31 maio, 2011

LUZ E TREVAS


Na sonolência de uma manhã, no fim-de-semana passado, veio à minha memória uma anedota que já tinha ouvido contar há muito tempo:

«Um sujeito encontra outro numa sala, muito atarefado, a procurar qualquer coisa e pergunta-lhe:
- Perdeu alguma coisa?
O outro responde:
- Perdi umas chaves!
Diz o primeiro:
- Vou ajudá-lo. Tem noção onde as perdeu mais ou menos?
Responde o outro:
- Foi na sala ali ao lado!
- Na sala ali ao lado e está à procura nesta???
Responde o outro:
- É que na sala onde as perdi não há luz. Está tudo às escuras!!!»

É uma graça, sem muita graça, mas que me levou a reflectir, na luz e na ausência da luz.

Com efeito, não vale a pena procurar o que quer que seja numa sala sem luz, na escuridão, pois nada se conseguirá encontrar.

Se não levarmos luz connosco, será impraticável a procura, pois, com certeza, nada encontraremos.

Isto faz-me lembrar aqueles que querem procurar Deus na escuridão dos seus pensamentos, dos seus raciocínios, sem quererem “usar” a luz própria que nos permite encontrar Deus.

Essa luz própria chama-se fé e é o próprio Deus que no-la dá, quando de coração aberto e sincero O procuramos, mesmo nas trevas em que possamos viver.

É que querer procurar Deus sem essa luz, é querer encontrar Deus apenas com as nossas capacidades, e Deus está muito para além daquilo que somos e podemos entender, pois na sua infinita simplicidade, ultrapassa totalmente a nossa maneira complicada de procurar a verdade.

Para que as nossas capacidades, a nossa inteligência, o nosso saber, a nossa ciência, possam perceber a existência e a dimensão de Deus, têm que ser iluminadas pela fé, têm que ser iluminadas pelo próprio Deus, porque se assim não for, apenas podemos conhecer aquilo que está na nossa dimensão, apenas podemos encontrar aquilo que está ao nosso alcance encontrar.

Ao longo da História da humanidade, não são poucos os cientistas que procurando Deus com toda a sinceridade, O encontraram, não em fórmulas matemáticas, científicas, mas sim na simplicidade do coração, que depois se comunica à certeza da mente, à confirmação da inteligência.

Querer entender a Palavra de Deus, que é o próprio Deus, apenas com uma leitura “normal”, como se de um qualquer romance se tratasse, é com certeza tarefa que não leva a lado nenhum, e apenas servirá para fazer interpretações literais, que provocam muito mais rejeição, do que edificação.

Ler, reflectir ou meditar a Palavra de Deus desse modo, é ler, reflectir e meditar na escuridão e já percebemos que na escuridão nada se encontra.

Agora, ler, reflectir e meditar a Palavra de Deus à luz da fé, iluminados pelo Espírito Santo, é uma experiência viva e de uma riqueza inigualável.

É, (perdoem-me a comparação), encontrar as chaves da anedota inicial, no sítio onde não se perderam, na sala que tem luz, porque a Deus nada é impossível.

Mas há ainda outra reflexão, (ou muitas mais), que se pode fazer sobre a história de humor que deu origem a este texto.

É que se formos procurar algo na escuridão, o mais provável é irmos batendo nos diversos obstáculos que estão nas trevas e que por isso mesmo não vemos, correndo o risco de nos magoarmos seriamente.

E ao acontecerem-nos essas dificuldades, esses tropeços no caminho, deixaremos de querer procurar mais, e acabamos por desistir, nunca chegando a encontrar o que procurávamos.

Se, ao invés, nos servirmos da luz para procurar, mesmo nas trevas mais intensas, acabamos por fazer caminho seguro, pois os obstáculos estão perante nós, e podemos rodeá-los, ultrapassá-los, vencê-los e chegarmos ao encontro do que tão empenhadamente procurávamos.

Interessante como uma história sem sentido, reflectida á luz da fé, nos dá tanto para pensar e nos mostra tanto caminho a seguir!
Joaquim Mexia Alves

24 maio, 2011

Ser Santo

Quando eu era rapaz, lá pelos finais dos anos 50, começo dos anos 60, os Santos e Santas, eram algo muito longínquo no tempo, na história da Igreja.

Eram quase sempre bispos, sacerdotes, religiosas e religiosos, ou mártires dos primeiros alvores do cristianismo.

Tirando algumas excepções, as suas vidas descritas em livros, eram quase “lendas”, recheadas de pormenores místicos, em que os milagres acontecidos pela sua intercessão, ocupavam a nossa imaginação, mais do que as suas virtudes e também suas fraquezas.

Esta realidade que envolvia os Santos daquele tempo, levava-nos a uma distanciação da santidade, como algo de inatingível a nós, “pobres mortais”, muito longe daqueles “eleitos”, que assim apareciam aos nossos olhos.
Havia até quase um sentimento, (falo por mim e por aqueles do meu tempo), que os Santos tinham acabado, e que nos tempos que vivíamos e nos tempos vindouros, não haveria lugar a mais canonizações, a não ser que viessem do longínquo passado.

