25 outubro, 2019

Cristãos perseguidos em mais de 20 países, denuncia relatório da AIS


 Relatório da Ajuda à Igreja que Sofre sobre cristãos perseguidos

A Fundação do direito Pontifício Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), apresentou na quinta-feira em Roma o seu relatório anual, onde destaca a violência sistemática contra os cristãos. A situação agrava-se em particular em África e no sul do continente asiático. 

Marco Guerra - Cidade do Vaticano 

"Vivemos num estado de tensão permanente, porque na nossa mente sabemos que em algum lugar, em algum momento, haverá outro ataque. Ainda que ninguém saiba onde e quando”. As palavras do cardeal Joseph Coutts, arcebispo de Karachi, no Paquistão, que introduzem o relatório da Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), dão uma ideia do que significa estar entre um dos 300 milhões de cristãos que vivem em terras de perseguição. Participar numa Missa, animar os eventos e as atividades pastorais de uma comunidade cristã, exibir símbolos religiosos ou simplesmente professar a própria fé,  tornam-se atos que podem colocar em risco a liberdade e até mesmo a própria vida em mais de 20 países onde vivem biliões de  pessoas.

Perseguição multifacetada

"A perseguição religiosa pode assumir várias formas", escreve ainda o cardeal, "pode traduzir-se em ataques brutais do Estado Islâmico (ISIS) no Iraque e na Síria contra cristãos e yazidis, ou pode assumir formas mais subtis, como discriminações, ameaças, extorsões, sequestros e conversões forçadas, negação dos direitos ou limitações à liberdade".

O cardeal Coutts concentra-se, em particular, na situação na República Islâmica do Paquistão, onde os cristãos são uma pequena minoria em uma vasta população de mais de 200 milhões de habitantes. "Ao longo dos anos – conta ele - enfrentamos tudo o que acabamos de descrever. Mas mesmo nos momentos mais difíceis, encontramos  sempre força no encorajamento e no apoio que a Ajuda à Igreja que Sofre nos ofereceu”. 

Perseguições entre 2017 e 2019

A Fundação do direito Pontifício quer dar voz a todos os cristãos oprimidos por meio do novo relatório "Perseguidos mais do que nunca. Foco na perseguição anti-cristã entre 2017 e 2019", apresentada na manhã de quinta-feira em Roma na Basílica de San Bartolomeo all’Isola. Um texto que examina os desdobramentos mais significativos nas áreas de maior preocupação devido às violações dos direitos humanos sofridas pelos cristãos nos últimos dois anos. 

Agravamento da situação em Burkina Faso e no Sri Lanka

No período em análise, a situação está longe de ter melhorado e a lista dos países onde os cristãos sofrem aumenta com a entrada dos Camarões, Burkina Faso e o Sri Lanka. Para o diretor da AIS, Alessandro Monteduro, os dois últimos representam os exemplos mais dramáticos deste novo cenário de perseguição anti-cristã, que encontra novas formas e novos territórios também em virtude da inadequação das estratégias adotadas até ao momento. 

Resposta militar não é suficiente

"Mesmo se necessária, a resposta militar não é o suficiente", explicou Monteduro ao Vatican News, referindo-se à transferência de jihadistas do ISIS, derrotados no norte do Iraque e em grande parte da Síria, para outras áreas do mundo, principalmente África, sul e este da Ásia.

Fundamentalismo na África em aumento

É sobretudo no continente africano, de facto, a nova frente do fundamentalismo islâmico, como evidenciado pelo facto de que dos 17 sacerdotes e uma religiosa assassinados no mundo em 2019, 14 foram assassinados neste continente. A situação em Burkina Faso agravou-se no período considerado. Somente nos primeiros seis meses de 2019, 20 cristãos foram assassinados, incluindo 6 sacerdotes e um pastor. O sacerdote burquinense padre Roger Kologo pronunciou-se na apresentação do relatório com o seu testemunho: "É uma verdadeira caça aos cristãos, que são atacados durante procissões e expressões da sua fé e até mesmo atacados nas suas casas e executados." O sacerdote resumiu a trágica escalada de ataques anticristãos iniciada precisamente na sua diocese, a de Dori, na última Sexta-feira Santa e falou sobre o seu amigo padre Joel Yougbare, sequestrado em 17 de março: "Na noite anterior ao seu sequestro jantamos juntos. Ele disse-me que iria visitar uma comunidade numa área remota. Sabia que era arriscado, os jihadistas estavam de olho nele e várias vezes o tinham seguido, mas não queria abandonar os seus fiéis". 

