(RV) A visita à Geórgia e o Azerbaijão, as suas
próximas viagens, as questões do género e homossexualidade, as relações
com a China, os novos Cardeais e muitos outros temas estiveram no centro
da conversa do Papa Francisco com os jornalistas durante o voo de
regresso de Baku.
"Obrigado como sempre pelo trabalho de vocês. Perguntem o que
quiserem”, disse o Papa Francisco aos jornalistas que o acompanharam nos
três dias de viagem ao Cáucaso, primeiro à Geórgia e depois ao
Azerbaijão. Na conferência de imprensa, a primeira tendo ao lado o novo
Director da Sala de Imprensa, Georg Burke, o Pontífice comentou suas
impressões sobre os dois países visitados, falou das próximas viagens,
do Consistório e das eleições nos Estados Unidos. Eis os principais
trechos.
Uma jornalista georgiana afirmou que os cidadãos da Geórgia ficaram
muito impressionados pelos discursos de Francisco e de modo especial
pela foto do Papa junto com o Patriarca que foi compartilha milhares de
vezes nas redes sociais. A pergunta foi sobre uma futura colaboração com
as Igrejas Ortodoxas em relação às diferenças doutrinais.
Papa Francisco:
Eu tive duas surpresas na Geórgia. Uma é a Geórgia. Eu nunca imaginei
tanta cultura, tanta fé, tanta cristandade. Um povo crente, com uma
cultura cristã muito antiga, um povo de muitos mártires. E eu descobri
uma coisa que não conhecia: a amplidão desta fé georgiana. A segunda
surpresa foi o Patriarca: é um homem de Deus, este homem me comoveu. As
vezes que eu o encontrei saí com o coração emocionado, e com a sensação
de ter encontrado um homem de Deus. Verdadeiramente, um homem de Deus.
Sobre as coisas que nos unem e nos separam, eu diria: não vamos discutir
as questões de doutrina, vamos deixá-las para os teólogos, eles sabem
fazer isso melhor do que nós. Discutem e são bravos, são bons, têm boa
vontade; os teólogos de uma parte e da outra. O que devemos fazer nós, o
povo? Rezar uns pelos outros. Isso é muito importante: a oração. E
segundo, fazer as coisas juntos: há os pobres, trabalhemos juntos com os
pobres; há este problema, podemos resolvê-lo juntos? Vamos fazer isso
juntos; há os migrantes? Vamos trabalhar juntos… Vamos fazer as coisas
de bem pelos outros, juntos. Isso podemos fazer. E este é o caminho do
ecumenismo. Não só o caminho da doutrina: este é o último; se chegará ao
fim. Mas vamos começar a caminhar juntos. E com boa vontade, isso pode
ser feito, se deve fazer. Hoje o ecumenismo se deve fazer caminhando
juntos, rezando uns pelos outros. E que os teólogos continuem
conversando entre eles, estudando entre eles. Não só… Mas a Geórgia é
maravilhosa, é algo que eu não esperava: uma Nação cristã, mas na
medula…
Matrimónio e divórcio
Em relação ao matrimónio e divórcio, o Papa sublinhou que o
matrimónio como imagem de Deus é a união entre homem e mulher. “A imagem
de Deus não é o homem, mas o homem com a mulher que formam uma só carne
quando se unem no matrimónio. Esta é a verdade”, sublinhou.
Segundo o pontífice, nesta cultura os conflitos e problemas não são
bem administrados, como também as filosofias de hoje: faço isso, depois
quando me canso faço aquilo, faço o terceiro e o quarto; é uma guerra
mundial contra o matrimónio. “Devemos estar atentos a não deixar entrar
em nós essas ideias. O matrimónio é imagem de Deus, homem e mulher numa
só carne. Quando isso é destruído, se suja ou se desfigura a imagem de
Deus. A Amoris laetitia fala sobre como tratar estes casos, como tratar
as famílias feridas e aqui entra a misericórdia. O matrimónio ferido, os
casais feridos: entra a misericórdia. O princípio é este, mas as
fraquezas humanas e os pecados existem. Porém, a fraqueza e o pecado não
têm a última palavra. A última palavra é a da misericórdia! Na Amoris
laetitia se fala de matrimónio, do fundamento do matrimónio, como se
preparar ao matrimónio, como educar os filhos, e no capítulo VIII,
quando vêm os problemas, como se resolvem. Se resolvem com quatro
critérios: acolher as famílias feridas, acompanhar, discernir cada caso e
integrar, refazer. Isto significa colaborar nesta segunda fase, nesta
recriação maravilhosa que o Senhor fez através da redenção. Existe o
pecado, a ruptura, mas também a misericórdia, a redenção: a cura.”