Esta situação, (e repito que falo por mim), abria uma distância espiritual, sentimental e até física, com esses Santos, e como tal, a relação com a santidade era algo muito mais de devoção e admiração, do que vontade e prática de imitação das virtudes, na sensação de que a santidade era algo de inatingível nos nossos tempos.

O Concílio Vaticano II, sobretudo na Constituição Dogmática Lumen Gentium, veio, no entanto, chamar-nos e mostrar-nos esse caminho da santidade nos diversos estados de vida de cada um, como uma vocação de todos os baptizados

Entretanto, chegados aos pontificados, sobretudo, de João Paulo II e Bento XVI, a Igreja começou a revelar-nos Santos e Santas dos nossos dias, dos nossos tempos, perto de nós, dos nossos pais e avós, gente como nós, que viveu tempos como nós, que viveu as motivações, as alegrias, as tristezas, as dificuldades destes últimos três séculos.

Alguns, conhecemo-los já realmente, fisicamente. Tiveram parte nas notícias dos nossos jornais, das nossas televisões, vimo-los com os nossos olhos, pudemos tocá-los com as nossas mãos.
As suas virtudes tornaram-se reais para nós, e percebemos que percorriam os mesmos caminhos que nós percorremos, ou seja, que não viviam num qualquer estado de graça fora deste nosso mundo.
Viviam, sim, num estado de graça, mas neste mundo, porque procuravam em tudo fazer a vontade de Deus, o que não amenizava, nem tornava mais fácil, antes pelo contrário, as dificuldades de viver a Fé e a Doutrina num mundo particularmente adverso a essa vivência coerente e em testemunho constante.

Vem isto a propósito da Beatificação da Madre Maria Clara do Menino Jesus, ocorrida neste Sábado em Lisboa, e em que, graças a Deus, estive presente.

Lembro-me bem da minha mãe me falar da sua prima, (como gostava de lhe chamar), dizendo-me do orgulho em pertencer à família de tão virtuosa mulher.

Não sei o que pode ser mais chegado à realidade da santidade do que isto, ou seja, ter na sua própria família alguém que a Igreja colocou nos altares, e que está afinal tão perto de nós no tempo.

Realmente, quando a Beata Maria Clara faleceu em 1 de Dezembro de 1899, já o meu pai era nascido há 5 meses, e minha mãe nasceria apenas 10 anos depois!

Mas de tudo isto, o que mais importa, é percebermos que a santidade não é algo de longínquo, mas sim uma realidade permanente em cada vida que a queira procurar, não para se ser reconhecido como santa ou santo, mas apenas e tão só, para fazer a vontade de Deus.

É que, ao fazermos a vontade de Deus, estamos a dar-nos, a Ele e aos outros, e estamos a aceitar a vida como um dom de Deus com tudo o que Ele nela queira permitir, em alegrias e também em provações.

E vemos, nesta lista imensa de Santos e Santas nos últimos anos beatificados, canonizados, desde crianças, a pais e mães de família, a jovens, a gente enfim, em tudo semelhante a nós, e vivendo no mesmo mundo em que nós vivemos.

Teria gostado que a Igreja em Portugal tivesse dado uma muito maior divulgação e projecção a esta Beatificação da Madre Maria Clara do Menino Jesus, bem com há cerca de 5 anos à Beatificação de Madre Rita Amada de Jesus, em Viseu, aproveitando para fazer desses dias, duas grandes festas, duas grandes celebrações de alegria, de união, de comunhão, por mais estas duas grandes graças que o Senhor quis conceder aos Portugueses.

E, seja-me permitido, tomar o exemplo da Beata Maria Clara e transportá-lo para os nossos dias de agora, para estes nossos tempos conturbados em que a Fé e a Doutrina são permanentemente postos em causa por um mundo que se afasta de Deus.

Com efeito, a Madre Maria Clara arrostou no seu tempo com uma perseguição maciça e total á Igreja, com a expulsão de Ordens Religiosas, perseguições e atentados de toda a espécie.
Mas nada disso a retirou do seu propósito, da sua vontade, de fazer a vontade de Deus na sua vida, e, se teve que ir para França para prosseguir a finalidade de se consagrar inteiramente a Deus numa congregação religiosa, não deixou de voltar ao seu país para, arrostando com contínuas provações e dificuldades, levar a cabo a vontade Deus inscrita no seu coração, e fundar uma congregação que se dedicava inteiramente aos outros, sobretudo aqueles que mais sofrem.

Não vemos então o paralelismo com os nossos tempos?

Nem todos somos chamados, com certeza, a fundar congregações ou outras instituições, mas somos sem dúvida chamados a darmo-nos aos outros, a entregarmos a nossa vida, as nossas capacidades, os dons que o Senhor nos dá, ao Seu serviço, que é no fundo servir os outros, amando-os e ajudando-os, exactamente como Ele nos ama e serve.

«Também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para resgatar a multidão.» Mt 20, 28

E essa coragem que a Beata Maria Clara teve, para afrontar um mundo hostil que se afastava de Deus, é a coragem que devemos encontrar em nós, pela graça de Deus, para darmos testemunho constante e permanente, de não cedermos a leis iníquas, que atentam contra a vida, contra a família, e, na força do testemunho coerente, (também pelo nosso voto no dia das eleições), afirmarmos que só em Deus encontramos o verdadeiro Caminho, a verdadeira Verdade, a verdadeira Vida.

