26 abril, 2011

E A CARIDADE SE FEZ CARNE


Um dos acontecimentos decisivos na história da salvação é o Mistério da Encarnação (Natal): Deus que se faz homem numa carne semelhante à nossa, em tudo igual a nós menos no pecado na Pessoa de Jesus Cristo. Este acontecimento, fruto da iniciativa gratuita de Deus e totalmente imerecida por parte do homem, nota bem o carácter realista e concreto da relação divina com a obra da criação.
As consequências efectivas da encarnação, e da revelação do homem a si mesmo como criado à imagem e semelhança de Deus, são-nos dadas pelo Apóstolo S. João quando afirma: “quem diz que ama a Deus que não vê e não ama o seu irmão, é mentiroso” (cf. 1 Jo. 4, 20).
O “princípio de realidade” afirmado no Mistério da Encarnação não deixa lugar para um espiritualismo vazio sem consequências concretas e práticas. Assim como a profecia dos antigos dá lugar à realização, a ideia dá lugar à coisa e o espírito dá lugar à carne, a teoria dá lugar à prática: a Palavra da Misericórdia e do Amor de Deus faz-se carne no seio da Virgem Maria: “A verdadeira novidade do Novo Testamento não reside em novas ideias, mas na própria figura de Cristo, que dá carne e sangue aos conceitos – um incrível realismo” (Bento XVI, Deus caritas est, 12).
Por isto, o ser cristão não se pode resumir a bonitas palavras, a arrebatados discursos, a angélicas disposições ou a beatíssimos propósitos. Sem qualquer tipo de menosprezo pelas ideias e teorias, (pois nada mais prático do que ter ideias claras) o realismo prático do agir impõe-se como uma exigência de resposta face ao concreto apelo daqueles que me rodeiam e me apelam ao cuidado no olhar que me dirigem, no rosto com que se me apresentam e me dizem: não me mates, cuida de mim, tenho fome, tenho sede, tenho frio, sou peregrino e estrangeiro, estou doente.
Olhamos para Jesus e vemos claramente a encarnação da caridade. Todo o seu agir, na procura da libertação do homem de todas as escravidões, físicas e espirituais, dão-no o modelo claro da sua acção como cumprimento da Missão com que o Pai o dotou: salvar o mundo pela caridade.
Ele é o bom pastor que vai em busca da ovelha tresmalhada, ele é o pai que acolhe o filho transviado e morto, a mulher que procura a moeda perdida, mas é também o agricultor que se abeira da figueira à procura de frutos, o senhor que retira a vinha aos trabalhadores maus e gananciosos para a dar a outros que lhe entreguem os frutos a seu tempo.
Mas de todas estas imagens que o próprio Jesus dá de si mesmo, sobressai o Cristo crucificado que do alto da cruz, em generosa oferta de si mesmo a todos os homens, implora para cada um de nós a misericórdia: “Pai, perdoa-lhes”. O Mistério da Encarnação (Natal) encontra no Mistério da Redenção (Páscoa) a sua justificação e intenção, Jesus faz-se homem, encarna, para manifestar a imensa caridade com que Deus nos ama, e mostra este amor louco com a entrega da sua própria vida nas mãos do Pai.
A memória desta entrega sacrificial de Jesus na cruz, sinal máximo de caridade, Ele que tinha dito “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos”, faz-se no Santíssimo Sacramento do Altar, onde, de forma incruenta, se actualiza para nós o sacrifício de Cristo, a própria entrega de si mesmo, da sua carne e do seu sangue, como verdadeiro alimento: “Jesus deu a este acto de oferta [a morte de cruz] uma presença duradoura através da instituição da Eucaristia durante a Última Ceia. Antecipa a sua morte e ressurreição entregando-Se já naquela hora aos seus discípulos, no pão e no vinho, a Si Próprio, ao seu corpo e sangue como novo maná” (Bento XVI, Deus caritas est, 13). Assim nos dá o exemplo de serviço Aquele que é o “Mestre e Senhor”, ou como nos relata S. João, o serviço daquele que de joelhos lava os pés aos discípulos, para nos dar o exemplo.
A encarnação da caridade, a exemplo de Jesus, faz-se no fiel cumprimento do Mandamento novo da caridade “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. Amar com um amor afectiva e efectivamente intenso é a consequência lógica e coerente da comunhão com Ele e com a Igreja na Comunhão eucarística: a “fé em Cristo e na sua reactualização no Sacramento: fé, culto e ethos (ética) compenetram-se mutuamente como uma única realidade que se configura no encontro com a ágape (amor de entrega) de Deus. Aqui, a habitual contraposição entre culto e ética simplesmente desaparece. No próprio culto, na comunhão eucarística, está contido o ser amado e o amar, por sua vez os outros.
Uma Eucaristia que não se traduza em amor concretamente vivido, é em si mesma fragmentária” (Bento XVI, Deus caritas est, 15). Ou como afirmou o saudoso Papa João Paulo II: “ao participar no sacrifício da cruz, o cristão comunga do amor de doação de Cristo, ficando habilitado e comprometido a viver esta mesma caridade em todas as suas atitudes e comportamentos da vida” (João Paulo II, Veritatis splendor, 107).
Acreditar em Cristo como Aquele que dá carne à imensa caridade com que o Pai no ama, e comunga-l’O nas espécies eucarísticas, requer o meu empenho prático, aqui e agora, na oferta aos irmão dessa mesma caridade com que Deus nos amou primeiro, não de uma forma genérica e abstracta, em si mesma pouco comprometedora, mas vivencial e encarnada, em que tudo aquilo que sou, coração, alma, forças do corpo e entendimento, se orienta para esse fim.
Este amor ao próximo, que não é um mero sentimento, surge ao mesmo tempo como consequência de amar a Deus, e como o caminho seguro para O amar, amo ao próximo porque Deus me ama, e amo os meus irmãos porque quero amar a Deus.
Quem tiver coração que ame e sirva à maneira daquele que se fez carne não para ser servido mas para servir e dar a vida por muitos.
Frei Gonçalo
Labat n.º 71 de Abril de 2007