Teoria do género
Sobre a teoria do género, definida pelo Papa Francisco como “grande
inimiga, uma ameaça contra o matrimónio”, o pontífice disse que
acompanhou na sua vida de sacerdote as pessoas com tendências e práticas
homossexuais.
“Eu as acompanhei e aproximei do Senhor. Nunca abandonei ninguém.
Quando uma pessoa tem essa condição e chega diante de Jesus, o Senhor
não lhe dirá: Vai embora porque você é homossexual! Não! Eu me referi
sobre a maldade que se faz hoje com a doutrinação da teoria do género.
Uma coisa é a pessoa ter essa tendência, essa opção, e também quem muda
de sexo. Outra coisa é ensinar nas escolas esta linha para mudar a
mentalidade. Isso eu chamo de colonizações ideológicas”, disse o Papa.
O Santo Padre disse que no ano passado recebeu uma carta de um
espanhol que contou a sua história de quando era menino e garoto. Era
uma menina, uma garota e sofreu muito porque se sentia garoto, mas
fisicamente era uma garota. Quando se tornou adulto foi operado, mudou
sua identidade civil, se casou e trabalha no ministério.
“As tendências ou desequilíbrios hormonais causam muitos problemas e
devemos estar atentos a não dizer: É tudo a mesma coisa! Mas acolher,
acompanhar, estudar, discernir e integrar cada caso, sempre com a
misericórdia de Deus.”
Consistório
O Papa Francisco falou ainda do próximo Consistório, para o qual
foram propostas três datas, sendo uma delas o primeiro Domingo do
Advento, e que decidirá voltando desta viagem ao Cáucaso. Sobre a
escolha dos cardeais, o Pontífice disse que está estudando os nomes. “A
lista é longa, mas há somente 13 lugares”, afirmou, acrescentando que
lhe agrada a ideia de ver a universalidade da Igreja no Colégio
cardinalício. “Não somente o centro – por assim dizer – ‘europeu’. Os
cinco continentes, se possível.”
Viagem a Fátima
“Certamente, por enquanto, irei a Portugal, e irei somente a Fátima.
Por enquanto. Por quê? Há um problema. Neste Ano Santo foram suspensas
as visitas ad limina; ano que vem, devo fazer as visitas ad limina deste
ano e do próximo. E há pouco tempo para as viagens. Mas a Portugal irei
(o Pontífice mencionou a data de 13 de maio). À Índia e Bangladesh,
quase certo. À África ainda não está certo o país, tudo depende seja do
clima, em qual mês, porque se é no noroeste da África é um coisa, se é
no sudoeste, é outra. E depende também da situação política e das
guerras ali… Mas há possibilidades pensadas na África. Na América, disse
que quando o processo de paz, se sair, gostaria de ir [à Colômbia],
quando tudo estiver concluído...mas tudo depende do que dirá o povo. O
povo é soberano.”
Possível viagem à China
“Temos boas relações, se estuda e se fala, há comissões de trabalho…
Eu sou optimista. O povo chinês tem a minha estima. Outro dia, por
exemplo, houve um congresso de dois dias sobre a Laudato si’ na Academia
das Ciências, e havia uma delegação chinesa do presidente. E o
presidente chinês me enviou um presente… há boas relações... Eu gostaria
[de ir à China], mas ainda não penso nisso...”
Beatificação de padre Hamel
Outra pergunta dos jornalistas foi sobre a beatificação de Pe. Hamel,
degolado na França em julho. O Papa confirmou que o Card. Amato está
analisando a questão, sem esperar os cinco anos exigidos para o início
do processo.
Prémio Nobel da Paz
Sobre a escolha do vencedor do Nobel da Paz, que será anunciado em 7
de outubro, Francisco pediu que se fala mais das vítimas inocentes das
guerras e conflitos. “É um pecado contra Jesus Cristo, porque a carne
dessas crianças, dessa gente doente, desses idosos indefesos é a carne
de Cristo. Seria necessário que a humanidade dissesse algo pelas vítimas
das guerras. Para aqueles que fazem a paz, Jesus disse que são
bem-aventurados. Mas as vítimas das guerras, devemos dizer algo e tomar
consciência, eh? Lançar uma bomba sobre um hospital de crianças e morrem
30, 40; sobre uma escola... esta é a tragédia dos nossos dias.”