Que a Beata Maria Clara do Menino Jesus interceda por nós, portugueses, para que o Senhor derrame em nós continuamente o Espírito Santo, para na Sua força, darmos testemunho vivo, coerente e permanente em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Monte Real, 23 de Maio de 2011
Joaquim Mexia Alves

21 maio, 2011

Homilia de D. José Policarpo na beatificação da Madre Maria Clara do Menino Jesus

«A Santidade é a identidade do cristão»

1. Reunimo-nos hoje, aqui, para celebrarmos a proclamação da santidade de uma cristã, nascida e baptizada na nossa cidade de Lisboa, a Madre Maria Clara do Menino Jesus. Esta proclamação, feita com a autoridade apostólica de Sua Santidade Bento XVI, aqui representado por Sua Eminência o Cardeal Ângelo Amato, Prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, lembra a todos os cristãos da Igreja de Lisboa, de modo particular às Irmãs da Congregação que fundou, que a santidade é a meta da vocação cristã; ela exprime a identidade profunda do cristão.
Esta proclamação garante-nos, com a autoridade apostólica da Igreja, que Madre Maria Clara, no termo da sua peregrinação terrena, ouviu de Cristo, a porta de todo o caminho de santidade, aquele convite que o próprio Jesus anunciou: “Vinde, benditos de meu Pai; recebei como herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo” (Mt. 25,34).
2. A santidade é uma experiência humana que só Deus conhece. Na oração eucarística, a Igreja repete continuamente: “Vós, Senhor, sois verdadeiramente Santo, sois a fonte de toda a santidade”. Ser Santo é viver a vida numa progressiva identificação com Cristo que nos introduz no mistério do amor trinitário. Só mergulhando nesse mistério insondável do amor divino, se pode viver santamente a vida. Esse mergulhar no mistério de Deus, transforma toda a nossa vida. É por isso que Deus Pai, depois de nos unirmos ao seu Filho Jesus Cristo, no baptismo, nos comunica o dom do Espírito Santo. Receber o Espírito Santo é aceitar e desejar que a voragem do amor divino transforme toda a nossa vida. Se Cristo é a porta da santidade, o Espírito Santo é a força que a realiza. Ser Santo é deixar que toda a nossa vida seja obra do Espírito Santo.
A santidade de um cristão é uma realidade tão densa como o mistério de Deus. Só Deus conhece como ela se exprimiu em cada um. O que foi a vida de santidade desta cristã, só Deus o conhece. Como o amor de Deus a envolveu e se transformou em força para amar. Os momentos mais fortes viveu-os, certamente, no silêncio da sua adoração e é, também, no silêncio adorante, que acolhemos o dom desta vida santa, fecunda para toda a Igreja, porque no amor de um santo exprime-se a fecundidade de amor com que Deus continua a amar o mundo, no seu Filho Jesus Cristo.
3. Mas se a santidade de um cristão é um segredo que só Deus conhece, ela é sempre, na Igreja, um sinal do Reino de Deus, do Povo do Senhor, que Ele santifica com o seu amor. A santidade de cada cristão edifica a Igreja, contribui para que ela seja a “Santa Igreja de Deus”. A maneira como um santo vive é sempre uma interpelação à fidelidade e à santidade. Como Jesus disse aos discípulos, “pelos frutos se conhece a árvore”. Um Santo é, pela sua vida, um testemunho de que o Reino de Deus é possível. A santidade de um cristão chega até nós através do seu testemunho de vida, que nos abre para o mistério da santidade vivida no silêncio de Deus.
Não há dois santos iguais. Sendo uma resposta pessoal a um apelo contínuo do amor, envolve a história pessoal de cada um, os dons pessoais com que foi criado, a sua resposta aos apelos concretos das circunstâncias, do tempo e da história. Um Santo exprime sempre a actualidade do amor de Deus na história dos homens e nas circunstâncias concretas de cada tempo. Como diz São Paulo, são muitos e variados os dons, um só é o Espírito que os unifica a todos na construção do Reino de Deus.
Nesta variedade da santidade pessoal há coordenadas comuns que levam todos os caminhos humanos de fidelidade a cruzarem-se em Cristo, o primeiro Homem a viver plenamente a santidade de Deus. Todos os caminhos de santidade supõem sempre um seguimento de Cristo, a identificação com Ele, a imitação de Cristo. “Tende em vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus” (Fil. 2,5), foi o desafio de Paulo aos Filipenses. E só na intimidade com Ele, que nos oferece em cada Eucaristia, podemos penetrar no insondável desses sentimentos. Ele que, sendo Deus, se humilhou à condição de servo, para fazer dos escravos, filhos.
A verdade da sua relação filial com o Pai inspira todos os seus sentimentos durante a sua missão humana. A sua fidelidade à missão exige que a sua vontade humana se conforme sempre à vontade do Pai; sem deixarem de ser duas vontades, exprimem-se como se fosse uma só. E essa vontade tem um objectivo, o de que todos os homens se salvem. A vida torna-se, inevitavelmente, um dom pelos outros.
Um outro sentimento de Jesus é a sua predilecção pelos pobres e aflitos, com os quais se identifica. O Santo é chamado a amar os pobres e aflitos como se fossem o próprio Cristo. Essa atitude, vitória sobre todos os egoísmos, triunfo da gratuidade do amor, guardada no silêncio de Deus, tornar-se-á explícita no juízo final: “Em verdade vos digo, o que fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes” (Mt. 25, 45). O Santo torna-se, assim, no concreto da vida das pessoas, “o rosto da ternura e da misericórdia de Deus”.
4. Acabo de usar a expressão com que a actual Superiora Geral das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras, definiu Madre Clara: ela fez sentir a ternura de Deus. Libânia do Carmo, que tomou em religião o nome de Clara do Menino Jesus, nasceu num tempo singular e sentiu os desafios de ser cristã e de ser Igreja, numa sociedade cultural e politicamente a afastar-se do ideal cristão. As crises sociais e as epidemias da peste indicaram-lhe os pobres como destinatários do seu amor. Mas não esqueçamos a sua ousadia missionária e a sua firmeza, mostrada perante todas as dificuldades com que se foi deparando. E as que encontrou no seio da sua própria família religiosa não foram, certamente, as mais fáceis. Mas não desistir é apanágio dos santos.
Fundou uma Congregação Religiosa. Na segunda metade do séc. XIX, em Portugal, foi ousadia notável. Não copiou nenhuma já existente, pois queria responder ao momento que então se vivia. Percebeu que a mulher que quer ser santa é chamada a ser uma explosão do amor de Deus, aquele amor que transforma o mundo.
Às Irmãs da Congregação que fundou, ela lança um desafio: sejam hoje o que a circunstância concreta do sofrimento humano exige de vós. E a todas as nossas jovens, que pertenceis à mesma Igreja de Madre Clara, ela lança um desafio: se quereis ser santas, deixai que a vossa vida seja uma explosão do amor de Deus. Respondei aos desafios do momento presente; transformai as formas antigas, inventai formas novas, se for preciso. Escutai a voz do amor, o que o mesmo é dizer, escutai Jesus Cristo, deixai-vos transformar pelo Espírito Santo e digamos com esperança: bem-aventurada Madre Clara, intercedei por nós.
D. José Policarpo, cardeal-patriarca de Lisboa
Estádio do Restelo, 21 de Maio de 2011
Agência Ecclesia