24 abril, 2011

Homilia de D. José Policarpo no Domingo de Páscoa

“É preciso anunciar que Cristo está vivo”

Homilia no Pontifical da Ressurreição


Sé Patriarcal, 24 de Abril de 2011

1. A ressurreição é, humanamente, uma verdade exigente. A morte física tem todo o aspecto de um fim. Acreditar na ressurreição significa dar um sentido novo à morte, considerá-la não como o termo da vida, mas uma passagem em ordem a outra etapa da vida. Um texto da Liturgia afirma: “para os que crêem em vós, Senhor, a vida não acaba, apenas se transforma”[1]. Hoje há muitas pessoas que já não acreditam na vida depois da morte. Mas na perspectiva cristã não basta aceitar uma qualquer forma de continuidade da vida. Trata-se de acreditar que Cristo venceu a morte, ressuscitou dos mortos, e ressuscitar-nos-á com Ele. A nossa fé na vida, depois da morte, é a certeza da nossa ressurreição, como Cristo ressuscitou. É por isso que é urgente, na nova evangelização, anunciar aos homens de hoje que Cristo está vivo, venceu a morte, porque Deus O ressuscitou dos mortos.
Acreditar na ressurreição de Cristo sempre foi exigente. É o âmago da fé cristã, que muda tudo na compreensão da vida. Apesar de Jesus, sempre que falou da sua morte, ter anunciado a sua ressurreição, mesmo para os seus discípulos foi difícil acreditar que Ele estava vivo. Não acreditaram no testemunho das mulheres a quem Jesus ressuscitado tinha aparecido (cf. Lc. 24,9-11); São Tomé não aceita o testemunho dos outros apóstolos a quem O ressuscitado se manifestara (cf. Jo. 20,24ss). Mesmo no momento da última aparição, antes da sua Ascensão aos Céus, em que Jesus explicita a sua missão universal, se o conjunto se prostra diante d’Ele, São Mateus tem a sinceridade de reconhecer que alguns ainda duvidavam (cf. Mt. 28,17).
No texto do Evangelho de São João que acabámos de escutar, Pedro e João confrontam-se com o túmulo vazio. São João confessa: “entrou também o outro discípulo que chegara primeiro ao sepulcro: viu e acreditou. Na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos” (Jo. 20,9). 

