31 dezembro, 2018

Papa: Jesus é 'concentrado' de todo o amor de Deus num ser humano

 
 31.12.2018 Primeiras Vésperas e Te Deum  (Vatican Media)
 
O próprio Jesus nasceu em condição de privação, “não por acaso nem por um incidente”, observou, mas “quis nascer assim, para manifestar o amor de Deus pelos humildes e os pobres e, deste modo, lançar no mundo a semente do Reino de Deus, Reino de justiça, amor e paz”, disse o Papa no Te Deum de ação de graças pelo ano que termina.
 
Raimundo de Lima - Cidade do Vaticano

“Também durante este ano que chega ao fim, muitos homens e mulheres viveram, e vivem, em condições de escravidão, condições indignas de pessoas humanas”: disse o Papa Francisco no final da tarde desta segunda-feira, 31 de dezembro, no Te Deum – celebração de Ação de Graças – na Basílica de São Pedro, durante as Primeiras Vésperas da Solenidade da Santa Mãe de Deus, Maria, que a Igreja celebra no 1º de janeiro.

No final do ano, a Palavra de Deus acompanha-nos com estes dois versículos do apóstolo Paulo (cf. Gal 4, 4-5). São expressões breves e densas: uma síntese do Novo Testamento que dá sentido a um momento “crítico” como é sempre uma passagem de ano, ressaltou o Pontífice no início da homilia, atendo-se à liturgia das Primeiras Vésperas. 

Plenitude do tempo

A primeira expressão que nos sensibiliza, disse Francisco, é a “plenitude do tempo”. Assume uma ressonância particular nestas horas finais dum ano solar, em que sentimos ainda mais a necessidade de algo que encha de significado o decorrer do tempo. Algo, ou melhor, alguém. E este “alguém” veio. Deus enviou-o: é “o seu Filho”, Jesus.

“Celebramos há pouco o seu nascimento: nasceu duma mulher, a Virgem Maria; nasceu sob a Lei, um menino judeu, sujeito à Lei do Senhor.” Mas, como é possível? Como pode ser isto o sinal da “plenitude do tempo”?, questionou o Santo Padre, acrescentando:

“Claro, por enquanto é quase invisível e insignificante, mas, dentro de pouco mais de trinta anos, aquele Jesus desencadeará uma força inaudita, que dura ainda e durará ao longo da história inteira. Esta força chama-se Amor. É o amor que dá plenitude a tudo, mesmo ao tempo; e Jesus é o ‘concentrado’ de todo o amor de Deus num ser humano.” 

Para resgatar: fazer sair da escravidão e restituir a liberdade

São Paulo diz, claramente, o motivo porque o Filho de Deus nasceu no tempo, qual é a missão que o Pai Lhe confiou para realizar: nasceu “para resgatar”, frisou o Papa.

“Esta é a segunda palavra que nos sensibiliza: resgatar, isto é – prosseguiu –, fazer sair duma condição de escravidão e restituir-nos à liberdade – à dignidade e à liberdade própria de filhos.”

A escravidão que o apóstolo tem em mente é a da “Lei”, explicou Francisco, “entendida como um conjunto de preceitos que devem ser observados, uma Lei que certamente educa o homem, é pedagógica, mas não o liberta da sua condição de pecador”; antes, de certo modo “crava-o” a esta condição, impedindo-o de atingir a liberdade do filho, observou. 

Convite à reflexão e ao arrependimento

“Deus Pai enviou ao mundo o seu Filho Unigénito para desenraizar do coração do homem a escravidão antiga do pecado e, assim, restituir-lhe a sua dignidade”, disse Francisco convidando à reflexão e ao arrependimento: “devemos deter-nos; deter-nos a refletir com amargura e arrependimento porque também durante este ano que chega ao fim, muitos homens e mulheres viveram, e vivem, em condições de escravidão, condições indignas de pessoas humanas”.

“Também na nossa cidade de Roma, há irmãos e irmãs que, por vários motivos, estão neste estado. Penso, de modo particular, naqueles que vivem sem um lar. São mais de dez mil. De inverno, a sua situação é particularmente dura. Todos eles são filhos e filhas de Deus, mas de diferentes formas de escravidão, por vezes muito complexas, levaram-nos a viver no limite extremo da dignidade humana.” 