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Homilia, em vídeo

Madre Clara - Testemunho de Georgina Monteagudo



20 maio, 2011

Madre Clara - Beatificação

Conferência de imprensa apresenta beatificação: Viver em profunda comunhão com Deus

Na Irmã Maria Clara “havia uma força mística em que Deus era tudo para ela” e “o seu primeiro amor era Deus”, afirmou a Superiora Geral da Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição (CONFHIC).
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Num encontro com jornalistas para apresentação da Beatificação da Madre Clara, a irmã Maria da Conceição Galvão Ribeiro sublinhou que, “o Espírito Santo inquietava o coração” da religiosa nascida em Amadora e, “daí nasceu o desejo de cuidar daqueles que sofrem, mesmo com sacrifício próprio”.
Tendo vivido num período conturbado, Madre Clara, que será agora beatificada, “viveu numa profunda comunhão com Deus” e apelava “ao anúncio pela vida mais que pela palavra”, acrescentou ainda a Superiora Geral da CONFHIC, salientando a dimensão testemunhal de Maria Clara do Menino Jesus.
A proximidade da família religiosa, fundada pela irmã Maria Clara e pelo padre Raimundo Beirão, e a oferta de uma pequena pagela da Madre Clara, levaram Georgina Troncoso Monteagudo a pedir a intercessão para a cura de uma doença que lhe tinha sido diagnosticada para a qual os médicos consideraram não ter cura. Natural da localidade espanhola de Baiona (Pontevedra), Georgina viveu, durante trinta e quatro anos, o sofrimento e a dor que lhe causava o Pioderma Gangrenoso. Teve diagnósticos realizados por médicos diferentes que acabaram por concluir não ter melhorias mas a sua fé fazia com que transportasse sempre consigo no próprio braço aquela pagela da religiosa que tinha em curso o seu processo de beatificação.
“Um dia o médico perguntou-me quem era aquela monja que eu trazia comigo, e eu expliquei-lhe que era uma irmã a quem pedia que ao menos não piorasse o estado do meu braço. Ele respondeu-me: «pois parece-me muito bem porque temos de ter intercessores». A partir daí era ele quem depois do tratamento me colocava a pagela no braço”, explicou aos jornalistas Georgina Monteagudo, que se deslocou a Portugal para participar na beatificação.
Em 2002, o médico que fazia os tratamentos desta mulher, que hoje tem 84 anos, faleceu e tendo esta decidido não precisar de mais médicos, pela sua fé entregou a sua cura à Madre Maria Clara. “Segui fazendo um tratamento que era para refrescar, com um creme; colocava ligaduras, e assim fiz até ao ano seguinte. A 12 de Novembro de 2003 quando vou para fazer o meu tratamento, começo a tirar as ligaduras, que sempre estavam molhadas, e com grande surpresa tiro as ligaduras e as gazes secas, e o meu braço coberto com pele. Mesmo na parte do pescoço, que estava em carne viva. Chamei, então, as minhas irmãs e uma delas que também rezava a Madre Clara disse-me: ‘Georgina isto é um milagre da Madre Clara’. Dois dias depois fui ao médico de família que me confirmou ser uma coisa sobrenatural para a qual não tinha explicação”, contou, com um rosto de emoção. “Por isso, quero publicamente dar graças a Deus que por meio da Madre Clara me curou”, garantiu a miraculada.
O milagre realizado em Georgina Troncoso Monteagudo “não é o único milagre ocorrido por intercessão da Irmã Maria Clara”, disse a irmã Rosa Helena Moura, que foi colaboradora externa da Congregação para as Causas dos Santos neste processo de Canonização. “Há vários relatos de milagres, mas por sugestão da Santa Sé apenas um foi escolhido ”, referiu. Para a continuidade do processo de canonização, é necessário que ocorra um novo milagre, após a celebração de beatificação de dia 21 de Maio.
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Beatificação de Madre Clara