2. O túmulo vazio era apenas um sinal de que algo de extraordinário tinha acontecido. O verdadeiro fundamento da fé na ressurreição é o encontro com o ressuscitado. E Jesus aparece, convive, esforça-Se por lhes mostrar que é Ele mesmo. E são esses que fizeram a experiência viva do encontro com Cristo ressuscitado que vão testemunhar que Ele está vivo. O texto dos Actos dos Apóstolos, proclamado nesta celebração, diz mesmo que Jesus apareceu àqueles que, previamente, tinha escolhido para darem testemunho. “Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-se, não a todo o Povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele depois de ter ressuscitado dos mortos” (Act. 10,40-41). No caso da vocação de Paulo, a quem Jesus aparece na Estrada de Damasco, é claro que Cristo ressuscitado lhe aparece, porque o escolheu como testemunha da sua ressurreição. Deus diz a Ananias: vai ter como ele, “porque este homem é um instrumento de minha escolha para levar o meu nome aos pagãos” (Act. 9,15).
Este é o dinamismo constitutivo da Igreja. Aceitar a ressurreição de Cristo não é fruto de uma demonstração, mas do testemunho vivo de quem encontrou o ressuscitado. E tem sido assim ao longo de 2000 anos. Acreditar no testemunho de quem acredita porque experimentou, embora o não possa provar. E Jesus elogia aqueles que acreditaram só pelo testemunho. A São Tomé observa: “Porque me viste, acreditaste. Bem-aventurados aqueles que acreditarão sem terem visto” (Jo. 20,29).
Este testemunho é, antes de mais, o da Igreja, a quem o Senhor fez sempre sentir a sua presença, sobretudo através da sua Palavra e da Eucaristia. A fé na ressurreição de Cristo é a fé da Igreja. A nova evangelização precisa de testemunhos, que tenham experimentado, na fé, a presença viva de Cristo vivo. Hoje glorioso no céu, Cristo ressuscitado está vivo na Igreja e continua a percorrer os caminhos do mundo à procura de corações que O recebam e se abram ao seu amor. Como no princípio, esses são certamente aqueles que, de antemão, Ele escolheu para darem testemunho. 

3. A fé em Cristo ressuscitado muda completamente a nossa vida. É que Ele não é apenas um morto que, por milagre, regressou á vida, como aconteceu a Lázaro, ao filho da viúva de Naim ou à filha de Jairo. N’Ele irrompeu a “nova vida”, que rasga horizontes novos para a vida humana. Esta diferença, manifesta-a o Senhor quando nos comunica o Espírito Santo, amor que tudo transforma. No ressuscitado inaugurou-se, já neste mundo, a “vida eterna”, para Ele e para nós. Para São Paulo isso é claro: uma revolução na compreensão da vida começou. “Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às coisas da terra. Porque vós morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Col. 3,1-4). Afeiçoar-se às coisas do alto não significa desprezar as realidades de todos os dias. Significa poder vivê-las com coragem, com esperança, dando-lhes o valor que têm, não as considerar definitivas. Na dureza ou na beleza da vida deste mundo, encontrar a força que nos faz desejar as realidades definitivas.
Celebramos esta Páscoa num momento duro para muitos portugueses. Se acreditarmos que Cristo está vivo, teremos força para tudo superar, as dificuldades não nos impedem de desejar, e o Espírito Santo dar-nos-á força para lutar e a coragem de esperar. O amor dos irmãos, que é caridade, tem de ser o grande testemunho de que vivemos este momento com o Senhor vivo, na certeza de que Ele está connosco.

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

Cristo vive!

23 abril, 2011

Páscoa

Nesta quadra de reflexão, paz e ressurreição, o Grupo de Oração "Verdade e Vida" deseja a todos os leitores deste blogue, uma:

Santa Páscoa (GOVV)

