31 outubro, 2019

Cardeal-Patriarca assinala canonização de São Bartolomeu dos Mártires

O Cardeal-Patriarca de Lisboa vai presidir a uma Missa por ocasião da canonização de São Bartolomeu dos Mártires. A celebração vai ter lugar no próximo dia 15 de novembro, às 18h15, na Basílica de Nossa Senhora dos Mártires, em Lisboa.

A proclamação solene do decreto que inscreve Frei Bartolomeu dos Mártires no Livro dos Santos vai acontecer no dia 10 de novembro, na Sé de Braga, tal como determinou o Papa Francisco. Segundo o Boletim da Santa Sé do dia 6 de julho de 2019, o Papa Francisco “aprovou os votos favoráveis dos membros da congregação e estendeu o culto litúrgico em honra ao Beato Bartolomeu dos Mártires à Igreja Universal”, “inscrevendo-o no livro dos santos” por “canonização equipolente” – um processo instituído no século XVIII por Bento XIV, através do qual o Papa “vincula a Igreja como um todo para que observe a veneração de um Servo de Deus ainda não canonizado pela inserção de sua festividade no calendário litúrgico da Igreja universal, com Missa e Ofício Divino”.

Frei Bartolomeu dos Mártires, de seu nome Bartolomeu Fernandes, nasceu em Lisboa a 3 de maio de 1514, e é recordado como um modelo de benevolência e uma figura ímpar na dedicação à Igreja Católica. O Bispo português foi Arcebispo de Braga, arquidiocese que incluía na altura os territórios das dioceses de Braga, Viana do Castelo, de Bragança-Miranda e de Vila Real, afirmou-se como uma das vozes de referência no Concílio de Trento (1543 – 1563) e destacou-se também pela sua missão pastoral à frente das comunidades católicas do Minho e de Trás-os-Montes, com especial relevo para o seu gosto pelas visitas pastorais às populações, a que dedicava grande parte do seu tempo. Ao longo do seu percurso, D. Frei Bartolomeu dos Mártires ficou também célebre pela sua preocupação com a estruturação da Igreja Católica local, do clero às comunidades católicas, e pelo seu empenho nas causas sociais, de modo particular junto dos mais pobres e doentes. Depois de resignar, em 1582, por motivos de idade, Frei Bartolomeu dos Mártires viria a falecer em 1590, no Convento de Santa Cruz, em Viana do Castelo.

O bispo português foi declarado venerável a 23 de março de 1845, pelo Papa Gregório XVI, e foi beatificado a 4 de novembro de 2001, pelo Papa João Paulo II.

Patriarcado de Lisboa

O Papa na Capela de Santa Marta: o amor de Cristo não é amor de telenovela

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Papa Francisco na Missa da Capela de Santa Marta  (Vatican Media)

Na Missa da manhã desta quinta-feira (31) o Papa convida a entender a ternura do amor de Deus em Jesus por cada um de nós: somente assim podemos compreender realmente o amor de Cristo.

Giada Aquilino - Cidade do Vaticano 

Que o Espírito Santo nos faça compreender "o amor de Cristo por nós" e prepare os nossos corações para "nos deixarmos amar" pelo Senhor. Esta é a recomendação do Papa Francisco na Missa da manhã desta quinta-feira, na Casa Santa Marta, detendo-se na primeira leitura de hoje, tirada da Carta de São Paulo aos Romanos. Na sua homilia, o Pontífice explica como o Apóstolo dos gentios poderia até parecer "um pouco orgulhoso", "demasiado confiante" ao afirmar que nem "a tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada" conseguirão separar-nos "do amor de Cristo"

 O amor de uma mãe

No entanto, o Papa afirma, lendo São Paulo, "somos mais do que vencedores" com o amor do Senhor. São Paulo foi um deles porque, explica Francisco, desde o momento em que "o Senhor o chamou na estrada de Damasco, começou a compreender o mistério de Cristo": "tinha-se apaixonado por Cristo", tomado - observa o Papa - de "um amor forte", "grande", não uma "trama" de "telenovela". Um amor "sincero", ao ponto de "sentir que o Senhor acompanhava-o sempre, em coisas belas e feias".

“Ele sentia isto com amor. E eu questiono-me: amo o Senhor assim? Quando chegam os maus momentos, quantas vezes sinto o desejo de dizer: "O Senhor abandonou-me, já não me ama mais" e gostaria de deixar o Senhor. Mas Paulo estava certo de que o Senhor nunca abandona. Compreendera o amor de Cristo na sua própria vida. Este é o caminho que Paulo nos mostra: o caminho do amor, sempre, no bom e no mau, sempre e seguindo em frente. Esta é a grandeza de Paulo”. 

Dar a vida pelo outro

O amor de Cristo, acrescenta o Pontífice, “não se pode descrever”, é algo muito grande.
Foi Ele quem foi enviado pelo Pai para nos salvar e o fez com amor, deu a vida por mim: não há amor maior do que dar a vida por outra pessoa. Pensemos numa mãe, o amor de uma mãe, por exemplo, que dá a vida pelo filho, acompanha-o sempre, a vida toda, nos momentos difíceis, mas ainda é pouco… É um amor próximo de nós, o amor de Jesus não é um amor abstrato, é um amor eu-tu, eu-tu, cada um de nós, com nome e sobrenome. 

O pranto de cada um de nós

No Evangelho de Lucas, o Papa nota “algo do amor concreto de Jesus”. Falando de Jerusalém, Jesus recordou quando tentou recolher ps seus filhos “como a galinha com os seus pintainhos debaixo das asas”, e lhe foi impedido. Então “chorou”.