Manifestação do amor de Deus pelos humildes e os pobres

Francisco disse ainda que o próprio Jesus nasceu numa condição semelhante, “não por acaso nem por um incidente”, observou, mas “quis nascer assim, para manifestar o amor de Deus pelos humildes e os pobres e, deste modo, lançar no mundo a semente do Reino de Deus, Reino de justiça, amor e paz”.

“A Igreja que está em Roma não quer ficar indiferente às escravidões do nosso tempo, nem limitar-se a observá-las e prestar-lhes assistência, mas quer estar dentro desta realidade, próxima a estas pessoas e situações.”
 
A santa mãe Igreja eleva seu hino de louvor a Deus
 
“Apraz-me encorajar esta forma da maternidade da Igreja, ao celebrarmos a maternidade divina da Virgem Maria”, disse por fim o Papa, acrescentando:

“Contemplando este mistério, reconhecemos que Deus ‘nasceu de uma mulher’ para que nós pudéssemos receber a plenitude da nossa humanidade, ‘a adoção de filhos’. Pelo seu abaixamento, fomos solevados. Da sua pequenez, veio a nossa grandeza. Da sua fragilidade, a nossa força. De Ele Se fazer servo, a nossa liberdade.”

“Que nome dar a tudo isto, senão Amor? Amor do Pai e do Filho e do Espírito Santo, a Quem a santa mãe Igreja eleva em todo o mundo, nesta tarde, o seu hino de louvor e agradecimento”, concluiu Francisco.

A liturgia encerrou-se com a exposição do Santíssimo Sacramento, o canto do tradicional hino Te Deum de ação de graças pelo ano decorrido e a Bênção Eucarística, no final da Miisa, da qual o Santo Padre, deixou a Basílica Vaticana, deslocando-se até à Praça de São Pedro, detendo-se em oração diante do Presépio montado no centro da praça.

VN

As homilias do Papa Francisco na Capela de Santa Marta, em 2018


 Papa Francisco celebra a Missa na Capela da Casa Santa Marta  (Vatican Media)

Durante este ano o Papa pronunciou cerca de noventa homilias nas Missas celebradas na Capela de Santa Marta: meditações intensas para viver uma fé cristã autêntica, centralizada no encontro vivo com Jesus e o amor concreto pelos outros.

Cidade do Vaticano

Homilias breves, sempre de improviso: são as meditações matutinas de Francisco na Capela da Casa de Santa Marta. Este ano ele pronunciou 89. São reflexões centralizadas no primeiro anúncio, o kerygma: “Jesus Cristo ama-te, deu a sua vida para te salvar, e agora vive contigo todos os dias para te iluminar, fortalecer, libertar” (Evangelii gaudium, 164).

Francisco sabe dizer palavras que fazem o coração arder, com uma linguagem viva e colorida, às vezes forte para encorajar e amadurecer na vida cristã. As homilias de Santa Marta contêm três elementos: uma ideia, um sentimento, uma imagem, no contexto de uma pregação positiva que oferece sempre esperança, mesmo quando o tom é mais severo. A severidade que usava também Jesus para sacudir os que se consideravam certos e se fechavam ao seu amor, à sua salvação. 

O exame final é sobre o amor
 
Neste ano o Papa falou muitas vezes sobre a atualidade, o mundo e a Igreja, mas a mensagem mais presente é escatológica, a espera do encontro com Jesus, o exame final sobre o que Francisco chama o “protocolo” de Mateus 25: “Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; Sendo estrangeiro, me recolhestes; estando nu, me vestistes; e enfermo, e na prisão, me visitastes”. Na ocaso da nossa vida o nosso julgamento será baseado no amor concreto que vivemos na terra. Hoje já conhecemos as perguntas daquele exame crucial. 

Os cristãos são os que pagam pelos outros, como Jesus

Um homilia exemplar é a de 8 de outubro passado, na qual o Papa comentou a parábola do bom samaritano: “E quem é o meu próximo?” É uma pergunta cilada e auto-justificadora. O Senhor fala do homem ferido pelos ladrões: um sacerdote e um levita, dois homens estimados pela administração do culto e o conhecimento da lei, o encontram e passam adiante. São dois “funcionários” da fé, explica o Papa, que talvez até digam: “Pelo caminho rezarei por ele, mas não cabe a mim. Aliás, se eu estivesse ali e tocasse naquele sangue, iria ficar impuro e não poderia celebrar". Um samaritano, ou seja, “um pecador, um excomungado”, detêm-se e o ajuda: era o mais pecador, mesmo assim teve compaixão do homem ferido. Deixa os seus programas de lado, e suja suas mãos, suas roupas, enfaixa as ferida do homem derramando óleo e vinho, leva-o a uma hospedagem e dá aos hospedeiro dois denários dizendo: "Trata dele e, quanto gastares a mais, na volta pagar-te-ei”. 