22 abril, 2011

Palavras do Santo Padre no final da Via-Sacra no Coliseu

Monte Palatino
Sexta-feira Santa, 22 de Abril de 2011

Amados irmãos e irmãs,

Esta noite, na fé, acompanhámos Jesus, que percorre o último trecho do seu caminho terreno, o trecho mais doloroso: o do Calvário. Ouvimos o alarido da multidão, as palavras da condenação, o ludibrio dos soldados, o pranto da Virgem Maria e das outras mulheres. Agora mergulhámos no silêncio desta noite, no silêncio da cruz, no silêncio da morte. É um silêncio que guarda em si o peso do sofrimento do homem rejeitado, oprimido, esmagado, o peso do pecado que desfigura o seu rosto, o peso do mal. Esta noite, no íntimo do nosso coração, revivemos o drama de Jesus, carregado com o sofrimento, o mal, o pecado do homem.
E agora, que resta diante dos nossos olhos? Resta um Crucificado; uma Cruz levantada no Gólgota, uma Cruz que parece determinar a derrota definitiva d’Aquele que trouxera a luz a quem estava mergulhado na escuridão, d’Aquele que falara da força do perdão e da misericórdia, que convidara a acreditar no amor infinito de Deus por cada pessoa humana. Desprezado e repelido pelos homens, está diante de nós o «homem de dores, afeito ao sofrimento, como aquele a quem se volta a cara» (Is 53, 3).
Mas fixemos bem aquele homem crucificado entre a terra e o céu, contemplemo-lo com um olhar mais profundo, e descobriremos que a Cruz não é o sinal da vitória da morte, do pecado, do mal, mas o sinal luminoso do amor, mais ainda, da imensidão do amor de Deus, daquilo que não teríamos jamais  podido pedir, imaginar ou esperar: Deus debruçou-Se sobre nós, abaixou-Se até chegar ao ângulo mais escuro da nossa vida, para nos estender a mão e atrair-nos a Si, levar-nos até Ele. A Cruz fala-nos do amor supremo de Deus e convida-nos a renovar, hoje, a nossa fé na força deste amor, a crer que em cada situação da nossa vida, da história, do mundo, Deus é capaz de vencer a morte, o pecado, o mal, e dar-nos uma vida nova, ressuscitada. Na morte do Filho de Deus na cruz, há o gérmen de uma nova esperança de vida, como o grão de trigo que morre no seio da terra.
Nesta noite carregada de silêncio, carregada de esperança, ressoa o convite que Deus nos dirige através das palavras de Santo Agostinho: «Tende fé! Vireis a Mim e haveis de saborear os bens da minha mesa, como é verdade que Eu não recusei saborear os males da vossa mesa... Prometi-vos a minha vida... Como antecipação, franqueei-vos a minha morte, como que para vos dizer: Convido-vos a participar na minha vida... É uma vida onde ninguém morre, uma vida verdadeiramente feliz, que oferece um alimento incorruptível, um alimento que restabelece e nunca acaba. A meta a que vos convido... é a amizade como o Pai e o Espírito Santo, é a ceia eterna, é a comunhão comigo ... é participar na minha vida» (cf. Discurso 231, 5).
Fixemos o nosso olhar em Jesus Crucificado e peçamos, rezando: Iluminai, Senhor, o nosso coração, para Vos podermos seguir pelo caminho da Cruz; fazei morrer em nós o «homem velho», ligado ao egoísmo, ao mal, ao pecado, e tornai-nos «homens novos», mulheres e homens santos, transformados e animados pelo vosso amor.