O amor de Cristo leva-o ao pranto, ao pranto por cada um de nós. Que ternura há nesta expressão. Jesus podia condenar Jerusalém, dizer coisas negativas… E lamenta-se porque não se deixa amar como os pintainhos da galinha. A ternura do amor de Deus em Jesus. E Paulo tinha entendido isto. Se não formos capaes de sentir, de entender a ternura do amor de Deus em Jesus por cada um de nós, jamais poderemos entender o que é o amor de Cristo. É um amor assim, espera sempre, paciente, o amor que joga a última carta com Judas: “Amigo”, livra-o, até ao fim. Também com os nossos grandes pecadores, até ao fim Ele ama com esta ternura. Não sei se pensamos em Jesus tão terno, em Jesus que chora, como chorou diante do túmulo de Lázaro, como chorou aqui, olhando Jerusalém. 

Um amor que se faz lágrima

Portanto Francisco exorta a questionar-mo-nos se Jesus chora por nós, ele que nos deu “tantas coisas” enquanto nós muitas vezes decidimos “tomar outro caminho”. O amor de Deus “faz-se lágrima, faz-se pranto, pranto de ternura em Jesus”, reitera. Por isso, conclui o Pontífice, São Paulo “tinha-se apaixonado por Cristo e nada podia separá-lo d’Ele”.


VN

30 outubro, 2019

O Papa celebra missa de Finados nas Catacumbas de Priscila, em Roma


Em 2017, o Papa visitou e celebrou missa no cemitério de Netuno, na diocese de Albano

A Solenidade de Todos os Santos e o Dia de Finados foram lembrados pelo Papa na Audiência Geral desta quarta-feira (30). Francisco rezou pelos defuntos, como fará no sábado, em direto das Catacumbas de Priscila, ao presidir a Santa Missa com transmissão ao vivo do Vatican News. 

Andressa Collet - Cidade do Vaticano 

O Papa Francisco, ao saudar os peregrinos provenientes da Polónia na Audiência Geral desta quarta-feira (30), lembrou que está-se a aproximar a Solenidade de Todos os Santos e o Dia de Finados, em memória dos fiéis defuntos. O Pontífice usou as palavras do Papa polonaco para indicar como devemos viver este período.
“ Como dizia São João Paulo II, estes dias ‘convidam-nos a dirigir o olhar para o Céu, destino da nossa peregrinação terrena. Lá nos espera a festiva comunidade dos Santos. Lá nos reencontraremos com os nossos queridos defuntos’, pelos quais agora se eleva a nossa oração. Vivemos o mistério da comunhão dos santos com a esperança que brota da ressureição do Senhor, nosso Jesus Cristo. ”

Transmissões ao vivo do Vatican News

Na sexta-feira, dia 1º de novembro e Solenidade de Todos os Santos, o Papa Francisco vai rezar a oração mariana do Angelus em direto da Praça de São Pedro. A alocução do Pontífice será transmitida ao vivo pelo Vatican News, com comentários em português, a partir do meio-dia, hora de Itália (13h em Portugal).

No sábado (2), Dia de Finados, a transmissão ao vivo será em direto das Catacumbas de Priscila, no bairro Trieste, em Roma, onde estão enterrados dois Pontífices: o Papa Marcelino e o Papa Marcelo I. A celebração da Santa Missa em comemoração aos fiéis defuntos, presidida pelo Papa Francisco a partir das 16h, hora de Italia (17h em Portugal).

Já na segunda-feira, dia 4 de novembro, o Pontífice irá celebrar a missa pelos cardeais e bispos falecidos no decorrer do último ano. A transmissão ao vivo, com comentários em português, direito da Basílica de São Pedro, começa às 11h30, hora de Itália, (12h30 em Portugal).

VN

Audiência: abrir o coração e deixar-se tocar pelo Espírito. Ele é o protagonista da missão



O Papa Francisco deu continuidade ao seu ciclo sobre os Atos dos Apóstolos e comentou o capítulo 16, quando Paulo e Silas chegaram à Europa através da Macedónia. 

Cidade do Vaticano 

A chegada da fé cristã à Europa foi o tema da catequese do Papa Francisco na Audiência Geral desta quarta-feira (30/10) na Praça São Pedro.

Com os primeiros sinais do outono a chegar, sob garoa, aos milhares de fiéis o Pontífice deu prosseguimento ao seu ciclo sobre os Atos dos Apóstolos e comentou o capítulo 16, 9-10.

E Paulo teve de noite uma visão, em que se apresentou um homem da Macedónia, que lhe rogou, dizendo: Passa à Macedónia, e ajuda-nos. E, logo após esta visão, procuramos partir para a Macedónia, concluindo que o Senhor nos chamava para lhes anunciarmos o evangelho. 

Macedónia, porta de entrada do cristianismo na Europa
 
O Espírito Santo é o protagonista da missão da Igreja, explicou o Papa. É ele quem guia o caminho dos evangelizadores mostrando-lhes a via a seguir. “E os macedónios têm orgulho disto e recordo este povo que me acolheu com tanto calor”, afirmou o Papa citando a sua viagem à Macedónia do Norte em maio deste ano.

Paulo chega a Filipos e ali batiza a vendedora Lídia e a sua família. Com o coração aberto, afirmou Francisco, a pessoa pode dar hospitalidade a Cristo e aos outros. “Temos aqui o testemunho da chegada do cristianismo à Europa: o início de um processo de inculturação que dura ainda hoje.” 

Prisão de Paulo e Silas 

Depois do calor vivido na casa de Lídia, Paulo e Silas têm que fazer as contas com a dureza da prisão, para onde são levados com a acusação de perturbarem a “ordem pública” ao converterem de seguida uma jovem “com espírito de adivinhação”. E Francisco advertiu as pessoas que ainda hoje pagam e utilizam os “poderes” dos “adivinhos”.

Na prisão, acontece um facto surpreendente: enquanto Paulo e Silas rezavam, um terremoto move os alicerces da prisão libertando os prisioneiros. Ao ver as portas abertas da prisão, o carcereiro está para se suicidar quando lhes pergunta: o que é necessário que eu faça para me salvar? Paulo responde: Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e a tua casa. 

A transformação 

Quanto a este ponto, explicou o Papa, acontece a mudança: no coração da noite, o carcereiro escuta a palavra do Senhor com a sua família, acolhe os apóstolos, lava as suas chagas e recebe o Batismo.