Pecadores e corruptos

Jesus usava palavras duras contra a hipocrisia dos fariseus, dos escribas e saduceus, pessoas que se consideravam as melhores, perfeitos conhecedores das leis, e julgavam todos. Assim, o Papa muitas vezes repreende os chamados vizinhos, os que pensam que têm tudo em regra, mas desinteressam-se dos outros, e por aqueles que têm uma vida dupla, principalmente se forem pastores. Define “corruptos” os que se sentem justos e não precisam se converter continuamente. Ao contrário, o cristão sabe que é um pecador que precisa da conversão e da misericórdia de Deus e por isso tem misericórdia pelos outros. 

Cuidado com o diabo

Francisco convida a passar da lógica do mundo à lógica de Deus, porque é fácil viver um cristianismo morno e mundanizado sem, nem mesmo se dar conta. Exorta à coragem de uma oração insistente que ousa dirigir-se ao Senhor com confiança, olhando Cristo crucificado nos momentos difíceis. Lança apelos para ficar unidos a Jesus e aos irmãos para não cair nas tentações do diabo que engana e diz mentiras para dividir, usando os hipócritas. O Papa nas suas homilias adverte com frequência o perigo de Satanás, o Grande Acusador. A vocação do demónio, disse – é destruir a obra de Deus. 

Apaixonados por Jesus
 
A palavra chave para não errar o nosso caminho de fé – explica o Papa – é sermos “apaixonados” pelo Senhor e inspirarmo-nos n’Ele para as nossas ações. É um equilíbrio entre “contemplação e serviço”, o ora et labora de São Bento, evitando a religião dos atarefados, que não sabem parar para ficar com Jesus. A verdadeira contemplação não é um “dolce far niente”, mas sim deter-se e olhar para o Senhor que toca o coração e inspira as nossas ações.

VN

«Estava no mundo e o mundo, que foi feito por Ele, não O conheceu.» Jo 1, 10





Neste final de ano e começo de um novo ano recordo uma das muitas coisas que o meu pai nos ensinou, em família, dizendo que a gratidão era a “coisa” mais importante, pois tudo envolvia: a humildade, a entrega, o amor.

Ao ler o versículo, em título, do Evangelho de hoje, reconheço, sem dúvida, como nós homens somos ingratos.

Deus fez o mundo e entregou-o nas nossas mãos, para que o “enchêssemos e dominássemos” (Gen 1, 28), não como ditadores, como déspotas, mas como o próprio Deus se nos revela, em amor e por amor.

Nós, homens, no entanto, não só vamos destruindo o mundo com toda a nossa ganância e egoísmo, como, (certamente porque não suportamos a culpa disso mesmo), vamos querendo afastar Deus da sua obra, não só do mundo, mas, sobretudo, da sua obra mais perfeita, (porque feita à sua imagem e semelhança), do Homem.

E isto porque não somos gratos, e não somos gratos, porque não somos humildes, porque não sabemos receber e não sabemos dar, enfim porque não amamos como Ele nos ensinou a amar.

Por isso o meu desejo mais profundo, o meu voto mais sentido, o meu pedido ao Senhor de todas as coisas neste novo ano que vai começar, é que, mais uma vez e sempre tenha compaixão de nós e nos ajude e leve a perceber que Ele está no mundo, que Ele fez o mundo, e que só conhecendo-O poderemos verdadeiramente alcançar a felicidade que todos desejamos nesta quadra uns aos outros, a maior parte das vezes apenas por palavras de circunstância e sem o amor verdadeiro, ou seja, o amor que Ele nos dá primeiro, para nós recebermos e darmos uns aos outros, em humildade, entrega e gratidão.


Marinha Grande 31 de Dezembro de 2018

Joaquim Mexia Alves

30 dezembro, 2018

Família, um tesouro a ser protegido e defendido, diz Papa no Angelus

 
Papa Francisco dedicou o último Angelus do ano à Sagrada Família  (ANSA)
 
No último Angelus de 2018, o Papa pediu às pessoas para se questionarem se conseguem "maravilharem-se" com o que uma pessoa tem de bom e também sentir angústia ao ficar longe de Jesus.
 
