Documento Final do Sínodo na mão de uma auditora
(Vatican Media)
Três partes, 12
capítulos, 167 parágrafos, 60 páginas: assim se apresenta o documento
final da XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, sobre o
tema "Os jovens, a fé e o discernimento vocacional". O texto foi
aprovado na tarde de 27 de outubro na Sala do Sínodo. O documento foi
entregue nas mãos do Papa, que então autorizou a sua publicação.
Paolo Ondarza e Isabella Piro - Cidade do Vaticano
É o episódio dos discípulos de Emaús, narrado pelo evangelista Lucas,
o fio condutor do Documento Final do Sínodo dos Jovens. Lido na Sala
alternando vozes do relator geral, cardeal Sérgio da Rocha, e os
secretários Especiais, padre Giacomo Costa e padre Rossano Sala,
juntamente com Dom Bruno Forte, membro da Comissão para a Redação do
texto, o documento é complementar ao Instrumentum laboris do Sínodo, do
qual toma a subdivisão em três partes.
Acolhido com aplausos, o texto - disse o cardeal Sérgio Da Rocha - é
"o resultado de um verdadeiro trabalho de equipe" dos Padres Sinodais,
juntamente com os outros participantes no Sínodo e "em modo particular
os jovens." O Documento, portanto, recolhe as 364 formas, ou emendas,
apresentadas. "A maior parte delas - acrescentou o Relator geral - foi
precisa e construtiva".
"Caminhava com eles"
Em primeiro lugar, portanto, o Documento Final do Sínodo olha para o
contexto em que vivem os jovens, destacando os pontos de força e
desafios. Tudo parte de uma escuta empática que, com humildade,
paciência e disponibilidade, permite dialogar realmente com os
jovens, evitando "respostas pré-concebidas e receitas prontas". Os
jovens, de facto, querem ser "ouvidos, reconhecidos, acompanhados" e
querem que sua voz seja "considerada interessante e útil no campo social
e eclesial". A Igreja nem sempre teve essa atitude, reconhece o Sínodo:
muitas vezes sacerdotes e bispos, sobrecarregados por muitos
compromissos, lutam para encontrar tempo para o serviço da escuta. Daí a
necessidade de preparar também adequadamente leigos, homens e mulheres,
capazes de acompanhar as jovens gerações. Diante de fenómenos como a
globalização e a secularização, além disto, os jovens movem-se em
direção a uma redescoberta de Deus e da espiritualidade e isso deve ser
um estímulo para a Igreja, para recuperar a importância do dinamismo da
fé.
A escola e a paróquia
Outra resposta da Igreja às questões dos jovens vem do setor
educacional: as escolas, as universidades, as faculdades, os oratórios,
permitem uma formação integral dos jovens, oferecendo ao mesmo tempo um
testemunho evangélico de promoção humana.
Num mundo onde tudo está conetado - família, trabalho, tecnologia,
defesa do embrião e do migrante - os bispos definem como insubstituível
o papel desempenhado pelas escolas e universidades onde os jovens
passam muito tempo. As instituições educacionais católicas, em
particular, são chamadas a enfrentar a relação entre a fé e as demandas
do mundo contemporâneo, as diferentes perspetivas antropológicas, os
desafios técnico-científicos, as mudanças nos costumes sociais e o
compromisso com a justiça. Também a paróquia tem o seu papel: "Igreja no
território", é preciso um repensar na sua vocação missionária, pois
muitas vezes resulta pouco significativa e pouco dinâmica, especialmente
na área da catequese.
Migrantes, um paradigma do nosso tempo
O documento sinodal concentra-se então no tema dos migrantes,
"paradigma do nosso tempo", como um fenómeno estrutural, e não uma
emergência transitória. Muitos migrantes são jovens ou menores
desacompanhados, fugindo da guerra, violências, perseguição política ou
religiosa, desastres naturais, pobreza e acabam por se tornarem vítimas de
tráfico, drogas, abusos psicológicos e físicos. A preocupação da Igreja é
acima de tudo em relação a eles - diz o Sínodo – na ótica de uma
autêntica promoção humana que passa por acolher os refugiados, e seja
ponto de referência para tantos jovens separados das suas famílias de
origem. Mas não só: os migrantes - recorda o Documento - são também uma
oportunidade de enriquecimento para as comunidades e sociedades em que
chegam e que podem ser revitalizados por eles. Ressoam, portanto, os
verbos sinodais "acolher, proteger, promover, integrar" indicados pelo
Papa Francisco para uma cultura que supere a desconfiança e o medo. Os
bispos também pedem mais empenho em garantir àqueles que não desejam
migrar, o direito de permanecer no seu próprio país. A atenção do Sínodo
também se dirige àquelas Igrejas ameaçadas na sua existência, pela
emigração forçada e pelas perseguições sofridas pelos fiéis.