“No coração da noite deste anónimo carcereiro, a luz de Cristo brilha e derrota as trevas. Assim o Espírito Santo faz a missão, desde o início. Desde Pentecostes, Ele é o protagonista da missão", repetiu o Pontífice. Ele leva-nos em frente, a sermos fiéis ao Evangelho.

O Papa então concluiu:

“Peçamos também hoje ao Espírito Santo um coração aberto, sensível a Deus e hospitaleiro aos irmãos, como o de Lídia, e uma fé audaz, como a de Paulo e Silas, e também uma abertura de coração, como a do carcereiro, que se deixa tocar pelo Espírito Santo.”

VN

29 outubro, 2019

Papa Francisco: a esperança é o ar que o cristão respira



Celebrando a missa na capela da sua residência, o Pontífice dedicou a homilia à esperança: "Um cristão que não é capaz de ser propenso, de estar em tensão pela outra margem, falta alguma coisa: acabará corrompido".

Debora Donnini – Cidade do Vaticano 

A esperança é como lançar a âncora até à outra margem: o Papa Francisco celebrou a missa na capela da Casa de Santa Marta na manhã desta terça-feira (29/10) e utilizou esta imagem para exortar a viver “em tensão” rumo ao encontro com o Senhor. Caso contrário, acaba corrompido e a vida cristã corre o risco de se tornar uma “doutrina filosófica”.

A reflexão partiu da Primeira Leitura da Liturgia de hoje, extraída da carta de São Paulo aos Romanos (Rm 8,18-25), na qual o Apóstolo “canta um hino à esperança”.

Certamente, “alguns romanos” foram lamentar-se e Paulo exortou a olhar em frente: “Eu entendo que os sofrimentos do tempo presente nem merecem ser comparados com a glória que deve ser revelada em nós”. O Papa falou depois da Criação “propensa” à “revelação”. “Esta é a esperança: viver voltados para a revelação do Senhor, para aquele encontro com o Senhor”, destacou Francisco. Podem existir sofrimentos e problemas, mas “isto é amanhã”, enquanto hoje “tens o penhor” de tal promessa, que é o Espírito Santo que “nos espera” e “trabalha” já a partir deste momento. 

Lançar a âncora

Com efeito, a esperança é “como lançar a âncora até à outra margem” e agarrar-mo-nos à corda. Mas “não somente nós”, toda a Criação “na esperança seremos libertadados”, entraremos na glória dos filhos de Deus. E também nós que possuímos as “primícias do Espírito”, o penhor, “gememos interiormente esperando a adoção”.

A esperança é este viver em tensão, saber sempre que não podemos fazer o ninho aqui: a vida do cristão é “em tensão por”Se um cristão perde esta perspetiva, a sua vida torna-se estática e as coisas que não se movem, corrompem-se. Pensemos na água: quando ela está parada, não corre, não se move, corrompe-se. Um cristão que não é capaz de ser propenso, a estar em tensão pela outra margem, falta-lhe alguma coisa: acabará corrompido. Para ele, a vida cristã será uma doutrina filosófica, viverá assim, dirá que é fé, mas sem esperança. 

A mais humilde das virtudes

O Papa afirmou que é difícil entender a esperança. Se falarmos da fé, nreferimo-nos à “fé em Deus que nos criou, em Jesus que nos redimiu e recitamos o Creio e sabemos coisas concretas sobre a fé”; se falarmos de caridade, falamos em “fazer o bem ao próximo, aos outros, muitas obras de caridade que se fazem ao outro”. Mas a esperança é difícil de compreender: “é a mais humilde das virtudes”, que “somente os pobres podem ter”:

Se quisermos ser homens e mulheres de esperança, devemos ser pobres, pobres, não ligados a nada. Pobres. E abertos para a outra margem. A esperança é humilde, é uma virtude que deve ser trabalhada – digamos assim – todos os dias: todos os dias é preciso retomá-la, todos os dias é preciso pegar na corda e ver que a âncora está ali fixa e eu segurando-a pela mão; todos os dias é necessário recordar que temos o penhor, que é o Espírito que trabalha em nós com pequenas coisas. 

A esperança é a virtude que não se vê

Para explicar como viver a esperança, o Papa fez referência ao ensinamento de Jesus no trecho do Evangelho de hoje, quando compara o Reino de Deus ao grão de mostarda lançado no campo. “Vamos esperar que cresça”, não precisamos de ir lá todos os dias para ver como está, caso contrário “nunca cresceremos”, afirmou Francisco, referindo-se à “paciência” porque, como diz Paulo, “a esperança necessita de paciência”. É “a paciência de saber que nós semeamos, mas é Deus a fazê-la crescer”. “A esperança é artesanal, pequena, prosseguiu, é “semear um grão e deixar que seja a terra a fazê-lo crescer”.

No Evangelho de hoje, para falar da esperança, Jesus usa também a imagem do “fermento” que uma mulher pegou e misturou com três porções de farinha. Um fermento não mantido na geladeira, mas “misturado na vida”, assim como o grão é enterrado sob a terra.

Por isso, a esperança é uma virtude que não se vê: trabalha por debaixo; faz-nos olhar por debaixo. Não é fácil viver na esperança, mas eu diria que deveria ser o ar que um cristão respira, ar de esperança; do contrário, não poderá caminhar, não poderá ir em frente porque não saberá aonde ir. A esperança – isto sim é certo – dá-nos uma segurança: a esperança não desilude. Jamais. Se esperas, não serás desiludido. É preciso abrir-mo-nos a esta promessa do Senhor, voltados para aquela promessa, mas sabendo que existe o Espírito que trabalha em nós. Que o Senhor nos dê, a todos, esta graça de viver em tensão, em tensão mas não para os nervos, os problemas, não: em tensão pelo Espírito Santo que nos lança para a outra margem e nos mantêm na esperança.