© Copyright 2011 - Libreria Editrice Vaticana

Homilia de D. José Policarpo na celebração da Paixão do Senhor

Homilia na Paixão do Senhor
Sé Patriarcal, 22 de Abril de 2011
1. A Liturgia deste dia celebra, com grande densidade e recolhimento, aquele que é o momento decisivo da história da humanidade. Todo o seu destino, as suas falhas e fraquezas, os seus anseios e projectos, são assumidos por aquele Homem, Jesus de Nazaré, que aceita morrer para que os homens possam viver. A Liturgia põe diante de nós o problema da actualidade da morte de Cristo. Acredito que, hoje, Cristo oferece a vida por nós, por todos os membros da humanidade? Ou a morte de Cristo é só um acontecimento do passado? Acreditamos que, ainda hoje, Cristo assume em Si o destino da humanidade?
É impossível penetrar no sentido da morte de Cristo, se não percebermos que o amor pelos outros é a mais bela expressão da vida. Viver é ser para os outros e com os outros. Jesus tinha pregado isso no seu Evangelho do Reino. “Não há maior prova de amor do que dar a vida por aqueles que se amam. Quem aceitar perder a vida, ganhá-la-á”. Esta perspectiva generosa da vida, que se pode exprimir na própria morte, não é fácil. Intuem-na aqueles que, na vida, experimentaram um amor autêntico, que os leva a sacrificar-se por aqueles que amam. Mas o que é mais comum é a defesa da própria vida como auto-fruição, que leva, tantas vezes, a sacrificar os outros à própria maneira de viver.
A história de Israel e mesmo a de outras religiões e civilizações estão repletas deste conceito de “substituição vicária”. Era princípio absoluto de que todo o mal devia ser expiado e restabelecida a justiça. Assim, introduz-se o hábito de que, quando não se conseguia que o culpado expiasse as suas culpas, ele era substituído por outra pessoa, ou por um animal na liturgia de Israel. Os profetas denunciam essa prática; no entanto ela manteve-se. Além de ferir, de outro modo, a justiça, esse substituto não podia realizar a redenção do verdadeiro pecador. Mas como afirma Bento XVI, “a história inteira aparece à procura d’Aquele que pode verdadeiramente intervir em nosso lugar, que é verdadeiramente capaz de nos assumir em Si mesmo e, assim, de nos conduzir à salvação”[1]. No profeta Isaías, surge a figura do Servo Sofredor, que não se limita a substituir na pena, mas assume o destino de todo o Povo, toma sobre si a culpa de muitos, tornando-os justos (cf. Is. 53,11). Esta figura do Servo vai ser identificada com o Messias. Jesus, sem rejeitar o messianismo real, toldado por conotações políticas, assume-se como Messias nessa identificação com o Servo de Israel. Porque na sua encarnação uniu misteriosamente a Si todos os homens, pode sofrer pelos pecados de todos, como se fossem eles a sofrer e a justificar-se pelo sofrimento. Ao aceitar morrer sem pecado, redimindo os pecados dos outros, Ele afirma o sentido da vida como entrega a Deus, pelos outros.
2. Hoje contemplamos esta morte por amor. Isso não diminui em nada a sua densidade dramática, mas é a afirmação de que a vida é obediência a Deus e amor aos homens que precisam de redenção. Encontramos esta densidade de amor na oração de Jesus no Jardim das Oliveiras. Cristo, o Filho, exprime na realidade humana da morte o amor infinito do Pai por todos os homens que criou. No coração de Deus, a redenção é tão universal como a criação. E esse amor redentor só se pode exprimir, ser Palavra e ser anúncio, pelo seu Verbo, por Quem também tinha criado todas as coisas. Esta morte vicária é a verdadeira causa da encarnação do Verbo eterno de Deus.
No Jardim das Oliveiras Jesus prostra-se, de rosto por terra e reza: “Pai, se Tu o quiseres, afasta de Mim este cálice. No entanto, não se faça a Minha vontade, mas a Tua” (Lc. 23,42). Desta oração de Jesus, ressaltam três dimensões: Jesus trata Deus por “Abbá”, fala com Deus como uma criança fala com o seu querido pai. É uma oração cheia de confiança e de ternura filial. Exprime o conjunto de duas vontades: a vontade de Deus, que, como Filho de Deus, Ele comunga com o Pai, e a vontade humana, que, ao assumir a vontade de todos os homens, rejeita a oblação e o sofrimento. Cristo sente ao vivo o nosso drama na busca da obediência, da fidelidade e da santidade. Em Cristo só pode prevalecer a vontade que tem em comum com o Pai. Ressalta, depois, a dramaticidade do momento. Segundo São Lucas, o sofrimento foi tão intenso, que Jesus suou sangue. A fidelidade de Jesus nunca esteve em causa. Está patente, isso sim, a densidade da redenção.
3. Pode parecer chocante que Deus não tenha atendido a oração de Jesus. Mas o próprio Jesus não o desejava; Ele queria que a vontade do Pai se cumprisse. Ele sabia que o Pai o ouviria de outra maneira, ressuscitando-o dos mortos e começando n’Ele uma “nova criação”, uma nova etapa da vida. O autor da Carta aos Hebreus dá-nos a compreensão da Igreja primitiva sobre o que se passou no Jardim das Oliveiras: “Nos dias da sua vida terrena, apresentou orações e súplicas Àquele que O podia salvar da morte, com grande clamor e lágrimas, e foi atendido por causa da sua piedade” (He. 5,7). Deus Pai atendeu-O ressuscitando-O dos mortos e tomando a sério a fecundidade da sua morte, aceitando a humanidade redimida.
Jesus trava o grande combate com as forças do pecado e da morte e fá-lo com orações, isto é, em comunhão amorosa e filial com o Pai. Ouçamos o Papa Bento XVI: “Trata-se sempre do encontro de Jesus com as forças da morte, cujo abismo Ele, sendo o Santo de Deus, percebe em toda a sua profundidade e hediondez. Assim, a Carta aos Hebreus vê toda a Paixão de Jesus, desde o monte das Oliveiras até ao último brado na cruz, permeada pela oração, como uma única e ardente súplica a Deus pela vida contra o poder da morte.
Desta maneira, considera-se toda a Paixão de Jesus uma luta, na oração com Deus-Pai e simultaneamente com a natureza humana. A Carta aos Hebreus manifesta de modo novo a profundidade teológica da oração no Monte das Oliveiras. Para a Carta, este bradar e suplicar constitui a realização do sumo sacerdócio de Jesus. É precisamente no seu bradar, chorar e rezar que Jesus faz o que é próprio do sumo sacerdote: Ele leva o tormento de ser homem para o alto, rumo a Deus. Leva o homem à presença de Deus”[2].
4. A Cruz de Cristo é actual por causa da actualidade dos nossos pecados. Não estamos dispensados de travar esse combate, embora, na vitória de Cristo, esteja prometida a nossa vitória. E o aspecto crucial do nosso combate é, sem renunciar à nossa vontade, fazê-la coincidir com a vontade de Deus. É a obediência da fé. Diz o Santo Padre: “Isto é possível sem destruição do elemento essencialmente humano, porque, a partir da criação, a vontade humana está orientada para a divina. Quando adere à vontade divina, a vontade humana encontra a sua realização e não a sua destruição”[3].
A harmonia da nossa vontade com a vontade de Deus é um longo combate; só é possível participando, com Cristo, do seu combate no Jardim das Oliveiras. É a mais sólida fonte de esperança que a Páscoa nos oferece: saber que esse nosso combate esteve presente no combate de Cristo e que só Ele nos pode conduzir à vitória.
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