Firme compromisso contra todos os tipos de abuso. Dizer a verdade e pedir perdão
Bastante ampla, também, a reflexão sobre os "diversos tipos de abuso"
(de poder, económicos, de consciência, sexuais) feitos por alguns
bispos, sacerdotes, religiosos e leigos: nas vítimas – lê-se no texto –
eles provocam sofrimentos que "podem durar toda a vida e aos quais
nenhum arrependimento pode colocar remédio".
Daí o apelo do Sínodo ao "firme compromisso com a adoção de rigorosas
medidas de prevenção que impeçam o repetir-se, a partir da seleção e da
formação daqueles a quem serão confiadas tarefas de responsabilidade e
educativas". Por conseguinte, será necessário extirpar as formas - como
a corrupção e o clericalismo – sob as quais estes tipos de abusos estão
enraizados, contrastando também a falta de responsabilidade e
transparência com que muitos casos foram geridos. Ao mesmo tempo, o
Sínodo diz-se agradecido a todos aqueles que "têm a coragem de denunciar
o mal sofrido", porque ajudam a Igreja a "tomar consciência do que
aconteceu e da necessidade de reagir com decisão". "A misericórdia, de
facto, exige a justiça". Mas não devem porém ser esquecidos os numerosos
leigos, sacerdotes, pessoas consagradas e bispos que a cada dia se
dedicam, com honestidade, ao serviço dos jovens, os quais podem
verdadeiramente oferecer "uma ajuda preciosa" para uma "reforma de
dimensão epocal" nesta área.
A Família "Igreja Doméstica"
Outros temas presentes no Documento dizem respeito à família,
principal ponto de referência para os jovens, primeira comunidade de fé,
"Igreja doméstica": o Sínodo chama a atenção, em particular, ao papel
dos avós na educação religiosa e na transmissão da fé, e alerta para o
enfraquecimento da figura paterna e para aqueles adultos que assumem
estilos de vida "juvenis". Além da família, para os jovens, a amizade
com os colegas é muito importante, pois permite a partilha da fé e a
ajuda recíproca no testemunho.
Promoção de justiça contra "cultura de desperdício"
O Sínodo concentra-se também em algumas formas de vulnerabilidade
vividas pelos jovens em vários setores: no trabalho, onde o desemprego
torna as jovens gerações pobres, minando a sua capacidade de sonhar; as
perseguições até à morte; a exclusão social por motivos religiosos,
étnicos ou económicos; as deficiências. Diante desta "cultura de
descarte", a Igreja deve lançar um apelo à conversão e à solidariedade,
tornando-se uma alternativa concreta às situações de dificuldade. Na
frente oposta, não faltam áreas onde o comprometimento dos jovens
consegue expressar-se com originalidade e especificidade: por exemplo, o
voluntariado, a atenção às questões ecológicas, o compromisso na
política com a construção do bem comum, a promoção da justiça, pela qual
os jovens pedem à Igreja "um compromisso firme e coerente".
Arte, música e esporte, "recursos pastorais"
Também o mundo do desporto e da música oferece aos jovens a
possibilidade de se expressarem da melhor forma: no primeiro caso, a
Igreja convida a não subestimar a potencialidade educacional, formativa e
inclusiva da atividade desportiva; no caso da música, por outro lado, o
Sínodo fala sobre o seu “ser recurso pastoral" que interpela também a
uma renovação litúrgica, porque os jovens têm o desejo de uma "liturgia
viva", autêntica, alegre, momento de encontro com Deus e com o
comunidade.
Os jovens apreciam celebrações autênticas em que a beleza dos sinais,
o cuidado da pregação e o envolvimento da comunidade falem realmente de
Deus": portanto, precisam de ser ajudados a descobrir o valor da adoração
eucarística e a compreender que" a liturgia não é puramente expressão de
si mesma, mas ação de Cristo e da Igreja".