 No próximo sábado, dia 21 de Maio, vai ser beatificada em Lisboa a Irmã Maria Clara do Menino Jesus, fundadora da Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição (CONFHIC). Quem foi Madre Clara? Que ensinamentos deixou? Na semana da beatificação da religiosa de Lisboa, conheça a vida da futura beata através da nota pastoral publicada pela Conferência Episcopal Portuguesa. Veja também o testemunho da miraculada.
Apontamento biográfico
A nova Beata nasceu em 25 de Junho de 1843 na Quinta do Bosque, propriedade de sua família, situada no termo da actual cidade da Amadora. Foi baptizada na igreja paroquial de Nossa Senhora do Amparo, em Benfica, a 2 de Setembro seguinte com o nome de Libânia do Carmo Galvão Mexia de Moura Telles e Albuquerque.
Como os apelidos indicam, Libânia veio ao mundo no seio da nobreza. Terceira de sete filhos, viveu uma infância feliz no ambiente cristão do seu lar. Mas logo na adolescência experimentou o sofrimento doloroso da orfandade. Sua mãe faleceu em 1856 e o pai um ano depois, ambos vitimados pela epidemia de cólera que então grassava em Lisboa.
Depois de ter permanecido cinco anos no Asilo Real da Ajuda e outros tantos em casa dos Marqueses de Valada, seus parentes e amigos, Libânia transferiu-se em 1867 para o Pensionato de S. Patrício, instalado no antigo convento do mesmo nome, junto à muralha do Castelo de S. Jorge. Dois anos mais tarde tomou hábito no Recolhimento de terceiras franciscanas seculares capuchinhas de Nossa Senhora da Conceição, também sedeado em S. Patrício, com o nome de Irmã Maria Clara do Menino Jesus, que haveria de usar até à morte.
A casa de S. Patrício era dirigida pelo Padre Raimundo dos Anjos Beirão, antigo membro da Ordem Terceira Regular de S. Francisco, que fora obrigado a abandonar o convento pelo decreto de supressão dos institutos religiosos de 1834. Depois de exclaustrado, dedicou-se à pregação e ao socorro dos órfãos e dos pobres. O seu encontro com Libânia, depois Irmã Maria Clara, foi providencial. Viu nela a mulher escolhida por Deus para, com ele, fundar uma Congregação que, imitando o bom samaritano do Evangelho, minorasse as graves carências da população portuguesa da época.
O projecto viria a realizar-se a partir de S. Patrício. Para beneficiar da experiência de outra Congregação franciscana já consolidada, em Fevereiro de 1870 o Padre Beirão enviou a Irmã Maria Clara mais três companheiras do Recolhimento a fazer o noviciado nas Irmãs Franciscanas Hospitaleiras e Mestras de Calais, no norte da França, onde professou a 14 de Abril de 1871. Regressada de imediato a Portugal, o Padre Beirão, logo no dia 3 de Maio, empossou-a como superiora e mestra de noviças das recolhidas capuchinhas que aderiram à reforma da sua agremiação. Foi o momento fundacional da nova Congregação.
O instituto recém-criado foi aprovado pelo Governador Civil de Lisboa, por alvará de 22 de Maio de 1874, com a designação de Irmãs Hospitaleiras dos Pobres por Amor de Deus, mas somente como «associação de beneficência». Não era possível outra forma de reconhecimento pela autoridade civil pois as congregações religiosas estavam proibidas em Portugal desde 1834.
O passo seguinte foi a aprovação pontifícia da Congregação pelo Papa Pio IX a 27 de Março de 1876. O novo estatuto canónico garantia segurança institucional à jovem comunidade religiosa. Por iniciativa do Padre Beirão, a Irmã Maria Clara assumiu a responsabilidade da mesma como Superiora Geral em cerimónia familiar realizada a 3 de Maio de 1876, quinto aniversário da fundação. Tinha 33 anos. As irmãs começaram a chamar-lhe Fundadora e a dar-lhe, na intimidade, o nome de Mãe Clara.
Dois anos depois, a 13 de Julho de 1878, o Padre Beirão faleceu. A sua inspiração esteve sempre presente no modo como a Irmã Maria Clara dirigiu a Congregação até à morte, ocorrida a 1 de Dezembro de 1899.
Actividade caritativa da Congregação
A Congregação desenvolveu uma actividade marcante em Portugal no último terço do século XIX. Durante este período, as irmãs trabalharam em 45 hospitais, 26 colégios, 15 asilos de inválidos, 14 asilos de infância e 6 cozinhas económicas. Embora localizada maioritariamente na região de Entre Douro e Minho, esta centena de casas estava disseminada por todo o país incluindo pequenas cidades e vilas do interior. Parte significativa das instituições servidas pelas irmãs pertencia a Misericórdias.
A Congregação irradiou também para o Ultramar. Por vezes a pedido do próprio Governo, o qual, apesar do decreto de extinção dos institutos religiosos de 1834, aceitava a presença das congregações dedicadas à assistência, à educação e às missões ultramarinas. Neste contexto as irmãs prestaram serviço nos hospitais de Bolama (Guiné-Bissau), Goa, Luanda (Angola) e Santiago da Praia (Cabo Verde).
O aumento constante e extraordinário do número de irmãs permitia à Irmã Maria Clara atender as solicitações que lhe iam chegando das mais variadas procedências. A tabela estatística da Congregação nos primeiros trinta anos é reveladora. As religiosas professas passaram de 3 em 1871 para 150 em 1880, 355 em 1890 e 468 em 1900. Mesmo assim não foi possível atender favoravelmente todos os pedidos.
