Sentado na minha sala, sozinho, penso na maçada (para não
dizer mais), que é esta quarentena, que é este isolamento, apesar da família
que me rodeia pela casa fora.
E quanto mais penso em mim, nestas minhas desventuras, mais
parece que as paredes se vão fechando sobre mim e que o espaço me vai faltando.
Lembro-me então das palavras de Jesus que nos diz para
quando orarmos, entrarmos no nosso quarto, fecharmos a porta e rezarmos ao nosso
Pai em silêncio no coração.
Pois se já aqui estou, se a porta está fechada e o silêncio
acontece, porque não levantar o coração ao Céu e dizer meio desconfiado, mas
esperançoso: Aqui estou Pai! Faça-se a Tua vontade!
Instala-se primeiro uma paz, uma certeza, uma tranquilidade
e parece que alguém se senta ao meu lado, me põe a mão no ombro e me diz para
Lhe abrir o coração.
Curiosamente sinto que me diz para eu não falar de mim e dos
meus problemas, mas dos outros, daqueles
que trago no coração e que me preocupam por tantas e tantas razões.
E assim começo, desfiando um mundo de lamentos pela situação
deste ou daquela, pela saúde de tantos, pela solidão de muitos, pelos que
sofrem, pelos que ajudam os que sofrem, por aqueles que teimosamente não querem
acreditar, por aqueles que não gostam de mim, (e já agora por aqueles de quem
eu também não gosto tanto), pela sociedade, pelos políticos, pela Igreja, enfim,
por um mundo que não tem fim.
E Ele não me manda calar, ouve-me atentamente, diz que sim
com o Seu olhar de ternura abre-me o coração e mostra-me que tudo isso e muito
mais está nEle e que Ele está atento a tudo isso e muito mais.
Só então me apercebo que as paredes da sala se afastaram,
que já não têm limites, (onde está Deus não há limites), e que todos aqueles
por quem peço e até outros mais que não conheço, estão agora comigo, na minha
sala, que entretanto tomou o espaço do mundo, do mundo divino, aquele mundo que
nunca acaba e onde cabem todos os que lá queiram caber.
E Ele no meio, com um sorriso imenso diz-me ternamente: Vês
como é bom estar sozinho comigo? É que onde Eu estou, estão todos os Meus que
também são teus, porque a eles pertences!
Pergunto-Lhe meio envergonhado: Oh Pai porque não querias
que eu falasse de mim, mas apenas dos outros?
E Ele sorri-me, com sorriso paciente cheio de misericórdia:
Porque quando falas dos outros, falas também de ti e assim podes rever-te nos
outros, caminhando juntos para Mim.
Fecho os olhos e deixo-me abarcar pelo mundo de Deus que é a
minha sala sem paredes!
Marinha Grande, 23 de Março de 2020
Joaquim Mexia Alves
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