[1] Bento XVI, Jesus de Nazaré, vol. II, pp. 143-144
[2] Ibidem, pp. 136-137
[3] Ibidem, p. 134

21 abril, 2011

QUINTA FEIRA SANTA - 1º DIA DO TRÍDUO PASCAL

Continuando a nossa caminhada começada no início da Quaresma e que nos vai levar à Páscoa da Ressurreição.

 

A Quinta Feira Santa é tão rica em tudo o que a Igreja nos propõe, que um simples texto nunca daria para abarcar tudo que neste dia a Igreja nos exorta a meditar e a viver.

Assim, tomei a opção pela 2ª Leitura da Missa Vespertina da Ceia do Senhor, para nos conduzir à “particularidade” mais importante do mistério do sacramento da Eucaristia.


1ª Carta aos Coríntios 11,23-26.

Com efeito, eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: o Senhor Jesus na noite em que era entregue, tomou pão
e, tendo dado graças, partiu-o e disse: «Isto é o meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória de mim».
Do mesmo modo, depois da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova Aliança no meu sangue; fazei isto sempre que o beberdes, em memória de mim.»
Porque, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha.

Diz-nos João Paulo II
Homilia (a partir da trad. L'Osservatore romano)

«Sempre que comerdes este pão e beberdes este vinho proclamareis a morte do Senhor, até que Ele venha»

«Jesus, sabendo bem que tinha chegado a Sua hora da passagem deste mundo para o Pai, Ele, que amara os Seus que estavam no mundo, levou o Seu amor por eles até ao extremo». E eis que, durante a refeição pascal, a última antes da Sua partida para o Pai, se revela um sinal novo: o sinal da Nova Aliança. «Até ao extremo» quer dizer: até Se dar a Si próprio por eles. Por nós. Por todos. «Até ao extremo» significa: até ao fim dos tempos. Até que Ele venha pela segunda vez.

Desde esta noite da Última Ceia, todos nós, filhos e filhas da Nova Aliança no sangue de Cristo, recordamos a Sua Páscoa, a Sua partida graças à morte na cruz. Mas não se trata apenas de uma lembrança. O sacramento do Corpo e do Sangue tornam o Seu sacrifício presente, fazendo com que nele participemos sempre de novo. Neste sacramento, Cristo crucificado e ressuscitado está constantemente connosco, Ele vem constantemente até nós sob a forma do pão e do vinho, até vir de novo, a fim de que o sinal dê lugar à realidade última e definitiva. Que darei eu em troca deste amor «até ao extremo»?