VN

28 outubro, 2019

Motu proprio: Arquivo Secreto Vaticano passa a chamar-se Arquivo Apostólico Vaticano


Arquivo Secreto do Vaticano passa a chamar-se Arquivo Apostólico Vaticano 

Com um Motu Proprio, o Papa mudou a denominação de “Arquivo Secreto Vaticano” para “Arquivo Apostólico Vaticano”. Francisco explica que “com as progressivas mudanças semânticas nas línguas modernas e nas culturas e sensibilidades sociais de várias nações, de modo mais ou menos marcado, o termo Secretum ao lado de Arquivo Vaticano começou a ser mal entendido”  

Cidade do Vaticano 

O Papa Francisco publicou uma Carta Apostólica sob forma de Motu Proprio “A experiência histórica” assinada em 22 de outubro, com o qual muda a denominação do Arquivo Secreto Vaticano para Arquivo Apostólico Vaticano.

Francisco inicia a Carta explicando que a experiência histórica ensina que “toda a instituição humana, nascida com a melhor das tutelas e com vigorosas e fundamentadas esperanças de progresso, fatalmente tocada pelo tempo, e para permanecer fiel a si mesma e aos objetivos ideais da sua natureza, adverte a necessidade, não só de mudar a própria fisionomia, mas de transpor nas várias épocas e culturas os próprios valores inspiradores e realizar as atualizações que considera conveniente e às vezes necessária”. 

Como nasceu o Arquivo

No documento o Papa escreve que “do núcleo documentário da Câmara Apostólica e da própria Biblioteca Apostólica (a chamada Bibliotheca secreta) nasceu no início do século XVII o Arquivo Pontifício que começou a se chamar Secreto (Archivum Secretum Vaticanum)” alguns anos depois. Com o tempo o Arquivo cresceu muito e logo começaram a chegar pedidos para consultar documentos de todas as partes do mundo. “Embora a abertura aos pesquisadores tenha ocorrido apenas em 1881 entre os séculos XVII e XIX inúmeras obras eruditas puderam ser publicadas com o auxílio de cópias fiéis de documentos ou autênticos que eram conservadas pelos prefeitos do Arquivo Secreto Vaticano”.

Com o decorrer dos anos este serviço à Igreja, à cultura e aos estudiosos de todo o mundo fez com que o Arquivo Secreto Vaticano obtivesse grande estima e reconhecimento, principalmente pelas progressivas aberturas da documentação à consulta por parte de pesquisadores. A este propósito Francisco escreve que “a partir de março de 2020, tal abertura por minha disposição, se estenderá até o final do pontificado de Pio XII”. 

Porquê atualizar o nome

Em seguida o Papa esclarece que há um aspecto que considera útil atualizar ulteriormente, reiterando as finalidades eclesiais e culturais do Arquivo. “Este aspecto – escreve Francisco – refere-se à própria denominação do instituto: Arquivo Secreto Vaticano”.

O Santo Padre explica: “Enquanto perdurou a consciência da estreita ligação entre a língua latina e as línguas que dela originam, não havia necessidade de explicar ou até mesmo justificar o título Archivum Secretum. Porém com as progressivas mudanças semânticas nas línguas modernas e nas culturas e sensibilidades sociais de várias nações, de modo mais ou menos marcado, o termo Secretum ao lado de Arquivo Vaticano começou a ser mal entendido, e interpretado de modo ambíguo, até mesmo negativo. Pois perdera o verdadeiro significado do termo secretum ligando-o ao conceito expresso pela palavra moderna “secreto”. O Papa afirma: “Isso é exatamente o contrário do que o Arquivo Secreto Vaticano foi e pretende ser, pois – como disse o meu santo predecessor Paulo VI – este conserva ‘ecos e vestígios’ da passagem do Senhor na história”. E a Igreja não tem medo da história, aliás, ama-a, e gostaria de a amar mais e melhor, como Deus a ama!”. 

Arquivo Apostólico Vaticano

Portanto escreve o Papa, “Solicitado nestes últimos anos por alguns estimados prelados, assim como pelos meus estreitos colaboradores, e depois de ter escutado o parecer dos superiores do Arquivo Secreto Vaticano, com este meu Motu Proprio decido que: de agora em diante o atual Arquivo Secreto Vaticano, sem modificações da sua identidade, da sua organização e da sua missão, seja denominado Arquivo Apostólico Vaticano”.

Concluindo, confirma que “deste modo a nova denominação coloca em evidência a estreita ligação da Sé Romana com o Arquivo, instrumento indispensável do ministério petrino e ao mesmo tempo sublinha a imediata dependência do Romano Pontífice”.

VN

O desenvolvimento da doutrina é um povo que caminha unido


 Celebração na Basílica de São Pedro

O Sínodo para a Amazónia deu origem a um vivo debate entre os católicos. Há os que temem que se possa sair das marcas da Tradição. A história da Igreja indica-nos o caminho da fidelidade. 

Sergio Centofanti – Cidade do Vaticano 

Dois mil anos de história ensina que o desenvolvimento da doutrina da Igreja é um povo que caminha unido. Caminhando ao longo dos séculos, a Igreja vê e apreende coisas novas, crescendo sempre na inteligência da fé. Às vezes neste caminho, há alguns que se detêm, outros que vão rápido demais, e outros ainda que tomam outra estrada. 

Bento XVI: não congelar o magistério
 
Sobre este aspecto são significativas as palavras de Bento XVI na Carta escrita em 2009 sobre o caso da remissão da excomunhão aos 4 bispos consagrados pelo arcebispo Lefebvre, fundador da Fraternidade Sacerdotal São Pio X:

“Não se pode congelar a autoridade magisterial da Igreja no ano de 1962: isto deve ser bem claro para a Fraternidade. Mas, a alguns daqueles que se destacam como grandes defensores do Concílio, deve também ser lembrado que o Vaticano II traz consigo toda a história doutrinal da Igreja. Quem quiser ser obediente ao Concílio, deve aceitar a fé professada no decurso dos séculos e não pode cortar as raízes de que vive a árvore”. 