Conselho para os eleitores americanos
“Em campanha eleitoral, eu jamais digo uma palavra. O povo é
soberano, somente digo: estude bem as propostas, reze e escolha em
consciência! Agora saio do problema e vou para a ficção, porque não
quero falar do problema concreto. Quando num país existem dois, três,
quatro candidatos que não satisfazem a todos, significa que a vida
política daquele país é demasiado politizada, mas não tem cultura
política. E uma das tarefas da Igreja e do ensino nas faculdades é
ensinar a ter cultura política. Existem países – penso na América Latina
– que são demasiado politizados, mas não têm cultura política; sou
deste partido, deste e daquele outro, mas afectivamente, sem um
pensamento claro sobre as bases, as propostas.”
Conflito entre a Arménia e o Azerbaijão
Uma pergunta sobre o conflito entre a Arménia e o Azerbaijão: o que
deve ocorrer para se chegar a uma paz permanente que tutele os direitos
humanos? E qual papel poderia ter o Santo Padre?
Papa Francisco:
Duas vezes, em dois discursos eu falei sobre isso. No último eu falei
sobre o papel das religiões para ajudar nesta questão. Creio que o
único caminho seja o do diálogo, o do diálogo sincero, sem nada sob a
mesa, sincero, face a face. Uma negociação sincera. E se não se pode
chegar a isso, ter então a coragem de ir a um Tribunal Internacional, ir
a Haia, por exemplo, e submeter-se ao julgamento internacional. Não
vejo outro caminho. O outro é a guerra, e a guerra destrói sempre, com a
guerra se perde tudo! E também, os cristãos, com a oração, rezar pela
paz para que esses corações tomem este caminho de diálogo, de
negociações ou ir a um Tribunal internacional. Mas não se podem ter
problemas como esses: pensem que os três países caucásicos têm
problemas. Também na Geórgia há um problema com a Rússia: não se conhece
muito sobre isso… mas há um problema, que pode crescer… não se sabe; e a
Arménia é um país sem fronteiras abertas, há problemas com o
Azerbaijão. Deve-se ir ao Tribunal internacional se não há diálogo e
negociação: não há outro caminho. E a oração, oração pela paz.
Uma pergunta ainda sobre por que o Papa faz viagens a lugares onde se encontram pouquíssimos católicos?
Porque ir à periferia?
Papa Francisco:
Essa pergunta me fizeram após a minha primeira viagem, que foi à
Albânia: Por que o Senhor escolheu ir à Albânia na sua primeira viagem à
Europa? Um país que não é da União Europeia? Depois eu fui a Sarajevo,
na Bósnia Herzegovina, que não faz parte da União Europeia. O primeiro
país da União Europeia onde eu fui foi a Grécia, Ilha de Lesbos: o
primeiro. Por que fazer viagens a estes países? São três países
caucásicos: os três presidentes vieram ao Vaticano para me convidar. E
com insistência. E todos os três tiveram um comportamento religioso
diferente: os arménios são orgulhosos – e isso sem ofender hein? -
orgulhosos de sua “armenidade”… e têm uma história, e eles são cristãos,
a grande maioria, mas, quase todos, cristãos apostólicos, cristãos
católicos e um pouquinho de cristãos evangélicos: poucos. A Geórgia é um
país cristão, totalmente cristão, mas ortodoxo. Os católicos são
poucos. Ao invés, o Azerbaijão é um país, creio, 96-98% muçulmano: não
sei quantos são os habitantes, porque eu disse dois milhões, mas creio
que sejam vinte, não?... são cerca de 10. Sim, cerca de 10 milhões; os
católicos são no máximo 600, poucos. E eu, por que vou ali? Pelos
católicos, para ir à periferia de uma comunidade católica, que se
encontra precisamente na periferia, e é muito pequena. E hoje na Missa
eu disse que me fazia recordar a comunidade periférica de Jerusalém,
fechada no Cenáculo, esperando o Espírito Santo, esperando poder
crescer, sair… é pequena. Não é perseguida, não, porque no Azerbaijão há
um grande respeito religioso, uma grande liberdade religiosa. Isso é
verdade, eu disse isso no meu discurso hoje. E também esses três países
são periféricos, como a Albânia, a Bósnia Herzegovina…E eu lhes disse: a
realidade se entende melhor, e se vê melhor a partir das periferias do
que do centro. E por isso escolho ir ali. Mas isso não tira a
possibilidade de ir a um grande país como Portugal, França, não sei…
vamos ver… (SP-BF-MJ-BS)
Sem comentários:
Enviar um comentário