Salientemos então, vivamente, esta imensa verdade que Cristo nos oferece e que tantas vezes deixamos passar “sobre a rama”.

A Eucaristia é memorial da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo.

E memorial não é memória, não é algo que se lembra, não é algo que se recorda, é algo sim que se faz presente, total e realmente presente.

E não é uma repetição, ou seja, na Eucaristia, Jesus Cristo não sofre a Paixão, Morte e Ressurreição, outra vez.
Não, na Eucaristia a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo há cerca de dois mil anos, torna-se presente no momento.

É o que nos diz muito claramente o Catecismo da Igreja Católica:

1363 - «Na celebração litúrgica destes acontecimentos, eles tomam-se de certo modo presentes e actuais.»
1364 - «Quando a Igreja celebra a Eucaristia, faz memória da Páscoa de Cristo, e esta torna-se presente: o sacrifício que Cristo ofereceu na cruz uma vez por todas, continua sempre actual: «Todas as vezes que no altar se celebra o sacrifício da cruz, no qual "Cristo, nossa Páscoa, foi imolado", realiza-se a obra da nossa redenção» (LG 3)

E a presença de Cristo sob as espécies eucarísticas, não é simbólica, não é representativa, não é em “vez de”, é sim real e total, como nos diz mais uma vez o Catecismo da Igreja Católica:

1374 - «No santíssimo sacramento da Eucaristia estão «contidos, verdadeira, real e substancialmente, o Corpo e o Sangue, conjuntamente com a alma e a divindade de nosso Senhor Jesus Cristo e, por conseguinte, Cristo total» (Conc. De Trento: Ds 1651)
 
Poderíamos escrever, transcrever tratados e mais tratados sobre a Eucaristia, mas todos eles nos levam a esta verdade única e sublime:
Na Eucaristia, Jesus Cristo faz-se real e totalmente presente, na sua Paixão, Morte e Ressurreição, oferendo-se ao Pai por nós e dando-se como alimento divino a cada um de nós.

E é a Igreja Una, Santa, Católica, Apostólica, comunhão de fiéis, desde Pedro até aos nossos dias, em Bento XVI, nos dá e juntos celebramos, este sublime, precioso e todos os dias extraordinário, Sacramento da Eucaristia.

Esta verdade imensa que só Deus pode conter e que a graça da fé nos faz crer, tem de levar cada um de nós a perguntar-se:
Qual a importância da Eucaristia na minha vida, (toda a minha vida, e não só a minha vida em Igreja), como participo eu da/na Eucaristia, como vivo eu a Eucaristia, enfim, como celebro eu a Eucaristia?

Uma Santa Páscoa para todas e para todos.
Joaquim Mexia Alves

18 abril, 2011

Viver a Páscoa aceitando a vida presente

Domingo de Ramos (Catequese)

 

17 de Abril de 2011
“Em cada ano a Igreja celebra a Páscoa com o seu Senhor”

