(RV) O Papa Francisco participou hoje, domingo, às
18 horas locais, do dia 2 de Outubro em Baku, no Azerbaijão, do
encontro inter-religioso, na Mesquita Heydar Aliyev, na presença do
Xeique dos Muçulmanos do Cáucaso.
Considero uma bênção, disse Francisco no seu discurso,
encontrarmo-nos aqui juntos. Desejo agradecer ao Chefe dos Muçulmanos do
Cáucaso, que nos acolhe com a sua habitual cortesia, e aos Chefes
religiosos locais da Igreja Ortodoxa Russa e das Comunidades Judaicas. É
um grande sinal, encontrarmo-nos, em fraterna amizade, neste lugar de
oração; um sinal que manifesta aquela harmonia que as religiões, em
conjunto, podem construir, a partir das relações pessoais e da boa
vontade dos responsáveis. Prova disto mesmo é, por exemplo, a ajuda
concreta que o Chefe dos Muçulmanos garantiu em várias ocasiões à
comunidade católica, e os sábios conselhos que partilha, em espírito de
família, com ela; são de sublinhar também o vínculo estupendo que une os
católicos à comunidade ortodoxa, manifestado numa fraternidade concreta
e num carinho diário que são um exemplo para todos, e a amizade cordial
com a comunidade judaica.
Desta concórdia sublinhou Francisco, beneficia o Azerbaijão, que se
distingue pelo acolhimento e a hospitalidade, dons que pude experimentar
neste dia memorável e pelo qual lhes estou muito grato. Aqui deseja-se
guardar o grande património das religiões e, ao mesmo tempo, procura-se
uma abertura maior e frutuosa: o próprio catolicismo, por exemplo,
encontra lugar e harmonia entre outras religiões muito mais numerosas;
um sinal concreto que mostra como não seja a contraposição mas a
colaboração que ajuda a construir sociedades melhores e pacíficas. Este
nosso ajuntamento, acrescentou, está em continuidade também com os
numerosos encontros que se realizam em Baku para promover o diálogo e a
multiculturalidade. Ao abrir as portas ao acolhimento e à integração,
abrem-se as portas do coração de cada um e as portas da esperança para
todos. Confio que este país, «porta entre o Oriente e o Ocidente» [João
Paulo II, Discurso na cerimónia de boas-vindas, Baku, 22 de maio de
2002: Insegnamenti XXV/1 (2002), 838], cultive sempre a sua vocação de
abertura e encontro, condições indispensáveis para construir sólidas
pontes de paz e um futuro digno do ser humano.
A fraternidade e a partilha que desejamos incrementar, salientou o
Papa, não serão apreciadas por aqueles que querem salientar divisões,
reacender tensões e enriquecer à custa de conflitos e contrastes; mas
são imploradas e esperadas por quem deseja o bem comum, e sobretudo são
agradáveis a Deus, Compassivo e Misericordioso, que quer os filhos e
filhas da única família humana unidos e sempre em diálogo entre si.
Assim escreveu um grande poeta, filho desta terra: «Se és humano,
mistura-te com os humanos, porque os homens sentem-se bem uns com os
outros» (Nizami Ganjavi, O livro de Alexandre I, sobre o próprio estado e
o passar do tempo). Abrir-se aos outros não empobrece, mas enriquece,
porque nos ajuda a ser mais humanos: a reconhecer-se parte ativa dum
todo maior e a interpretar a vida como um dom para os outros; a ter como
alvo não os próprios interesses, mas o bem da humanidade; a agir sem
idealismos nem intervencionismos, sem realizar interferências
prejudiciais nem ações forçadas, mas sempre no respeito das dinâmicas
históricas, das culturas e das tradições religiosas.
As próprias religiões, advertiu o Pontífice, têm uma grande tarefa:
acompanhar os homens em busca do sentido da vida, ajudando-os a
compreender que as limitadas capacidades do ser humano e os bens deste
mundo nunca se devem tornar absolutos. O mesmo Nizami escreveu: «Não te
estabeleças solidamente sobre as tuas forças, enquanto não encontrares
morada no céu! Os frutos do mundo não são eternos; não adores o que
perece!» (Leylā e Majnūn, Morte de Majnūn no túmulo de Leylā). As
religiões são chamadas a fazer-nos compreender que o centro do homem
está fora dele, que tendemos para o Outro infinito e para o outro que
está próximo de nós. Aí o homem é chamado a encaminhar a vida rumo ao
amor mais sublime e, simultaneamente, mais concreto: este não pode
deixar de estar no cume de toda a aspiração autenticamente religiosa;
porque – diz ainda o poeta – «amor é aquilo que nunca muda, amor é
aquilo que não tem fim» (Ibid., Desespero de Majnūn).
A religião é, pois, uma necessidade para o ser humano realizar o seu
fim, uma bússola a fim de o orientar para o bem e afastá-lo do mal, que
sempre jaz deitado à porta do seu coração (cf. Gn 4, 7), recordou o
Santo Padre. Neste sentido, as religiões têm uma tarefa educativa:
ajudar a tirar fora do homem o seu melhor. E nós, como guias, temos uma
grande responsabilidade que é dar respostas autênticas à busca do homem,
hoje frequentemente perdido nos paradoxos vertiginosos do nosso tempo.
De facto vemos como nos nossos dias, por um lado, avança o niilismo
daqueles que não acreditam em nada mais senão nos seus próprios
interesses, benefícios e lucros, daqueles que jogam fora a vida
acomodando-se ao ditado «se Deus não existe, tudo é permitido» (cf. F.