Colocar junto coisas novas e coisas antigas

É preciso considerar estes dois elementos: não congelar o magistério a uma determinada época e ao mesmo tempo permanecer fiéis à Tradição. Como diz Jesus no Evangelho: “Todo o escriba que se torna discípulo do Reino dos Céus é como um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas” (Mt 13,52). Não se apegar apenas às coisas antigas, nem mesmo acolher apenas coisas novas separando-as das antigas. 

Não se deter à carta mas deixar-se guiar pelo Espírito

O importante é entender quando há um desenvolvimento da doutrina fiel à Tradição. A história da Igreja ensina que não precisa de seguir a carta, mas o Espírito. De facto, se prendermos como ponto de referência a não contraditoriedade literal entre textos e documentos, paramos no caminho. Como está escrito no Catecismo da Igreja Católica: “A fé cristã não é uma ‘religião do Livro’. O Cristianismo é a religião da ‘Palavra’ de Deus, ‘não de uma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo’. Para que não sejam letra morta, é preciso que Cristo, Palavra eterna do Deus vivo, pelo Espírito Santo, nos abra o espírito à inteligência das Escrituras”. 

A grande mudança no primeiro Concílio de Jerusalém
 
Sem este olhar espiritual e eclesial, todo o desenvolvimento será visto como demolição da doutrina e como construção de uma nova Igreja. Por isso devemos ter uma grande admiração pelos primeiros cristãos que no Concílio de Jerusalém do primeiro século aboliram, mesmo sendo judeus, a tradição milenária da circuncisão. Para alguns deve ter sido um verdadeiro trauma cumprir esta mudança. A fidelidade não é o apego a uma só regra, mas caminhar juntos como povo de Deus. 

As crianças não batizadas vão ao paraíso ou não?
 
Talvez o exemplo mais notável refira-se à salvação das crianças não batizadas. Aqui fala-se da coisa mais importante para um crente: a salvação eterna. No Catecismo Tridentino, publicado pelo Papa São Pio V para o Decreto do Concílio de Trento, lemos: “Aos pequeninos não é deixada nenhuma possibilidade de obter a salvação se não lhes for dado o Batismo”. E muitos recordarão o que dizia o Catecismo breve de São Pio X: “As crianças mortas sem Batismo, para onde vão? As crianças mortas sem Batismo vão ao limbo, que não é prémio sobrenatural nem pena; porque, tendo o pecado original, e não só aquele, não merecem o paraíso, mas nem mesmo o inferno e o purgatório”. 

Desenvolvimento doutrinal de São Pio X a São João Paulo II
 
O Catecismo tridentino é de 1566, o Catecismo de São Pio X é de 1912. O Catecismo da Igreja Católica aprovado em 1992, elaborado sob a guia do cardeal Joseph Ratzinger durante o pontificado de São João Paulo II, diz: “Quanto às crianças mortas sem Batismo, a Igreja pode somente confiar-lhes à misericórdia de Deus (…) De facto, a grande misericórdia de Deus, ‘que quer que todos os homens sejam salvos’ (1Tm 2,4), e a ternura de Jesus para com as crianças, que disse: ‘Deixai as crianças virem a mim. Não as impeçais, porque a pessoas assim é que pertence o Reino de Deus (Mc 10, 14), permitem.nos acreditar que exista um caminho de salvação para as crianças mortas sem Batismo”. Portanto a solução já estava no Evangelho, mas não a vimos por muitos séculos. 

A questão da mulher na história da Igreja

A Igreja fez muitos progressos na questão feminina. A maior consciência dos direitos e da dignidade foi saudada por São João XXIII como um sinal dos tempos. Na primeira Carta a Timóteo São Paulo escrevia: “A mulher fique a escutar em silêncio, com toda a submissão. Não permite que a mulher ensine, nem que mande no homem. Ela fique em silêncio”. Somente nos anos 70 do século XX, durante o Pontificado de São Paulo VI, as mulheres começaram a ensinar nas universidades pontifícias aos futuros padres. Aqui também, tínhamos esquecido que foi uma mulher, Maria Madalena, a primeira pessoa a anunciar aos apóstolos a Ressurreição de Jesus. 

A verdade vos tornará livres

Último exemplo. O reconhecimento da liberdade religiosa e de consciência, além de política e de expressão, no magistério da Igreja pós-conciliar. Uma verdadeira mudança dos documentos dos Papas do século XIX, como Gregório XVI, que na Encíclica Mirari vos definia estes princípios, erros muito venenosos. Confrontando os textos, de um ponto de vista literal, há grande contradição, não há um desenvolvimento linear. Mas se lermos melhor o Evangelho, recordam-mo-nos das palavras de Jesus: “Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, e conhecereis a verdade, e a verdade vos tornará livres”. 

A dor dos Papas
 
Os santos convidaram sempre a amar os Papas, como condição para caminhar unidos à Igreja. São Pio X, falando aos sacerdotes da União Apostólica em 1912, afirmava com o “desabafo de um coração desconsolado”: “Parece incrível, e é mesmo desolador, que existam sacerdotes aos quais deve-se fazer esta recomendação, porém infelizmente, estamos a passar por dias em que nos encontramos nesta triste condição de ter que dizer aos sacerdotes: amem o Papa!”. João Paulo II, na Carta Ecclesia Dei de 1988, reconhecia “com grande aflição” a ilegítima ordenação episcopal conferida pelo bispo Lefebvre, recordando que é “contraditória uma noção de Tradição que se opõe ao Magistério universal da Igreja, do qual é detentor o Bispo de Roma e o Colégio dos Bispos. Não se pode permanecer fiel à Tradição rompendo o vínculo eclesial com aquele a quem o próprio Cristo, na pessoa do Apóstolo Pedro, confiou o ministério da unidade na sua Igreja”. Bento XVI, na Carta de 2009 sobre o caso lefebvriano, também exprimia muita dor: “Fiquei triste pelo facto de inclusive católicos, que no fundo poderiam saber melhor como tudo se desenrola, sentirem-se no dever de atacar-me e com uma virulência de lança em riste”. Quem é católico não só deve respeitar o Papa, mas amá-lo como Vigário de Cristo. 