Jackson Erpen – Cidade do Vaticano

“Eis porque a família de Nazaré é santa: por estar centrada em Jesus”. Eram “unidos por um amor intenso e animados por uma grande confiança em Deus”. No último Angelus de 2018, o Papa Francisco dedicou a sua reflexão à Sagrada Família, festejada pela Igreja neste domingo.

Mas o Papa recordou também as famílias com problemas, convidando-nos a aprender maravilharmo-nos com as coisas boas que os outros têm, especialmente com quem nos é mais difícil.

Dirigindo-se aos milhares de peregrinos presentes na Praça São Pedro, o Pontífice chamou a atenção para dois elementos presentes na narrativa de São Lucas: estupor e angústia.

De facto, a família de Nazaré foi à Jerusalém para a Festa da Páscoa, mas na viagem de retorno, Maria e José percebem que o filho de doze anos não está na caravana, e depois “de três dias de busca e de medo, encontram-no no templo, sentado entre os doutores, decidido a discutir com eles”. Maria e José ficam "admirados" com a cena e Maria diz a Jesus que José e ela ficaram angustiados à sua procura. 

Estupor

Nunca faltou o estupor na família de Nazaré – explicou o Papa – que é “a capacidade de se maravilharem diante da gradual manifestação do Filho de Deus”. Também os doutores no templo ficaram admirados "pela sua inteligência e as suas respostas".

Maravilhar-se – observou Francisco - é o oposto de tomar tudo como certo, de interpretar a realidade que nos rodeia e os acontecimentos da história somente segundo os nossos critérios:

“Maravilhar-se é abrir-se aos outros, compreender as razões dos outros: essa atitude é importante para curar relacionamentos comprometidos entre as pessoas e é também indispensável para curar feridas abertas no âmbito familiar”. 

Curar as feridas na família

O Papa recordou então, que quando existem problemas nas famílias,  achamos sempre que temos razão e fechamos as portas aos outros, mas deveríamos, pelo contrário, pensar no que a outra pessoa tem de bom e maravilhar-mo-nos por este "bom". E explicou:

"Isto ajuda a unidade da família. Se tens problemas na família, pensa nas coisas boas que tem a pessoa da família com a qual tens problemas, e maravilha-te disto. E isto ajudará a curar as feridas familiares". 

Angústia

O Papa fala então da angústia que José e Maria sentiram com a perda do filho, o que “manifesta a centralidade de Jesus na Sagrada Família”:

A Virgem e o seu esposo tinham acolhido aquele Filho, eles protegiam e o viam-no crescer em idade, sabedoria e graça no seio a eles, mas acima de tudo ele crescia dentro dos seus corações; e, pouco a pouco, aumentava seu afeto e sua compreensão em relação a ele”.
“ Eis porque a família de Nazaré é santa: por estar centrada em Jesus, todas as atenções e solicitudes de Maria e José eram dirigidas a ele ”
Esta mesma angústia de Maria e José, disse Francisco, deveria ser experimentada também por nós, “quando estamos distantes dele”:

Deveríamos ficar angustiados quando por mais de três dias nos esquecemos de Jesus, sem rezar, sem ler o Evangelho, sem sentir a necessidade da sua presença e amizade consoladora”. E tantas vezes passam os dias sem que eu me recorde de Jesus. Mas isso é feio, isto é muito feio. Deveríamos angustiar-nos quando estas coisas acontecem." 

Encontrar Jesus na Casa de Deus

Assim como Maria e José o encontraram no templo ensinando - ressaltou o santo Padre -  também nós “podemos encontrar o divino Mestre e acolher a sua mensagem de salvação”, na Casa de Deus:

Na celebração eucarística, fazemos experiência viva de Cristo; Ele fala-nos, oferece-nos a sua Palavra, ilumin-nos, ilumina o nosso caminho, dá-nos o seu corpo na Eucaristia, da qual tiramos força para enfrentar as dificuldades de todos os dias”. 

Rezar pelas famílias onde não há paz

Ao concluir, o Santo Padre convidou a todos para rezar “por todas as famílias do mundo, especialmente por aquelas em que, por várias razões, há falta de paz e harmonia. E as confiemos à proteção da Sagrada Família de Nazaré”. 