Do Sri Lanka, as relíquias do massacre na Páscoa

Também muito tocante foi o testemunho do reitor do Santuário de Santo António em Colombo, padre Jude Raj Fernando, que falou dos trágicos momentos em que a sua igreja foi atacada no domingo de Páscoa: "Vi os meus fiéis mortos, ensanguentados, e interroguei-me: meu Deus, por quê?" Agora, padre Fernando está comprometido em acolher e educar os órfãos daquele massacre e em fortalecer a fé dos sobreviventes e parentes das vítimas. "Não obstante os graves ferimentos recebidos - acrescentou -, permanecemos firmes na nossa fé que nos permite perdoar aos nossos perseguidores. Perdoamos, mas continuamos a pedir justiça para as nossas vítimas”. No final da sua intervenção, o padre Jude Raj Fernando doou as relíquias das vítimas do massacre de Páscoa à Basílica de San Bartolomeo all’Isola. Entre os objetos contidos numa teca, também a garrafa de água de uma das 48 crianças que perderam a vida no ataque. 

Perseguições políticas continuam

Não há somente terrorismo islâmico, mas na Índia, por exemplo, nos últimos dois anos, foram registados mais de 1000 ataques e mais de 100 igrejas foram destruídas por extremistas hinduístas. Depois, temos a perseguição política e governamental. Mesmo as melhorias verificadas nas relações diplomáticas entre os líderes das nações ocidentais e os seus pares do governo, como os da Coreia do Norte ou China, não nos devem levar a pensar em melhorias das condições dos cristãos nessas áreas, como observou no seu pronunciamento Alfredo Mantovano, presidente da AIS-Itália: "Não devemos iludir-nos de que uma eventual redução de aquisição de armamentos ou de tratados de cooperação económica corresponda, dentro das fronteiras, a uma diminuição da perseguição religiosa". Segundo várias estimativas, entre os 50 mil e 70 mil prisioneiros nos campos de detenção da Coreia do Norte, estão cristãos perseguidos pela sua fé que sofrem toda a forma de maus-tratos, incluindo assassinatos extrajudiciais. 

Cardeal Sandri: facilitar o retorno dos cristãos ao Médio Oriente

O evento foi enriquecido pela intervenção do cardeal Leonardo Sandri, prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, que falou ao VaticanNews sobre a situação dos cristãos no Médio Oriente e o compromisso da Igreja em ajudá-los a permanecer nos seus países de origem:

R. – Nestas nossas regiões - e refiro-me sobretudo ao Iraque e à Síria - ainda existe o sofrimento de muitas populações, o retorno em alguns casos de cristãos, mas sobretudo a grande preocupação com o êxodo de cristãos ... Pode-se também temer um novo Médio Oriente sem cristãos, algo que o Papa Francisco denunciou como completamente contrário à história daquela região. Portanto, esperamos que após a queda do Estado Islâmico, realmente chegue um momento de paz. No entanto, os cristãos ainda são "pré-perseguidos" porque encontram-se sem as condições mínimas para serem reconhecidos como cidadãos desses países com todos os direitos e deveres, e muitos são forçados a migrar devido à insegurança ou falta de trabalho.

Portanto, defender os cristãos significa defender a estabilidade do Médio Oriente?

R. – A estabilidade e o equilíbrio. Esses países são predominantemente muçulmanos, mas a presença cristã foi sempre uma presença que levou equilíbrio, porque a vida da Igreja é voltada sobretudo para procurar a glória de Deus, mas sobretudo manifestá-la no serviço aos irmãos e esta é uma característica cristã que se caracteriza em países de maioria muçulmana e que também se manifesta como um momento de equilíbrio social para todo o país.

Os cristãos podem retornar a alguns territórios, mas há sempre o temor de novas perseguições?

R. - Devo dizer que em alguns casos o retorno dos cristãos está a ocorrer, especialmente em Qaraqosh, no Curdistão iraquiano, e também há alguns pequenos sinais em Mosul. Mas, obviamente, esses são movimentos muito pequenos por enquanto. Em Qaraqosh, por exemplo, eu sei que retornaram os siro-católicos. Qaraqosh é a sua principal cidade.

Há necessidade de um esforço a favor dos plenos direitos civis aos cristãos em alguns países do Médio Oriente que ainda não os concedem?

R. - Certamente, é o que os nossos pastores orientais expressaram tantas vezes e também o Santo Padre expressou isto em alguns dos seus discursos. Os cristãos não são cidadãos por concessão, por misericórdia, por tolerância: eles querem ser cidadãos plenos. Em todos equeles países, mesmo sendo pequenas realidades do ponto de vista numérico, eles amam a sua própria pátria e contribuem para o bem-estar e a elevação social de toda a população. E vemos isso em muitos países por intermédio dos missionários, isto é, os sacerdotes das diversas Igrejas, religiosas e leigos. Também vemos um compromisso por parte da comunidade católica do mundo, através das obras de ajuda a essas Igrejas.

VN

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