Apelo à unidade: caminhar juntos na direção de Jesus

Portanto, a fidelidade a Jesus não é fixar-mo-nos num texto escrito em determinada época nestes 2000 anos de história, mas é fidelidade ao seu povo, o povo de Deus que caminha unido na direção de Jesus, unido com o seu Vigário e os sucessores dos Apóstolos. Como disse o Papa no Angelus de 27 de outubro, na conclusão do Sínodo para a Amazónia:

O que foi o Sínodo? Foi, como diz a palavra, um caminhar juntos, confortados pela coragem e pelas consolações que vêm do Senhor. Caminhamos fitando-nos nos olhos e ouvindo-nos com sinceridade, sem esconder dificuldades, experimentando a beleza de ir adiante juntos, para servir”.


VN

27 outubro, 2019

Homilia integral do Papa na missa de encerramento do Sínodo para a Pan-amazónia

 
Indígenas na Basílica de São Pedro durante a
missa de encerramento do Sínodo para a Amazónia
 
"Peçamos a Jesus que nos cure de criticar e queixar dos outros, de desprezar seja quem for: são coisas que desagradam a Deus", disse Francisco na homilia.
 
Cidade do Vaticano

Segue o texto integral da homilia do Papa Francisco na missa de encerramento do Sínodo para a Região Pan-amazónica, celebrada pelo Pontífice neste domingo (27/10), na Basílica de São Pedro.

HOMILIA DO SANTO PADRE
 
Eucaristia do XXX Domingo do Tempo Comum

no encerramento da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Pan-amazónia
 
(Basílica de São Pedro, 27 de outubro de 2019)

Hoje, a Palavra de Deus ajuda-nos a rezar por meio de três personagens: na parábola de Jesus, rezam o fariseu e o publicano; na primeira Leitura, fala-se da oração do pobre.

1.     A oração do fariseu principia assim: «Ó Deus, dou-Te graças». É um ótimo começo, porque a melhor oração é a de gratidão e louvor. Mas olhemos o motivo – referido logo a seguir –, pelo qual dá graças: «por não ser como o resto dos homens» (Lc 18, 11). E dá também a explicação do motivo: jejua duas vezes por semana, enquanto na época era obrigado a fazê-lo uma vez por ano; paga o dízimo de tudo o que possui, enquanto o mesmo era prescrito apenas para os produtos mais importantes (cf. Dt 14, 22-23). Em suma, vangloria-se porque cumpre do melhor modo possível preceitos particulares. Mas esquece o maior: amar a Deus e ao próximo (cf. Mt 22, 36-40). Transbordando da confiança própria, da sua capacidade de observar os mandamentos, dos seus méritos e virtudes, o fariseu aparece centrado apenas em si mesmo. Vive sem amor. Mas, sem amor, até as melhores coisas de nada aproveitam, como diz São Paulo (cf. 1 Cor 13). E sem amor, qual é o resultado? No fim de contas, em vez de rezar, elogia-se a si mesmo. De facto, não pede nada ao Senhor, porque não se sente necessitado nem em dívida, mas com crédito. Está no templo de Deus, mas pratica a religião do eu.

E além de Deus, esquece o próximo; antes, despreza-o, isto é, não lhe atribui preço, não tem valor. Considera-se melhor do que os outros, que designa, literalmente, por «o resto, os restantes (loipoi)» (Lc 18, 11). Por outras palavras, são «restos», descartados dos quais manter-se à larga. Quantas vezes vemos acontecer esta dinâmica na vida e na história! Quantas vezes quem está à frente, como o fariseu relativamente ao publicano, levanta muros para aumentar as distâncias, tornando os outros ainda mais descartados. Ou então, considerando-os atrasados e de pouco valor, despreza as suas tradições, apaga as suas gestas, ocupa os seus territórios e usurpa os seus bens. Quanta superioridade presumida, que se transforma em opressão e exploração, mesmo hoje! Os erros do passado não foram suficientes para deixarmos de saquear os outros e causar ferimentos aos nossos irmãos e à nossa irmã terra: vimo-lo no rosto dilaniado da Amazónia. A «religião do eu» continua, hipócrita com os seus ritos e as suas «orações», esquecida do verdadeiro culto a Deus, que passa sempre pelo amor ao próximo. Até mesmo cristãos que rezam e vão à Missa ao domingo são seguidores desta «religião do eu». Podemos olhar para dentro de nós e ver se alguém, para nós, é inferior, descartável… mesmo só em palavras. Rezemos pedindo a graça de não nos considerarmos superiores, não nos julgarmos íntegros, nem nos tornarmos cínicos e vilipendiadores. Peçamos a Jesus que nos cure de criticar e queixar dos outros, de desprezar seja quem for: são coisas que desagradam a Deus.

2.     A oração do publicano ajuda-nos a compreender o que é agradável a Deus. Aquele começa, não pelos méritos, mas pelas suas faltas; não pela riqueza, mas pela sua pobreza: não uma pobreza económica – os publicanos eram ricos e cobravam também injustamente, à custa dos seus compatriotas –, mas uma pobreza de vida, porque no pecado nunca se vive bem. Aquele homem reconhece-se pobre diante de Deus, e o Senhor ouve a sua oração, feita apenas de sete palavras mas de atitudes verdadeiras. De facto, enquanto o fariseu estava à frente, de pé (cf. Lc 18, 11), o publicano mantém-se à distância e «nem sequer ousava levantar os olhos ao céu», porque crê que o Céu está ali e é grande, enquanto ele se sente pequeno. E «batia no peito» (cf. 18, 13), porque no peito está o coração. A sua oração nasce do coração, é transparente: coloca diante de Deus o coração, não as aparências. Rezar é deixar-se olhar dentro por Deus sem simulações, sem desculpas, nem justificações. Porque, do diabo, vêm escuridão e falsidade; de Deus, luz e verdade. Foi bom – e vos agradeço, queridos padres e irmãos sinodais – termos dialogado, nestas semanas, com o coração, com sinceridade e franqueza, colocando fadigas e esperanças diante de Deus e dos irmãos.