Família, tesouro a ser protegido e defendido

Após rezar o Angelus, o Papa saudou os peregrinos, em especial as famílias presentes na Praça de São Pedro:

"Hoje dirijo uma saudações especial às famílias aqui presentes. Um aplauso às famílias que estão aqui, todas; e também para aquelas que acompanham de casa pela televisão e pela rádio. A família é um tesouro: é preciso protegê-la sempre, defendê-la. Que a Sagrada Família de Nazaré proteja e ilumine o seu caminho”.

Antes de despedir-se com o tradicional “bom almoço e até logo”, Francisco desejou a todos um “sereno final de ano. Acabar o ano com serenidade”, sugeriu. E agradeceu novamente pelas felicitações de Natal e pelas orações recebidas.

Veja também:

Anjelus de 30 de dezembro de 2018 


VN

29 dezembro, 2018

Card. Parolin: no Iraque toquei a fé de uma igreja mártir

 
 
Entrevista com o secretário de Estado do vaticano após o retornar dã sua visita ao Iraque, onde celebrou o Natal com as comunidades cristãs. O cardeal também fala do encontro de fevereiro no Vaticano sobre a proteção de menores.
 
Alessandro Gisotti - Cidade do Vaticano
 
Uma visita repleta de significado a uma Igreja que, entre sofrimentos e tribulações, testemunha a alegria e a beleza do Evangelho. Assim que retornou ao Vaticano, o cardeal Pietro Parolin fala com emoção sobre a sua viagem ao Iraque. O secretário de Estado partilha a esperança dos fiéis iraquianos de uma visita do Papa Francisco e ressalta a importância da colaboração entre cristãos e muçulmanos para um futuro pacífico no país.

Cardeal Pietro Parolin, as imagens que pudemos receber do Iraque de sua visita, passavam por uma sensação de grande emoção. O que representou para o senhor celebrar o Natal com a Igreja mártir do Iraque?

R. - Eu diria que a palavra que usou - "emoção" - é a correta: uma grande emoção, uma grande comoção esse encontro com as comunidades cristãs do Iraque, e uma grande alegria da minha parte certamente, e parece-me ter percebido também da parte deles. Senti-me muito feliz por poder levar-lhes a proximidade do Papa, o seu afeto, a sua bênção, a atenção com que ele seguiu sempre os seus acontecimentos. Acredito que a viagem correu bem porque inseriu-se neste tempo especial de Natal, em que há uma atmosfera de celebração e alegria. Naturalmente, foi uma ocasião para partilhar os sofrimentos dos anos recentes e também um pouco das incertezas do presente, mas ao mesmo tempo, também as esperanças pelo futuro. No entanto, eu realmente o definiria como um momento de graça pelo qual estou imensamente grato ao Senhor.

P. - Como encontrou essa comunidade que - como dizia - vive com alegria a fé no meio de tantas tribulações? Que testemunho, na sua opinião, dá uma comunidade como essa aos outros cristãos do mundo?

R. – Nos pronunciamentos que fiz, sobretudo nas homilias, insisti muito neste ponto: "Vocês são um testemunho para a Igreja universal. A Igreja universal está grata a vós por aquilo que viveram, e como viveram isso, e deve agarrar o vosso exemplo, a vossa capacidade de suportar sofrimentos, aflições, em nome de Jesus". Eu diria que esta é uma exemplaridade que eles propõem a toda a Igreja que - como diz o Concílio - "vive entre as perseguições do mundo e as por serem cristãos e continuarem a sê-lo no meio de tantas dificuldades, tantas provações e sofrimentos!

P. - Uma viagem que lhe deixou tantas imagens fortes e tocantes. Há alguma em particular que mais o tenha tocado, quem sabe que sintetiza esta sua visita?

R. - As imagens foram tantas, porque cada encontro está bem presente, gravado na minha memória. Certamente a destruição de Mosul, que foi realmente algo que me impressionou profundamente - ver as igrejas, mas também as casas, os prédios, a parte inteira da cidade que mais sofreu pelos acontecimentos bélicos - outra coisa que me impressionou muito foram essas igrejas - tanto as caldeias quanto as sírio-católicas - cheias de gente: cheias de homens, de mulheres, de crianças e de jovens. Todos cantavam e rezavam. Você sentia-se levado pela sua maneira de rezar. Uma última imagem que me parece particularmente adequada para a situação no Iraque é esta: quando estávamos em Mosul, era difícil andar pela rua porque havia entulho no meio. O governador de Mosul quis vir-me cumprimentar. Num determinado momento ele pegou-me pela mão. Eu senti isso como um momento muito bonito, que deveria ser simbólico daquela que é a colaboração entre cristãos e muçulmanos: tomar-se pelas mãos e ajudar-se mutuamente. Naquele momento - estava a chover muito – apareceu um lindo arco-íris no céu. Que simbolismo! Também isso, o símbolo da paz, da aliança. Estas são as imagens principais, mas existem muitas outras.

