10 outubro, 2010

2-8: Oração: Absoluto de Deus

 Série: 'Oração e Vida'

O homem é criado, re-criado a cada instante pelo amor de Deus. A criação não é um acto do passado, mas do presente, de agora, deste instante. E ao criar-nos, agora, Deus gere uma contínua relação de amor connosco. Ama-nos, somos seus predilectos, somos filhos e filhas a quem diz a cada instante: “És meu filho, és minha filha, amo-te de todo o meu coração”. Ser, existir, significa pois ser amado por Deus a cada instante, ser criado o cada instante, pelo amor infinito de Deus.
Daqui deve nascer a consciência da primazia de Deus na nossa vida. Se agora Ele me ama e me cria, agora eu devo amá-Lo, ter com Ele uma relação de amor. Agora, a cada instante, esteja onde estiver, faça o que fizer. Ao menos na oração Ele deve ser o Primeiro, o Tudo, o Único. Absoluta primazia de Deus que devemos cultivar sem cessar. Se Deus começa a ser o primeiro da nossa vida, aos poucos passará a ser o “Único”, e tudo e todos, n’Ele, por causa d’Ele.
Se agora Deus se debruça sobre mim e me re-cria, me gera como criatura, eu devo estar na oração por inteiro, correspondendo a esse acto de amor. Na conversa com os outros, muitas vezes estamos divididos, parece que estamos a ouvi-los com toda a atenção, mas o nosso interior não está, estamos a pensar noutra coisa, noutras pessoas, noutro acontecimento, estamos porventura desejosos que se cale e nos deixe em paz.
Com Deus também infelizmente estamos muitas vezes divididos. Nem na oração estamos totalmente n’Ele, em amor, em atenção, dando-Lhe o lugar que merece. Há divisão dentro de nós, há distracções, há momentos de corte no diálogo de amor.
Mas se a cada instante somos criados e re-criados, a cada instante devemos estar em comunhão com Ele. Cultivar esta comunhão já é uma arte maravilhosa na vida da oração. Arte difícil, sem dúvida, mas absolutamente necessária. Ter consciência do acto criador de Deus, no agora do seu amor, deve levar ao agora do nosso amor, no nosso diálogo, da nossa oração.
Ser re-criado a cada instante deve levar-nos a cada instante a romper em diálogo com Deus, em louvor, em adoração, em gratidão, em “êxtase de amor”, de presença, de amizade. Pensar n’Ele é rezar. Mesmo sem dizer palavras ou fórmulas já estou em oração, em resposta amorosa ao amor que agora me re-cria.
Daí a necessidade de cultivarmos sem cessar, esta unidade e esta comunhão com o Deus uno e trino. Sem descanso, sem desejar paragens, hiatos, cultivar essa comunhão, essa intimidade. Em casa ou na rua, no trabalho, no campo ou na fábrica, na escola, na universidade, no café ou no futebol, no carro ou no metro, sempre, sempre, sempre, em esforço de comunhão, de resposta amorosa ao acto criador.
A oração torna-se assim o princípio e fundamento da nossa vida, já que o acto criador de Deus é o princípio e fundamento da nossa existência. Mas o que estamos a dizer não nasce só, nem sobretudo, do nosso esforço. É dom, é graça. Tem que ser pedido com muita insistência. Suplicar esta comunhão, suplicar esta união, suplicar esta oração.
Como afirmou o grande mestre de oração Tony de Melo, precisamos de pedir, de pedir sem cessar a arte da oração, a graça da intimidade, o dom do diálogo orante, perante o Absoluto de Deus, a primazia de Deus nas nossas vidas.
Pedir com, mil, cinco mil, cem mil vezes… Não desistir de suplicar o dom da oração. E esta súplica já é por si mesma, uma excelente oração. Criado a cada instante pelo Deus Amor, a cada instante, louvo, adoro, entro em comunhão de filho, desejo uma unidade mais profunda com o Deus que me ama e me re-cria.
Dário Pedro Sj 
Extraído do Labat n.º 68 de Janeiro de 2007

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