As jovens gerações, ademais, querem ser protagonistas da vida
eclesial, colocando os seus talentos e assumindo responsabilidades.
sujeitos ativos na ação pastoral, eles são o presente da Igreja, devem
ser encorajados a participar na vida eclesial, e não impedidos com
autoritarismo. Numa Igreja capaz de dialogar de forma menos
paternalista e mais sincera, de faCto, os jovens sabem ser muito ativos
na evangelização dos seus coetâneos, exercendo um verdadeiro apostolado,
que deve ser apoiado e integrado na vida da comunidade
.
"Os seus olhos se abriram"
Deus fala à Igreja e ao mundo por meio dos jovens, que são um dos
"lugares teológicos" onde o Senhor está presente. Portadora de uma santa
inquietude que a torna dinâmica – lê-se na segunda parte do Documento –
a juventude pode estar "mais à frente dos pastores" e nisso deve ser
acolhida, respeitada, acompanhada. Graças a ela, de facto, a Igreja pode renovar-se, sacudindo "o peso e a lentidão". Assim, o chamamento do Sínodo
para o modelo de "Jesus jovem entre os jovens" e ao testemunho dos
santos, entre os quais estão muitos jovens, profetas da mudança.
Missão e vocação
Outra "bússola segura" para a juventude é a missão, dom de si que
leva a uma felicidade verdadeira e duradoura: Jesus, de facto, não tira a
liberdade, mas a liberta, porque a verdadeira liberdade só é possível
em relação à verdade e à caridade. Intimamente relacionado com o
conceito de missão, está aquele da vocação: cada vida é vocação na
relação com Deus, não é fruto do acaso ou um bem privado para gerir por
conta própria - afirma o Sínodo - e cada vocação batismal é um chamamento
para todos à santidade. Para isto, cada um deve viver a própria
vocação específica em cada área: a profissão, a família, a vida
consagrada, o ministério ordenado e o diaconato permanente, que
representa um "recurso" a ser ainda desenvolvido mais plenamente.
O acompanhamento
Acompanhar é uma missão para a Igreja a ser realizada a um nível
pessoal e de grupo: num mundo "caracterizado por um pluralismo sempre
mais evidente e por uma disponibilidade de opções cada vez mais ampla,"
buscar junto com os jovens um percurso voltado a fazer escolhas
definitivas é um serviço necessário. Os destinatários são todos os
jovens: seminaristas, sacerdotes ou religiosos em formação, noivos e
recém-casados envolvidos. A comunidade eclesial é um lugar de relações
e contexto em que na celebração eucarística se é tocados, instruídos e
curados pelo próprio Jesus. O Documento Final enfatiza a importância do
Sacramento da Reconciliação na vida de fé e encoraja os pais,
professores, lideranças, animadores, sacerdotes e educadores a ajudar os
jovens, pelo meio da Doutrina Social da Igreja, a assumir
responsabilidades no âmbito profissional e sócio-político. O desafio em
sociedades cada vez mais interculturais e plurirreligiosos, é indicar na
relação com a diversidade uma oportunidade para a comunhão fraterna e o
enriquecimento mútuo.
Não a moralismos e falsas indulgências, sim à correção fraterna
O Sínodo, portanto, promove um acompanhamento integral centrado na
oração e no trabalho interior que valorize também a contribuição da
psicologia e da psicoterapia, quando abertas à transcendência. "O
celibato pelo Reino" – é a recomendação - deve ser entendido como um
"dom a ser reconhecido e verificado na liberdade, alegria, gratuitidade e
humildade", antes da escolha definitiva. Que se invista e aposte em
acompanhadores de qualidade: pessoas equilibradas, de escuta, fé,
oração, que se tenham deparado com as próprias fraquezas e fragilidades,
e sejam por isto acolhedoras "sem moralismos e falsas indulgências",
sabendo corrigir fraternalmente, longe de comportamentos possessivos e
manipuladores. "Este profundo respeito – lê-se no texto - será a melhor
garantia contra os riscos de plágio e abusos de qualquer tipo".
A arte de discernir
"A Igreja é o ambiente para discernir e a consciência – escrevem os
Padres sinodais - é o lugar onde se colhe o fruto do encontro e da
comunhão com Cristo": o discernimento, por meio de "um regular confronto
com um diretor espiritual", apresenta-se portanto como o sincero
trabalho de consciência", "pode ser entendido somente como autêntica
forma de oração” e “requer a coragem de empenhar-se na luta espiritual".
Banco de prova das decisões assumidas é a vida fraterna e o serviço aos
pobres. De facto, os jovens são sensíveis à dimensão da diakonia.