No governo da Congregação a Irmã Maria Clara não actuava como gestora de pessoas e serviços. O espírito que a animava era outro e ficou bem manifesto num episódio da sua vida. Um dia, ao ver grupos de adultos e crianças a mendigar, vestidos de andrajos e sob um frio rigoroso, disse às meninas que a acompanhavam: «Olhem, aquela é que é a minha gente!... Que pena tenho de não os poder socorrer!…»
Estimuladas pelo exemplo da Fundadora, as Irmãs Hospitaleiras souberam concretizar no quotidiano a divisa do seu brasão: Lucere et fovere. Alumiar e aquecer. Iluminaram o espírito de crianças e jovens a abrir para as grandes opções da vida. Aconchegaram a existência de doentes e idosos, tantas vezes fragilizada por circunstâncias adversas.
A gesta caritativa da Congregação documenta a vitalidade interna da Igreja Católica no período final do século XIX. Não é possível escrever a história da assistência e da educação em Portugal nessa época sem referir o contributo abnegado das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras.
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Conta D. Georgina, a miraculada
Embora acontecesse em 2003 e divulgado em 2004, os anos foram diluindo pormenores do milagre e, hoje, há quem deseje avivar o espantoso acontecimento.
Conta D. Georgina e está provado em documentos que, em 1969, lhe apareceu uma ferida no braço direito, depois diagnosticada, por especialistas de Vigo e de Madrid, como Pioderma gangrenoso. A úlcera foi alastrando por todo o braço, atingindo também o seio. Além de diversas pomadas aplicadas, foram feitos vários enxertos, sem resultado algum. Dado que a chaga também cobria parte do cotovelo, ficou sem flexibilidade e o braço imobilizado, preso ao peito. A ferida, de bordos violáceos, exalava odor desagradável e aparecia em carne viva, produzindo grande dor ao simples roçar ou leve toque. Às vezes, era tão intensa essa dor que a enferma pedia ao médico que lhe amputasse o braço, coisa que ele se negara sempre a fazer. Há sempre tempo para isso, dizia.
Todos os dias de manhã, tomando um táxi, D. Georgina ia de Baiona a Vigo, para o curativo e, bastantes vezes, voltava à tarde para o repetir, dado que a dor e o cheiro eram insuportáveis. Anos e anos…
Realizou o primeiro enxerto em 1971, a que se seguiram outros. Fazia-lhe os curativos o próprio cirurgião, Dr. Ignacio do Carmo, que acompanhou todo o processo da doença. Porém, no dia 21 de Junho de 2002, não imaginava que lhe faria o último. No dia seguinte, o médico foi internado num hospital, com diagnóstico de tumor cerebral. Veio a falecer, no dia 7 de Julho seguinte.
D. Georgina sentiu grande angústia e enorme desamparo. Assustava-a procurar outro médico que, como é óbvio, lhe pediria novos exames. Só o lembrar-se disso provocava-lhe enorme sofrimento.
Filiada na Liga Pró-Canonização e cheia de fé na intercessão da Madre Maria Clara, cujo túmulo havia visitado em 1998, D. Georgina decidiu escolhê-la como sua médica e confiar-lhe o tratamento. Resolveu ser ela própria a fazer os curativos, aplicando as mesmas pomadas que utilizava o Dr. Ignacio. Enquanto procedia a essa acção, ia pedindo à sua protectora que a melhorasse, para melhor poder ajudar sua irmã Olga, naquela ocasião imobilizada, consequência de uma intervenção cirúrgica de ortopedia. Como desde há anos costumava fazer, não deixava de meter uma estampa da Venerável Serva de Deus entre as ligaduras, certa do seu cuidado.
Por altura do Verão de 2003, mais uma vez se repetiram grandes flictenas sobre a ferida que, ao rebentarem, a deixavam em carne viva. Foram passando os meses de Agosto, Setembro e parte de Novembro, sem notar-se melhora alguma na chaga que continuava a cobrir o cotovelo.
O dia 11 de Novembro fora agitado e chegara à noite cansada e sofrida. Apesar da dor, de sentir e ver as ligaduras molhadas, não teve ânimo de tratar a ferida. No dia seguinte, a 12 de Novembro de 2003, pelas 10:00 horas, ao retirar as ligaduras, viu que a chaga estava completamente coberta de pele rósea, como de menino, e totalmente fechada. Chamou as suas irmãs e, mostrando o braço, exclamou: “Olhem, o braço está curado. Já não há que fazer o curativo”. Foi a Madre Clara!
Suas irmãs Olga e Teresa, bem como a empregada doméstica, foram as primeiras testemunhas. Os vizinhos e amigos reagiram com espanto. Espanto, também, foi a rápida flexibilidade do braço e todo o movimento retomado, perdido há 34 anos. Desde aquele dia, continua bem. A úlcera repentinamente desaparecida não teve recidiva. E já lá vão mais de sete anos…
Os médicos não encontraram explicação. Embora, em alguns casos, o Pioderma gangrenoso possa ter cura, é sempre um processo lento.
A grande fé de D. Georgina fez o milagre acontecer.
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12 maio, 2011