15 abril, 2011

Apresentação do Catecismo para os Jovens – YOUCAT

Igreja S. João de Deus – Lisboa 13 de Abril

- Congratulo-me com a publicação e apresentação do Catecismo para os jovens que acaba de ser feita.
- Este catecismo criado e pensado «de e para» os jovens é um excelente subsídio para os ajudar a aprofundar a fé da Igreja e a construir uma identidade cristã forte e consistente, capaz de os habilitar a dar a todos, mas particularmente aos outros jovens as razões da sua esperança.
- A Igreja, todos nós, desejamos que este catecismo tenha um bom acolhimento, particularmente entre os jovens que, contrariamente àquilo que muitas vezes se pensa e se diz, se interrogam sobre uma procura autêntica de sentido para a vida e sobre a fé e buscam algo de essencial e consistente sobre o qual construir a própria existência.
- Como diz o Santo Padre na carta de apresentação, «os jovens desejam crer, procuram Deus, amam Cristo e querem um caminho de comunhão». O catecismo é uma resposta a este desejo e apresenta este caminho inserido no rio da Tradição viva da Igreja. O Santo Padre deseja que os jovens se deixem fascinar por este livro, que o leiam, o estudem, o estimem como um excelente guia no caminho da fé.
- Este catecismo testemunha a solicitude pastoral da Igreja em relação aos jovens. Quer o Servo de Deus João Paulo II, quer o Santo Padre Bento XVI, manifestam uma grande confiança e uma grande esperança nos jovens, e pensaram neste catecismo como um meio para os ajudar a aproximar-se de Jesus Cristo e da Tradição viva da Igreja, apresentando-lhes o essencial da fé cristã em linguagem acessível, que eles pudessem compreender, viver e testemunhar.
- Como afirmou o Senhor Cardeal Patriarca, «a linguagem do Catecismo da Igreja Católica é difícil e os jovens têm uma cultura própria». Este catecismo põe-nos em contacto com a Igreja, convidando-os a escutá-la, em linguagem que eles percebam, porque «não podem querer ser cristãos a sério sem escutarem a Igreja».
- Este catecismo coloca os jovens perante o essencial da fé, e as suas exigências. O Santo Padre diz que este catecismo não fala ao vosso gosto dos jovens, nem vai ao facilitismo, mas exige uma «vida nova», que brota do encontro com Cristo, com a verdade do seu Evangelho, acolhido como «a pérola preciosa» pelo qual «se tem de dar tudo».
- Este catecismo é um válido instrumento para a evangelização do mundo juvenil, mas precisa de ser complementado com a mediação de pessoas crentes e significativas sob o ponto de vista cristão - «Mestres e testemunhas» (EN 41) -, e pela mediação de comunidades cristãs que vivam e manifestem os aspectos fundamentais da fé nele enunciados.
- Este catecismo elaborado a partir do Catecismo da Igreja Católica, (aprovado pelo Servo de Deus João Paulo II 25 de Junho de 1992), numa versão mais simples e abreviada tem como objectivo ajudar os jovens a saber em que crêem; «a conhecer a fé como um especialista em tecnologia domina o sistema funcional do computador»; a compreendê-la «como um bom músico entende a partitura», para se enraizarem mais profundamente na fé e «enfrentarem os desafios e as tentações deste tempo com força e determinação» e, inclusivamente, para a puderam explicar aos colegas e aos pais.
- Ao apresentar os conteúdos da fé, aquilo em que a Igreja Católica crê, este catecismo é também um precioso contributo para ajudar a superar uma certa debilidade cultural relativamente aos conteúdos da fé, e a clarificar uma certa confusão derivada de uma multiplicidade de propostas religiosas, nem sempre sérias e nem sempre em conformidade com a Revelação divina e a Tradição viva da Igreja.
- Esperamos que, com a «ajuda divina», como diz o Santo Padre - a ajuda do Espírito Santo -, este catecismo leve os nossos jovens a encontrarem respostas para as suas questões e inquietações religiosas, a descobrirem a beleza da fé e a irradiarem o seu perfume no mundo.
- O nosso desejo é de que este catecismo se torne um verdadeiro instrumento de estudo e de formação para tantos jovens e os ajude a viver mais profundamente a sua fé. Embora ele tenha como principais destinatários os jovens, estou certo ele é também um instrumento adequado para adultos, que têm dificuldade de leitura do Catecismo da Igreja Católica e um bom subsídio para os animadores juvenis.
- Curiosamente Alexander, o responsável pela parte gráfica, escolheu a cor amarela - «a cor amarela é a cor da Igreja católica» - para a capa e um Y formado por várias cruzes, associando à cor e ao grafismo da capa uma mensagem, um desafio e um programa para todos os jovens católicos do mundo, que significa: «Mostrai a vossa cor, mostrai aquilo que sois! Não vos escondais! Não tenhais medo de ser crentes! Sede cristãos católicos, senti orgulho em sê-lo!»
Estou certo que os jovens saberão corresponder a esta mensagem, acolhendo e correspondendo aos apelos e às esperanças do Santo Padre ao entregar-lhes nas próximas jornadas mundiais da juventude este catecismo como um dom, como uma belo presente, mostrando assim quando os ama e estima e quanta esperança tem neles.
† Joaquim Mendes
Bispo Auxiliar de Lisboa 
Fonte: http://www.patriarcado-lisboa.pt