M. Dostoievski, Os irmãos Karamazov, XI, 4.8.9); por outro lado, emergem
cada vez mais as reações rígidas e fundamentalistas daqueles que, com a
violência da palavra e dos gestos, querem impor atitudes extremas e
radicalizadas, as mais distantes do Deus vivo.
As religiões, pelo contrário, ajudando a discernir o bem e a pô-lo em
prática com as obras, a oração e o esforço do trabalho interior, são
chamadas a construir a cultura do encontro e da paz, feita de paciência,
compreensão, passos humildes e concretos. É assim que se serve a
sociedade humana disse Francisco. Esta, por sua vez, está sempre
obrigada a vencer a tentação de se servir do fator religioso: as
religiões não devem jamais ser instrumentalizadas e nunca se podem
prestar a apoiar conflitos e confrontos.
Ao contrário, é fecunda uma ligação virtuosa entre sociedade e
religiões, uma aliança respeitosa que deve ser construída e preservada, e
que gostaria de simbolizar com uma imagem querida a este país.
Refiro-me às preciosas janelas artísticas, presentes há séculos nestas
terras, feitas apenas de madeira e vidros coloridos (Shebeke). Na sua
confeção artesanal, há uma particularidade única: não se usam colas nem
pregos, mas são mantidos juntos a madeira e o vidro encaixando-os entre
si com um trabalho longo e cuidadoso. Assim a madeira sustenta o vidro e
o vidro faz entrar a luz. Da mesma forma, é dever de cada sociedade
civil sustentar a religião, que permite a entrada duma luz indispensável
para viver: para isso é necessário garantir-lhe uma efetiva e autêntica
liberdade. Assim não se devem usar as «colas» artificiais que forçam o
ser humano a crer, impondo-lhe um determinado credo e privando-o da
liberdade de escolha; nem devem entrar nas religiões os «pregos»
externos dos interesses mundanos, das ambições de poder e dinheiro.
Porque Deus não pode ser invocado para interesses de parte nem para fins
egoístas; não pode justificar qualquer forma de fundamentalismo,
imperialismo ou colonialismo. Mais uma vez, deste lugar tão
significativo, levanta-se o grito angustiado: nunca mais violência em
nome de Deus! Que o seu santo nome seja adorado, e não profanado nem
mercantilizado por ódios e conflitos humanos.
Em vez disso, acrescentou ainda o Papa Francisco, honremos a
providente misericórdia divina para connosco com a oração assídua e o
diálogo concreto, «condição necessária para a paz no mundo e, por
conseguinte, é um dever para os cristãos e também para as outras
comunidades religiosas» (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 250).
Oração e diálogo estão profundamente relacionados entre si: partem da
abertura do coração e tendem para o bem dos outros; por isso se
enriquecem e reforçam mutuamente. Convictamente, em continuidade com o
Concílio Vaticano II, a Igreja Católica «exorta os seus filhos a que,
com prudência e caridade, pelo diálogo e colaboração com os seguidores
doutras religiões, dando testemunho da vida e fé cristãs, reconheçam,
conservem e promovam os bens espirituais e morais e os valores
socioculturais que entre eles se encontram» (Decl. Nostra aetate, 2).
Não se trata de qualquer «sincretismo conciliador», nem de «uma abertura
diplomática que diga sim a tudo para evitar problemas» (Francisco,
Exort. ap. Evangelii gaudium, 251), mas de dialogar com os outros e
rezar por todos: estes são os nossos meios para mudar as lanças em
foices (cf. Is 2, 4), para fazer surgir amor onde há ódio e perdão onde
há ofensa, para não nos cansarmos de implorar e percorrer caminhos de
paz.
Uma paz verdadeira, advertiu Francisco, fundada sobre o respeito
mútuo, o encontro e a partilha, sobre a vontade de ultrapassar os
preconceitos e as injustiças do passado, sobre a renúncia à duplicidade e
aos interesses de parte; uma paz duradoura, animada pela coragem de
superar as barreiras, de debelar a pobreza e as injustiças, de denunciar
e deter a proliferação de armas e os ganhos iníquos obtidos à custa da
pele dos outros. A voz de demasiado sangue clama a Deus a partir do solo
da Terra, nossa casa comum (cf. Gn 4, 10). Agora somos desafiados a dar
uma resposta sem mais adiamentos, a construir juntos um futuro de paz:
não é tempo de soluções violentas e bruscas, mas o momento urgente de
empreender processos pacientes de reconciliação. A verdadeira questão do
nosso tempo não é como promover os nossos interesses, mas que
perspetiva de vida oferecer às gerações futuras, como deixar um mundo
melhor do que aquele que recebemos. Deus e a própria história
interrogar-nos-ão se hoje nos gastamos pela paz; já no-lo perguntam
instantemente as gerações jovens, que sonham com um futuro diferente.
Na noite dos conflitos que estamos a atravessar, concluiu dizendo
Francisco, as religiões sejam alvoradas de paz, sementes de renascimento
por entre devastações de morte, ecos de diálogo que ressoam
incansavelmente, caminhos de encontro e reconciliação para se chegar
mesmo lá onde as tentativas das mediações oficiais parecem não ter
êxito. Especialmente nesta amada região caucásica, que muito desejei
visitar e à qual cheguei como peregrino de paz, as religiões sejam
veículos ativos para a superação das tragédias do passado e das tensões
atuais. As riquezas inestimáveis destes países sejam conhecidas e
valorizadas: os tesouros antigos e sempre novos de sabedoria, cultura e
religiosidade dos povos do Cáucaso são um grande recurso para o futuro
da região e, em particular, para a cultura europeia, bens preciosos a
que não podemos renunciar
Sem comentários:
Enviar um comentário