Hoje, contemplando o publicano, descobrimos o ponto donde recomeçar: do facto de nos considerarmos, todos, necessitados de salvação. É o primeiro passo da religião de Deus, que é misericórdia com quem se reconhece miserável. Ao passo que a raiz de todo o erro espiritual, como ensinavam os monges antigos, é crer-se justo. Considerar-se justo é deixar Deus, o único justo, fora de casa. Esta atitude inicial é tão importante que Jesus no-la mostra com uma confrontação paradoxal, colocando lado a lado na parábola a pessoa mais piedosa e devota de então, o fariseu, e o pecador público por excelência, o publicano. E a sentença final inverte as coisas: quem é bom, mas presunçoso, falha; quem é deplorável, mas humilde, acaba exaltado por Deus. Se olharmos para dentro de nós com sinceridade, vemo-los ambos em nós: o publicano e o fariseu. Somos um pouco publicanos, porque pecadores, e um pouco fariseus, porque presunçosos, capazes de nos sentirmos justos, campeões na arte de nos justificarmos! Isto, com os outros, muitas vezes dá certo; mas, com Deus, não. Rezemos pedindo a graça de nos sentirmos carecidos de misericórdia, pobres intimamente. Por isso mesmo faz-nos bem frequentar os pobres, para nos lembrarmos que somos pobres, para nos recordarmos de que a salvação de Deus só age num clima de pobreza interior.

3.     Assim chegamos à oração do pobre. Esta – diz Ben Sirá – «chegará às nuvens» (35, 17). Enquanto a oração de quem se considera justo fica em terra, esmagada pela força de gravidade do egoísmo, a do pobre sobe, direita, até Deus. O sentido da fé do Povo de Deus viu nos pobres «os porteiros do Céu»: são eles que nos abrirão, ou não, as portas da vida eterna; eles que não se consideraram senhores nesta vida, que não se antepuseram aos outros, que tiveram só em Deus a sua própria riqueza. São ícones vivos da profecia cristã.

Neste Sínodo, tivemos a graça de escutar as vozes dos pobres e refletir sobre a precariedade das suas vidas, ameaçadas por modelos de progresso predatórios. E, no entanto, precisamente nesta situação, muitos nos testemunharam que é possível olhar a realidade de modo diferente, acolhendo-a de mãos abertas como uma dádiva, habitando na criação, não como meio a ser explorado, mas como casa a ser guardada, confiando em Deus. Ele é Pai e – diz ainda Ben Sirá – «ouvirá a oração do oprimido» (35, 13). Quantas vezes, mesmo na Igreja, as vozes dos pobres não são escutadas, acabando talvez vilipendiadas ou silenciadas porque incómodas. Rezemos pedindo a graça de saber escutar o clamor dos pobres: é o clamor de esperança da Igreja. Assumindo nós o seu clamor, também a nossa oração atravessará as nuvens.

VN

Francisco no Angelus: Sínodo, experimentamos a beleza de caminhar unidos para servir

 
 
"A grito dos pobres, junto ao grito da terra, veio da Amazónia. Depois destas três semanas não podemos fazer de conta, não tê-lo ouvido", disse o Papa no Angelus deste domingo.
 
Mariangela Jaguraba - Cidade do Vaticano

Após a missa de encerramento do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-amazónica, o Papa Francisco rezou a oração mariana do Angelus, deste domingo (27/10).

“A missa celebrada, esta manhã, na Basílica de São Pedro concluiu a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-amazónica. A Primeira Leitura, do Livro do Eclesiástico, recordou-nos o ponto de partida desse caminho: a oração do pobre que «atravessa as nuvens», pois «Deus escuta a oração do oprimido».  O grito dos pobres, junto ao grito da terra, veio da Amazónia. Depois destas três semanas não podemos fazer de conta, não tê-lo ouvido. As vozes dos pobres e a de tantos outros dentro e fora da Assembleia sinodal, pastores, jovens e cientistas impelem-nos a não permanecer indiferentes. Ouvimos muitas vezes a frase “depois é tarde demais”: esta frase não pode permanecer um slogan.”

“O que foi o Sínodo?” Perguntou o Papa. “Foi, como diz a palavra, um caminhar juntos, revigorados pela coragem e pelo consolo que vem do Senhor. Caminhamos, olhando-nos nos olhos e ouvindo-nos, com sinceridade, sem esconder as dificuldades, experimentando a beleza de caminhar unidos, para servir.”

Francisco sublinhou que “na segunda leitura deste domingo, o apóstolo Paulo incentiva-mos a isso: num momento dramático para ele, pois sabe que está para ser oferecido em sacrifício, ou seja, justiçado, e que chegou o momento de deixar esta vida, escreve naquele momento: «O Senhor esteve ao meu lado e deu-me forças. Ele fez com que o Evangelho fosse anunciado por mim integralmente e ouvido por todas as nações». Eis o último desejo de Paulo: não algo para si ou para alguns dos seus, mas para o Evangelho, para que seja anunciado a todos os povos. Isto vem antes de tudo e conta acima de tudo. Cada um de nós já se questionou muitas vezes sobre o que fazer de bom para a própria vida. Hoje é o momento. Perguntemo-nos: “O que eu posso fazer de bom pelo Evangelho?”

“No Sínodo, fizemos a nós esta pergunta com o desejo de abrir novas estradas ao anúncio do Evangelho. Anuncia-se somente o que se vive. Para viver de Jesus, para viver do Evangelho, é preciso sair de de nós mesmos.”

“Sentimo-nos, então, impelidos a descolar”, frisou o Papa, “a deixar as costas confortáveis dos nossos portos seguros para penetrar nas águas profundas: não nas águas pantanosas das ideologias, mas no mar aberto, onde o Espírito nos convida a lançar as redes".