P. - A sua visita, obviamente, acendeu as esperanças de uma visita do Papa Francisco ao Iraque: o que lhe disseram as pessoas que o senhor  encontrou, a esse respeito?

R. - As pessoas ficaram muito contentes por essa presença. Sentiram também na presença do Secretário de Estado a presença do Papa, porque eu fui lá em nome do Papa para levar a proximidade do Papa! Mas todos, a uma só voz, esperam que ele possa visitar o Iraque em breve e confortá-los pessoalmente. E a essa esperança dos cristãos iraquianos também eu me uno: que sejam criadas as condições,  naturalmente, para que o Santo Padre possa ir ao Iraque e possa partilhar momentos de oração e de encontro com os nossos irmãos. Certamente, seria um grande encorajamento para eles, nas dificuldades que ainda  devem enfrentar.

P. - No discurso de saudação de Natal à Cúria, Francisco falou de duas grandes aflições: o martírio - precisamente - e depois os abusos. Sobre este tema delicado, quais são as suas esperanças para o encontro de fevereiro?

R. – Penso que o encontro de fevereiro será muito importante, para o qual se está a preparar com grande dedicação. As minhas esperanças são que este encontro convocado pelo Papa, de todos os presidentes das Conferências Episcopais, possa fortalecer ou continuar, melhor dizendo - porque já houve o empenho da Igreja na luta contra este fenómeno dos abusos - a atenção a favor das vítimas, e sobretudo a criação de condições de segurança para menores e pessoas vulneráveis. Parece-me que é sobretudo neste ponto que a atenção dos participantes estará concentrada: isto é, como criar um ambiente seguro para os menores e as pessoas vulneráveis. Portanto, eu espero que se caminhe nesta estrada e ao mesmo tempo que exista uma abordagem que se torne mais comum, de toda a Igreja diante desse fenómeno. Naturalmente, depois cada um pode aplicar, também de acordo com a situação local em que se vive, mas que seja clara a "política" para todas as Igrejas. Que seja também uma abordagem que tenha presente todos os aspetos do fenómeno, que são múltiplos e interconetados entre eles, e que depois proceda com uma abordagem que seja inspirada pelos critérios do Evangelho em relação a todas as pessoas.

P. - Para concluir o cardeal Parolin, 2019 apresenta-se como um ano cheio de compromissos para o Santo Padre: tantas viagens, tantos eventos importantes. Que votos o senhor faria-lhe como seu colaborador mais próximo?

R. - Eu diria, e eu realmente o faço no final do ano, mas também no começo do ano de 2019, que o Senhor sustente o Santo Padre ña sua entrega contínua a favor da Igreja, e das comunidades cristãs que se encontram em situações de dificuldade e marginalidade. E que ele possa continuar a acender essa esperança e esse amor nos corações dos homens, motivo pelo qual tantos o querem tão bem e tantos o sentem particularmente próximo; muitos veem nele verdadeiramente a esperança de um mundo mais solidário, um mundo mais pacífico, de um mundo feito à medida do homem e da fraternidade. Assim, diante dos tantos desafios atuais, esses são os votos que faço ao Santo Padre para o novo ano.

VN

Vítima de abuso depõe na investigação sobre McCarrick

 
 Papa Francisco defende tolerância Zero para abusos na Igreja  (2016 Getty Images)
 
Um homem que acusa o ex-cardeal de ter abusado sexualmente dele quando era adolescente, deu testemunho à arquidiocese de Nova York
 
Alessandro Gisotti - Cidade do Vaticano
 
James Grein, um homem da Virgínia que afirma ter sido abusado durante anos por Theodore E. McCarrick, arcebispo emérito de Washington, prestou depoimento na última quinta-feira ao vigário judicial da Arquidiocese de Nova York.

Trata-se de uma investigação aberta por determinação da Santa Sé, por meio da Congregação para a Doutrina da Fé, que ouviu o testemunho por meio de um seu delegado que é também oficial da Arquidiocese de Nova Iorque.

