda o poeta –
«amor é aquilo que nunca muda, amor é aquilo que não tem fim» (Ibid.,
Desespero de Majnūn).
A religião é, pois, uma necessidade para o ser humano realizar o seu
fim, uma bússola a fim de o orientar para o bem e afastá-lo do mal, que
sempre jaz deitado à porta do seu coração (cf. Gn 4, 7). Neste sentido,
as religiões têm uma tarefa educativa: ajudar a tirar fora do homem o
seu melhor. E nós, como guias, temos uma grande responsabilidade que é
dar respostas autênticas à busca do homem, hoje frequentemente perdido
nos paradoxos vertiginosos do nosso tempo. De facto vemos como nos
nossos dias, por um lado, avança o niilismo daqueles que não acreditam
em nada mais senão nos seus próprios interesses, benefícios e lucros,
daqueles que jogam fora a vida acomodando-se ao ditado «se Deus não
existe, tudo é permitido» (cf. F. M. Dostoievski, Os irmãos Karamazov,
XI, 4.8.9); por outro lado, emergem cada vez mais as reações rígidas e
fundamentalistas daqueles que, com a violência da palavra e dos gestos,
querem impor atitudes extremas e radicalizadas, as mais distantes do
Deus vivo.
As religiões, pelo contrário, ajudando a discernir o bem e a pô-lo em
prática com as obras, a oração e o esforço do trabalho interior, são
chamadas a construir a cultura do encontro e da paz, feita de paciência,
compreensão, passos humildes e concretos. É assim que se serve a
sociedade humana. Esta, por sua vez, está sempre obrigada a vencer a
tentação de se servir do fator religioso: as religiões não devem jamais
ser instrumentalizadas e nunca se podem prestar a apoiar conflitos e
confrontos.
Ao contrário, é fecunda uma ligação virtuosa entre sociedade e
religiões, uma aliança respeitosa que deve ser construída e preservada, e
que gostaria de simbolizar com uma imagem querida a este país.
Refiro-me às preciosas janelas artísticas, presentes há séculos nestas
terras, feitas apenas de madeira e vidros coloridos (Shebeke). Na sua
confeção artesanal, há uma particularidade única: não se usam colas nem
pregos, mas são mantidos juntos a madeira e o vidro encaixando-os entre
si com um trabalho longo e cuidadoso. Assim a madeira sustenta o vidro e
o vidro faz entrar a luz. Da mesma forma, é dever de cada sociedade
civil sustentar a religião, que permite a entrada duma luz indispensável
para viver: para isso é necessário garantir-lhe uma efetiva e autêntica
liberdade. Assim não se devem usar as «colas» artificiais que forçam o
ser humano a crer, impondo-lhe um determinado credo e privando-o da
liberdade de escolha; nem devem entrar nas religiões os «pregos»
externos dos interesses mundanos, das ambições de poder e dinheiro.
Porque Deus não pode ser invocado para interesses de parte nem para fins
egoístas; não pode justificar qualquer forma de fundamentalismo,
imperialismo ou colonialismo. Mais uma vez, deste lugar tão
significativo, levanta-se o grito angustiado: nunca mais violência em
nome de Deus! Que o seu santo nome seja adorado, e não profanado nem
mercantilizado por ódios e conflitos humanos.
Em vez disso, honremos a providente misericórdia divina para connosco
com a oração assídua e o diálogo concreto, «condição necessária para a
paz no mundo e, por conseguinte, é um dever para os cristãos e também
para as outras comunidades religiosas» (Francisco, Exort. ap. Evangelii
gaudium, 250). Oração e diálogo estão profundamente relacionados entre
si: partem da abertura do coração e tendem para o bem dos outros; por
isso se enriquecem e reforçam mutuamente. Convictamente, em continuidade
com o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica «exorta os seus filhos a
que, com prudência e caridade, pelo diálogo e colaboração com os
seguidores doutras religiões, dando testemunho da vida e fé cristãs,
reconheçam, conservem e promovam os bens espirituais e morais e os
valores socioculturais que entre eles se encontram» (Decl. Nostra
aetate, 2).
Não se trata de qualquer «sincretismo conciliador», nem de «uma
abertura diplomática que diga sim a tudo para evitar problemas»
(Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 251), mas de dialogar com os
outros e rezar por todos: estes são os nossos meios para mudar as lanças
em foices (cf. Is 2, 4), para fazer surgir amor onde há ódio e perdão
onde há ofensa, para não nos cansarmos de implorar e percorrer caminhos
de paz.
Uma paz verdadeira, fundada sobre o respeito mútuo, o encontro e a
partilha, sobre a vontade de ultrapassar os preconceitos e as injustiças
do passado, sobre a renúncia à duplicidade e aos interesses de parte;
uma paz duradoura, animada pela coragem de superar as barreiras, de
debelar a pobreza e as injustiças, de denunciar e deter a proliferação
de armas e os ganhos iníquos obtidos à custa da pele dos outros. A voz
de demasiado sangue clama a Deus a partir do solo da Terra, nossa casa
comum (cf. Gn 4, 10). Agora somos desafiados a dar uma resposta sem mais
adiamentos, a construir juntos um futuro de paz: não é tempo de
soluções violentas e bruscas, mas o momento urgente de empreender
processos pacientes de reconciliação.
A verdadeira questão do nosso tempo não é como promover os nossos
interesses – esta não é a verdadeira questão –, mas que perspetiva de
vida oferecer às gerações futuras, como deixar um mundo melhor do que
aquele que recebemos. Deus e a própria história interrogar-nos-ão se
hoje nos gastamos pela paz; já no-lo perguntam instantemente as gerações
jovens, que sonham com um futuro diferente.
Na noite dos conflitos que estamos a atravessar, as religiões sejam
alvoradas de paz, sementes de renascimento por entre devastações de
morte, ecos de diálogo que ressoam incansavelmente, caminhos de encontro
e reconciliação para se chegar mesmo lá onde as tentativas das
mediações oficiais parecem não ter êxito.
Especialmente nesta amada região caucásica, que muito desejei visitar
e à qual cheguei como peregrino de paz, as religiões sejam veículos
ativos para a superação das tragédias do passado e das tensões atuais.
As riquezas inestimáveis destes países sejam conhecidas e valorizadas:
os tesouros antigos e sempre novos de sabedoria, cultura e religiosidade
dos povos do Cáucaso são um grande recurso para o futuro da região e,
em particular, para a cultura europeia, bens preciosos a que não podemos
renunciar. Obrigado.
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