FÁTIMA - João Paulo II e a crise

Temas para as Cerimónias do 13 de Maio

Este ano a peregrinação do 13 de Maio em Fátima será também uma acção de graças pela beatificação do Papa João Paulo II, mas não passa ao lado do difícil momento que o país atravessa. O bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto, diz que Portugal atravessa uma "crise gravíssima" e que "os responsáveis da vida pública devem estar à altura dos desafios". Já o arcebispo de Boston, Cardeal Sean O´Malley, que vai presidir este ano às celebrações, fala na necessidade de uma renovação da fé. 


RR - Renascença

11 maio, 2011

Bento XVI e o Concílio Vaticano II

Alguns cristãos católicos decidiram não aceitar o Concílio Vaticano II, afirmando que o mesmo estaria contra a Doutrina e a Tradição da Igreja Católica.

Estão obviamente enganados nessas suas convicções que apenas dividem, porque a Igreja Católica é a mesma desde Pedro a Bento XVI, a Doutrina e a Tradição são as mesmas, porque é o mesmo Espírito Santo que ilumina e conduz a Igreja, desde sempre e até ao fim dos tempos.

Para que não permaneçam dúvidas, basta ler o Discurso do Papa Bento XVI aos membros do Instituto Litúrgico Santo Anselmo por ocasião dos seus 50 anos de fundação, recolhido na Zenit.

Eminência,
Reverendo Padre Abade Primaz,
Reverendo Reitor Magnífico,
Ilustres Professores,
Queridos Estudantes:

Saúdo-vos com alegria por ocasião do IX Congresso Internacional de Liturgia que estais realizando no âmbito da comemoração do cinquentenário da fundação do Pontifício Instituto Litúrgico. Saúdo cordialmente cada um de vós, em especial, o grão-chanceler, Abade Primaz Notker Wolf, e agradeço pelas amáveis
​​palavras que me dirigiu em nome de todos vós.
O Bem-aventurado João XXIII, recolhendo as instâncias do movimento litúrgico que pretendia dar um novo impulso e um novo fôlego à oração da Igreja, pouco antes do Concílio Vaticano II e durante sua realização, quis que a Faculdade dos Beneditinos no Aventino constituísse um centro de estudos e de pesquisa para garantir uma sólida base para a reforma litúrgica conciliar. Na véspera do Concílio, de fato, parecia cada vez mais viva, no campo da liturgia, a urgência de uma reforma, postulada também pelas petições realizadas por diversos episcopados. Além disso, a forte demanda pastoral que motivava o movimento litúrgico requeria que se favorecesse e suscitasse uma participação activa dos fiéis nas celebrações litúrgicas, através do uso de línguas nacionais, e que se aprofundasse na questão da adaptação dos ritos às diversas culturas, especialmente em terra de missão.

Além disso, mostrou-se clara desde o início a necessidade de um estudo mais aprofundado do fundamento teológico da Liturgia, para evitar cair no ritualismo ou promover o subjectivismo, o protagonismo do celebrante, e para que a reforma estivesse bem justificada no âmbito da Revelação e em continuidade com a tradição da Igreja. O Papa João XXIII, incentivado por sua sabedoria e seu espírito profético, para acolher e responder a estas exigências, criou o Instituto Litúrgico, ao qual quis atribuir imediatamente o título de "Pontifício", para indicar seu vínculo especial com a Sé Apostólica.