Grein, que afirma ter sido abusado desde os 11 anos de idade, deu uma declaração à Associated Press, através de seu advogado Patrick Noaker. "Ele quer de volta sua Igreja - disse o advogado - e  sentiu que, para alcançar isso, deveria testemunhar e contar o que tinha acontecido, para dar à própria Igreja a oportunidade de fazer a coisa certa." 

McCarrick suspenso pelo Papa Francisco em julho passado


Como é sabido, após a publicação das acusações sobre a conduta do ex-arcebispo Theodore Edgar McCarrick, o Papa Francisco tinha aceite a renúncia do cardeal em 28 de julho, e "disposto a sua suspensão de qualquer ministério público, juntamente com a obrigação de permanecer numa casa”, para uma vida de oração e de penitência, até que as acusações contra ele sejam esclarecidas a partir do processo canónico regular". 

Em outubro, a declaração do Vaticano sobre investigações


Posteriormente, a 6 de outubro, com um comunicado da Sala de Imprensa da Santa Sé, era informado que em setembro de 2017, a Arquidiocese de Nova Iorque tinha "relatado à Santa Sé que um homem acusava o então cardeal McCarrick de ter abusado dele nos anos setenta".
 
O Santo Padre  - prosseguia a nota -  "ordenou em relação a isto uma investigação minuciosa, que foi realizada pela Arquidiocese de Nova York e no final do qual a relativa documentação foi entregue à Congregação para a Doutrina da Fé".

VN

28 dezembro, 2018

Encontro no Vaticano sobre abusos: esclarecer procedimentos, mudar atitudes

 
"Em fevereiro próximo, a Igreja voltará a reiterar a sua firme vontade de prosseguir no caminho da purificação dos abusos sexuais. Irá se interrogar-se sobre como proteger as crianças, evitar tais infortúnios, tratar e reintegrar as vítimas", disse o Papa à Cúria  (Vatican Media)
 
P. Zollner e p. Lombardi: as regras, as leis como tais, não mudam o coração. Há uma verdadeira renovação a ser feita na Igreja, mas não partimos do ponto zero.
 
Fabio Colagrande - Cidade do Vaticano
 
"Em fevereiro próximo, a Igreja voltará a reiterar a sua firme vontade de prosseguir no caminho da purificação dos abusos sexuais, irá interrogar-se sobre como proteger as crianças, evitar tais infortúnios, tratar e reintegrar as vítimas".

Foi o que afirmou o Papa Francisco em 21 de dezembro no seu discurso à Cúria para as felicitações de Natal, apresentando o encontro sobre "A proteção dos menores na Igreja", programado para realizar-se no Vaticano de 21 a 24 de fevereiro do próximo ano. O padre jesuíta Hans Zollner, referente do Comité organizador do encontro, e membro da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores, assim comentou as palavras do Papa:

R. - O Santo Padre certamente ressaltou todos os aspetos que devem ser tratados neste encontro; no entanto, queremos ver também como podemos colocar na mesa a questão da responsabilidade dos bispos, a fim de ter maior clareza sobre quem deve fazer o quê e quem deve controlar se as coisas que o Santo Padre e a Igreja, os dicastérios ordenaram, foram realmente feitas.

O Papa disse que a Igreja nunca tentará encobrir ou subestimar qualquer caso: também  este é um compromisso que requer procedimentos concretos ...

R. - Isto requer duas coisas: um esclarecimento dos procedimentos, que não estão tão claros, sobretudo quando falamos da corresponsabilidade de um bispo ou de um provincial ou do líder de uma Igreja Oriental em relação àquilo que  fazem outros bispos, outros provinciais e também outros superiores. E a segunda coisa: além dos procedimentos, devemos focar numa mudança de atitude. As regras, as leis como tais, não mudam o coração: vemos isso não somente na Europa, mas em todo o mundo. E por isso devemos também ver como fortalecer em toda a Igreja essa atitude de abertura e atenção à proteção dos menores, porque essa é uma atitude que Jesus nos ensina.

Padre Zollner, quanto lhe tocou o facto de que no discurso de Natal à Cúria o Papa quis agradecer aos operadores da mídia que foram honestos e objetivos, e que tentaram desmascarar os chamados "lobos" e dar voz às vítimas?