Francisco convidou a invocar a Virgem Maria, para o caminho que virá, “venerada e amada como Rainha da Amazónia”. Maria adquiriu este título não como conquistadora, “mas inculturando-se. Com a coragem humilde de mãe, tornou-se a protetora dos seus filhos, a defesa dos oprimidos. Indo sempre à cultura dos povos: não há uma cultura padrão, não há uma cultura pura que purifique os outros. Existe o Evangelho, puro, que se incultura. A ela, que cuidou de Jesus na casa pobre de Nazaré, confiamos os filhos mais pobres de nossa Casa

VN

26 outubro, 2019

Papa: as diagnoses feitas pelo Sínodo são a sua vitória

 
 Papa Francisco encerra os trabalhos sinodais
 
Francisco fez uma longa análise sobre o Sínodo, pedindo que se dê atenção ao conjunto do que foi feito e não nos percamos em "miudezas".
 
Bianca Fraccalvieri - Cidade do Vaticano

Depois de participar ativamente nas três semanas de trabalhos sinodais, o Papa Francisco tomou a palavra no final da tarde deste sábado para se dirigir a todos os participantes e encerrar as sessões.

Como é seu estilo, falou a partir da sua experiência, partilhando a sua perspectiva e revelando algumas decisões.

Antes de tudo, agradeceu a todos pelo testemunho de “trabalho, escuta e busca” por colocar em prática o “espírito sinodal”. “Estamos sempre a perceber mais o que é este caminhar juntos e estamos tamém a entender o que significa discernir, o que significa escutar, o que significa incorporar a rica tradição da Igreja nos momentos conjunturais”.

Exortação pós-sinodal

Francisco citou o compositor austríaco Gustav Mahler, que dizia que a tradição é a salvaguarda do futuro e não a custódia das cinzas. E confidenciou que ainda não tomou uma decisão sobre o tema do próximo Sínodo, que pode ser precisamente o da sinodalidade, já que foi um dos três temas que recebeu votação maioritária.

Sobre a Exortação pós-sinodal, o Papa recordou que não é obrigatória, que o mais simples seria dizer: “Eis aqui o documento, vejam vocês”. “Em todo caso, uma palavra do Papa sobre o que se viveu no Sínodo pode ser uma boa coisa e gostaria de fazê-lo antes do final do ano, de modo que não passe muito tempo.”

As quatro dimensões

O Pontífice falou na sequência sobre as quatro dimensões tratadas no Sínodo Amazónico: cultural, ecológica, social e pastoral.

Quanto à primeira, foram abordados temas como a inculturação, a valorização das culturas e a tradição. Sobre a segunda, o Papa manifestou a sua admiração pelo Patriarca Bartolomeu de Constantinopla, um dos pioneiros na conscientização do problema ecológico e da exploração compulsiva, da qual a Amazónia é um dos alvos principais.

Já a dimensão social chama em causa a exploração das pessoas e a destruição da identidade cultural. A quarta dimensão – a pastoral – é  “a principal”. “O anúncio do Evangelho é urgente, urgente. Porém, que seja entendido, assimilado e compreendido por essas culturas.” Para Francisco, uma das expressões fundamentais é “criatividade nos novos ministérios”, inspirados emMinisteria Quaedam de Paulo VI.

O Papa assumiu o compromisso de reforçar a Comissão para o estudo do diaconato permanente. “V´s sabeis que se chegou a um acordo entre todos que não era claro. (…) Recolho o desafio que foi lançado: “que sejamos ouvidas”… recolho este desafio”, disse Francisco no meio aos aplausos.

Outro tema mencionado pelo Pontífice foi “reforma”: para a formação sacerdotal, para o zelo apostólico e para a redistribuição do clero, inclusive entre continentes. A este ponto, fez um agradecimento aos verdadeiros sacerdotes “fidei donum” que “não se apaixonam pelo Primeiro Mundo”.

Mulheres, reformas e ritos

Francisco falou também da mulher: “Nós não nos damos conta do que significa a mulher na Igreja.” O seu papel vai muito além da “parte funcional”, afirmou mais uma vez entre aplausos.

A Rede Eclesial Pan-amazónica (Repam) também foi mencionada como modelo a seguir para uma “semi-conferência episcopal” para a região ou um “Celam amazónico” (Conselho Episcopal Latino-americano). Outra sugestão, desta vez dentro da Cúria Romana, seria criar uma seção amazónica no Dicastério para a Promoção Humana Integral.

Quanto à abertura a novos ritos, Francisco disse que este aspeto cabe à Congregação para o Culto Divino e pode-se fazer seguindo certos critérios e “eu sei que se pode fazer muito bem e fazer as propostas necessárias para a inculturação”.

Elite católica

Por fim, os agradecimentos a quem trabalhou “escondido” nas secretarias e também aos meios de comunicação. Aos profissionais da imprensa, um conselho: do Documento final, ressalta sobretudo a parte da “diagnose” feita, porque “é realmente a parte em que o Sínodo mais se expressou: diagnose cultural, social, pastoral, ecológica, porque a sociedade deve assumir a sua responsabilidade.

Mais importante do que saber o que foi decidido sobre um aspeto particular, disciplinar, ou “qual partido venceu”, é saber que “todos vencemos com as diagnoses feitas e com o que foi avante nas questões pastorais e intereclesiásticas”.

Francisco falou de grupos da elite cristã, sobretudo católica, que se preocupam com “miudezas” e se esquecem das grandes coisas. A propósito, citou uma frase do escritor francês Charles Péguy: “Porque não têm a coragem de estar com o mundo, crêem estar com Deus. Porque não têm a coragem de comprometerem-se nas opções de vida do homem, crêem lutar por Deus. Porque não amam ninguém, crêem amar a Deus”.

Ao se desculparem pela “petulância”, o Papa concluiu de maneira “tradicional”: pedindo que rezem por ele.

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