Caros amigos, o título escolhido para o Congresso do Ano Jubilar é muito significativo: "Instituto Pontifício: entre memória e profecia". Quanto à memória, devemos observar os frutos abundantes suscitados pelo Espírito Santo em meio século de história, e assim devemos agradecer ao Dador de todo bem, apesar também dos mal-entendidos e erros na realização efectiva da reforma. Não podemos deixar de recordar os pioneiros, presentes na fundação da Faculdade: Cipriano Vagaggini, Adrien Nocent, Salvatore Marsili e Burkhard Neunheuser, que, ao acolherem os pedidos do Pontífice fundador, empenharam-se, sobretudo após a promulgação da Constituição conciliar Sacrosanctum Concilium, em aprofundar na "função sacerdotal de Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam - e, cada um à sua maneira, realizam - a santificação dos homens; nela, o Corpo Místico de Jesus Cristo - cabeça e membros - presta a Deus o culto público integral" (n. 7).

Pertence à "memória" a vida do Pontifício Instituto Litúrgico, que ofereceu a sua contribuição para a Igreja comprometida com a recepção do Concílio Vaticano II, através cinquenta anos de formação litúrgica académica - formação oferecida à luz da celebração dos santos mistérios, da liturgia comparada, da Palavra de Deus, das fontes litúrgicas, do magistério, da história das instâncias ecuménicas e de uma sólida antropologia. Graças a este importante trabalho formativo, um grande número de graduados e licenciados já presta seu serviço à Igreja em várias partes do mundo, ajudando o povo santo de Deus a viver a liturgia como expressão da Igreja em oração, como presença de Cristo entre os homens e como actualidade constitutiva da história da salvação. De fato, o documento conciliar evidencia o duplo carácter teológico e eclesiológico da liturgia. A celebração realiza, ao mesmo tempo, uma epifania do Senhor e uma epifania da Igreja, duas dimensões que se conjugam em unidade na assembleia litúrgica, na qual Cristo actualiza o mistério pascal de morte e de ressurreição e o povo baptizado bebe mais abundantemente das fontes da salvação. Na acção litúrgica da Igreja, subsiste a presença activa de Cristo: o que realizou em seu caminho entre os homens, Ele continua tornando operante através de sua acção pessoal sacramental, cujo centro é a Eucaristia.

Com o termo "profecia", o olhar se abre a novos horizontes. A Liturgia da Igreja vai além da própria "reforma conciliar" (cf. Sacrosanctum Concilium, 1), cujo objectivo, de fato, não era principalmente o de mudar os ritos e gestos, mas sim renovar as mentalidades e colocar no centro da vida cristã e da pastoral a celebração do mistério pascal de Cristo. Infelizmente, talvez, também pelos pastores e especialistas, a liturgia foi tomada mais como um objecto a reformar que como um sujeito capaz de renovar a vida cristã, a partir do momento em que "existe um vínculo estreito e orgânico entre a renovação da Liturgia e a renovação de toda a vida da Igreja. A Igreja extrai da liturgia a força para a vida". Quem nos recorda isso é o Beato João Paulo II, na Vicesimus quintus annus, na qual a liturgia é considerada como o coração latente de toda actividade eclesial. E o Servo de Deus Paulo VI, referindo-se ao culto da Igreja, com uma expressão sintética, afirmou: "Da lex credendi passamos à lex orandi, e isso nos leva à lux operandi et vivendi " (Discurso na cerimónia de oferenda de velas, 2 de Fevereiro de 1970).

Cume para o qual tende a acção da Igreja e, ao mesmo tempo, fonte da qual brota a sua força (cf. Sacrosanctum Concilium, 10), a liturgia, com o seu universo celebrativo, torna-se assim a grande educadora na primazia da fé e da graça. A liturgia, testemunha privilegiada da Tradição viva da Igreja, fiel à sua missão original de revelar e tornar presente no hodie das vicissitudes humanas da opus Redemptionis,
vive de uma relação correcta e consistente entre a sã traditio e a legítima progressio, lucidamente explicitada pela Constituição conciliar no n. 23. Com ambos os termos, os Padres conciliares quiseram gravar seu programa de reforma, em equilíbrio com a grande tradição litúrgica do passado e do futuro. Não raro, contrapõe-se, de maneira desajeitada, tradição e progresso. Na verdade, os dois conceitos estão integrados: tradição é uma realidade viva, que por isso inclui em si o princípio do desenvolvimento, do progresso. É como dizer que o rio da tradição leva em si também sua fonte e tende à desembocadura.

Queridos amigos, espero que esta Faculdade de Sagrada Liturgia continue, com um vigor renovado, seu serviço à Igreja, em plena fidelidade à rica e bela tradição litúrgica e à reforma desejada pelo Concílio Vaticano II, de acordo com as directrizes da Sacrosanctum Concilium e dos pronunciamentos do Magistério. A liturgia cristã é a liturgia da promessa realizada em Cristo, mas também é a liturgia da esperança, da peregrinação rumo à transformação do mundo, que acontecerá quando Deus for tudo em todos (cf. 1 Cor 15, 28). Pela intercessão da Virgem Maria, Mãe da Igreja, em comunhão com a Igreja celeste e com os padroeiros São Bento e Santo Anselmo, invoco sobre cada um a Bênção Apostólica. Obrigado.

Mais palavras não são precisas, julgo eu.
Sublinhados meus.
Joaquim Mexia Alves