“Partiram sem demora"
Maria Madalena, primeira discípula missionária, curada das feridas,
testemunha da Ressurreição é o ícone de uma Igreja jovem. Dificuldades e
fragilidades dos jovens "ajudam-nos a ser melhores, os seus
questionamentos – lê-se - desafiam-nos, as críticas são necessárias
porque muitas vezes através deles a voz do Senhor pede-nos conversão e
renovação". Todos os jovens, mesmo aqueles com diferentes visões de
vida, nenhum excluído, estão no coração de Deus. Os Padres ressaltam o
dinamismo construtivo da sinodalidade, ou seja, o caminhar juntos: o
final da Assembleia e o Documento final são apenas uma etapa porque as
condições concretas e as necessidades urgentes são diferentes entre
países e continentes. Daí o convite às Conferências Episcopais e às
Igrejas particulares para prosseguir no processo de discernimento com o
objetivo de elaborar soluções pastorais específicas.
Sinodalidade, estilo missionário
"Sinodal" é um estilo para a missão que exorta a passar do “eu” ao
“nós” e a considerar a multiplicidade dos rostos, sensibilidades, origens
e culturas diferentes. Neste horizonte são valorizados os carismas que o
Espírito dá a todos, evitando o clericalismo que exclui muitos dos
processos de decisão e a clericalização dos leigos, que freia o ímpeto
missionário.
Que a autoridade – são os votos - seja vivida a partir de uma
perspectiva de serviço. Sinodal seja também a abordagem ao diálogo
inter-religioso e ecuménico destinado ao conhecimento recíproco e à
superação de preconceitos e estereótipos, e a renovação da vida
comunitária e paroquial, para que encurte as distâncias jovens-igreja e
mostre a íntima conexão entre fé e experiência concreta de vida.
Formalizado o pedido diversas vezes feito na Aula para instituir, a nível de Conferências Episcopais, um "Diretório de pastoral da juventude
em chave vocacional”, que possa ajudar os responsáveis diocesanos e os
agentes locais a qualificar a sua educação e ação com e para
os jovens", contribuindo para superar uma certa fragmentação da pastoral
da Igreja. Reiterada ainda a importância da JMJ, bem como a dos centros
da juventude e oratórios, que precisam no entanto de serem repensados.
O desafio digital
Há alguns desafios urgentes em que a Igreja é chamada a enfrentar. O
Documento Final do Sínodo aborda a missão no ambiente digital: parte
integrante da realidade cotidiana dos jovens, "praça" em que eles passam
muito tempo e se encontram facilmente, um lugar irrenunciável para
alcançar e envolver os jovens também nas atividades pastorais, a web
apresenta luzes e sombras.
Se por um lado permite o acesso à informação, ativa a participação
sociopolítica e a cidadania ativa, por outro apresenta um lado obscuro -
a assim chamada dark web - em que se encontram a solidão, a
manipulação, a exploração, a violência, cyberbullying, pornografia. Daí o
convite do Sínodo para habitar o mundo digital, promovendo o seu
potencial comunicativo com vista ao anúncio cristão e a "impregnar" de
Evangelho as suas culturas e dinâmicas.
Faz-se votos para que sejam criados Escritórios e organismos para a
cultura e a evangelização digital que, além de “favorecer a troca e e a
disseminação de boas práticas, possam gerenciar sistemas de certificação
de sites católicos, para conter a disseminação de notícias falsas (fake
news) sobre a Igreja", emblema de uma cultura que "perdeu o sentido da
verdade", encorajando a promoção de "políticas e instrumentos para a
proteção dos menores na web".
Corpo, sexualidade e carinho
Então, o Documento enfoca o tema do corpo, da afetividade, da
sexualidade: diante de desenvolvimentos científicos que levantam
questionamentos éticas, de fenómenos como a pornografia digital, o
turismo sexual, a promiscuidade, exibicionismo online, o Sínodo recorda
às famílias e às comunidades cristãs a importância de fazer descobrir
aos jovens que a sexualidade é um dom. Muitas vezes a moral sexual da
Igreja é percebida como "um espaço de juízo e condenação", enquanto os
jovens buscam "uma palavra clara, humana e empática" e "expressam um
explícito desejo de confronto sobre as questões relativas à diferença
entre identidade masculina e feminina, à reciprocidade entre homens e
mulheres, à homossexualidade".
VATICAN NEWS
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