R. - Certamente é algo muito significativo e foi percebido; mas também posso confirmar que a esmagadora maioria dos jornalistas com quem tenho trabalhado nos últimos 8-10 anos, têm sido realmente honestos: eles fazem o seu trabalho e, se algo está errado, devem chamar a atenção sobre essas coisas e assim realizarem a sua tarefa, o seu trabalho quotidiano. Eu, raramente encontrei pessoas que simplesmente queriam apenas destruir, procurar o escândalo onde não existia. Eles colocam em evidência o escândalo que foi produzido por um membro da Igreja, por um representante da Igreja, e portanto isto é algo que deve ajudar-nos a ser honestos, a assumirmos a  nossa responsabilidade e tomar as decisões em decorrência disso.

Para concluir, padre Zollner: que frutos realmente se espera deste encontro de fevereiro?

R. - Um fruto que certamente desejo é que toda a Igreja, representada pelos presidentes das Conferências Episcopais, pelos líderes das Igrejas Orientais, pelos representantes das Ordens religiosas e das Congregações, tomem realmente consciência da urgência de colocar a proteção de menores e fazer justiça às vítimas como prioridades de todas as ações da Igreja: para o apostolado, para a missão, para a educação e por tudo o que diz respeito ao apostolado social e caritativo. Os mais vulneráveis, que são as crianças, devem estar no centro da nossa atenção e onde foi provocado um dano - às vezes irreparável - devemos fazer todo o possível para que essas pessoas recebam pelo menos o apoio que lhes é devido.

No caderno número 4044 da revista “La Civiltà Cattolica”, publicado neste mês, foi assinado um artigo pelo padre jesuíta Federico Lombardi, presidente da Fundação Ratzinger-Bento XVI e ex-diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, dedicado ao encontro de fevereiro no Vaticano sobre a proteção de menores. O  Padre Lombardi assim comenta a escolha feita pelo Papa Francisco de dedicar o seu discurso à Cúria para saudações de Natal ao tema dos abusos.

R. - Este ano o Papa, evidentemente, dado que estamos a apenas a dois meses deste importante encontro que ele convocou com todos os presidentes das Conferências Episcopais para tratar da questão da proteção de menores, olhe em frente, e é preciso prepararem-se gradualmente para este encontro, ao seu espírito, às suas finalidades.

Um acontecimento, padre Lombardi, que deve ser colocado num contexto histórico, feito de abuso, mas também de passos importantes da Igreja para combatê-los ...

R. - Há uma grande expetativa para este evento no final de fevereiro. Ao mesmo tempo, é preciso colocá-lo bem no desenvolvimento do tema e na maneira como a Igreja o enfrentou, o enfrenta e é desafiada a enfrentá-lo. Não é algo que começou hoje ou ontem, mas já há algumas décadas, e já existe toda uma história de crises muito sérias, de momentos de crise da Igreja em diferentes países do mundo: nos Estados Unidos, na Alemanha, na Austrália, mais recentemente no Chile e em outros países. Mas há também todo um percurso feito ao se enfrentar essas crises. Tivemos os episcopados de tantos países que tomaram iniciativas importantes, procuraram realmente entender o que aconteceu e como aproximarem-se dos problemas das vítimas, como estabelecer uma cultura de prevenção. E também a Igreja a nível universal, em particular o Papa Bento XVI, renovou as normas canónicas referentes a toda a dimensão penal em relação aos crimes, entre os quais do abusos sexuais contra menores, um dos crimes mais graves. Depois, houve as cartas da Congregação para a Doutrina da Fé que convidaram os episcopados a formularem diretrizes sobre como tratar esta temática nas Igrejas que deles dependem; e assim por diante. Assim, portanto, devemos entender que o problema é gravíssimo, muito importante para a sociedade e para a Igreja: que há uma verdadeira renovação a ser feita na Igreja, que há também um longo caminho a percorrer; ao mesmo tempo, não partimos do ponto zero.
 
Portanto, há partes da Igreja universal que já lidaram com o problema do combate ao abuso e da prevenção, mas outras partes que estão por outro lado um pouco atrasadas...

R. - É por isso que o Papa Francisco percebe a globalidade do problema e convida todos os presidentes das Conferências Episcopais, isto é, os representantes de todo o episcopado do mundo, de tal maneira que a Igreja, juntos, como povo de Deus a caminho, com todos os seus componentes não só de hierarquia - naturalmente que antes de tudo da hierarquia como responsáveis, mas como responsáveis por um povo de Deus que caminha como um todo - enfrente este problema de uma maneira sempre mais decisiva, profunda e ampla, de forma a poder realizar um serviço não somente para a renovação interior da Igreja, mas também um serviço para a sociedade.

VN