Um dos momentos dos exercícios espirituais da Quaresma, em Ariccia
Na oitava
meditação dos Exercícios espirituais da Quaresma em Ariccia, que o Papa
Francisco acompanha do Vaticano, o pregador padre Pietro Bovati deteve-se, na tarde de quinta-feira (05/03), sobre o tema "A intercessão".
Na sua oração, afirmou, o intercessor alcança a misericórdia de Deus e a
transmite. Aquele que tem responsabilidade na Igreja é chamado a
"defender, promover e edificar os pequenos"
Giada Aquilina, Raimundo de Lima - Cidade do Vaticano
Quanto mais há pecado, mais se multiplica a misericórdia de Deus. Foi
a reflexão do secretário da Pontifícia Comissão Bíblica, padre Pietro
Bovati, na tarde de quinta-feira (05/03), na oitava meditação dos
Exercícios espirituais em Ariccia para a Cúria Romana, que o Papa
Francisco acompanha da Casa Santa Marta, no Vaticano.
À luz do Livro do Êxodo, do Evangelho de Mateus e da oração dos
Salmos, o jesuíta se deteve sobre o tema “A intercessão”, entendida como
“aquela intervenção amorosa” que é exercida em favor daquelas pessoas
que “precisam de perdão e de reconciliação com Deus”.
O serviço da misericórdia
Trata-se, explicou, do “ministério mais espiritual”, seja porque tem
por objeto uma necessidade e uma finalidade que “tocam o coração”, “o
secreto da pessoa”, seja porque “mais do que qualquer outra”, pressupõe
uma “verdadeira familiaridade com Deus”, dado que se dirige a quem se
encontra “espiritualmente em dificuldade porque está no pecado”.
Os sacerdotes, recordou o padre Bovati, são chamados ao “ministério da
reconciliação”, exercitando-o no Sacramento, que deve ser vivido com
“empenho”, “dedicação” e “amor”. O serviço da misericórdia, precisou o
religioso, investe também “a existência de uma comunidade inteira”, “de
quem quer que seja na Igreja em oração” se torne “disponível ao
exercício profético da reconciliação”.
O padre jesuíta convidou a examinar o capítulo 32 do Êxodo,
versículos 7-14, reiterando que o pecado “só é conhecido verdadeiramente
na oração, no encontro face a face com o Senhor”: é “olhando a face de
Deus”, é “ouvindo a sua voz” que se compreende “a gravidade do pecado”,
como ato “contra Deus” e contra os “outros”.
O pecador, aliás, “não se dá conta daquilo que se fez”, por ignorância,
por superficialidade ou “por uma terrível dependência do mal”, quando se
é “prisioneiros de vícios compulsivos” que impedem “decisões sensatas”.
A oração de intercessão
Quem reza, propriamente intuindo a “periculosidade” do pecado,
percebe “olhando e ouvindo Deus a necessidade que Deus mesmo tem de “ser
misericordioso”. É olhando o Senhor que nos sentimos “chamados a um amor
pelo pecador visto com os olhos” de Deus.
O orante, “justamente porque olha a face” do Senhor, é levado “a
identificar-se” com o pecador, acabando por “assumir sobre si o mal dos
outros”, a exemplo de Cristo. “A oração que leva a compreender a
gravidade do pecado” e o “dever urgente” de socorrer tal pecado
“introduz, impele e promove” uma “oração especial ao Senhor”, a oração
de “intercessão”.
Oferecer a Deus a nossa miséria
Nos textos bíblicos, explicou o teólogo, “a oração que o intercessor
dirige a Deus é um “pedido”, uma “súplica” a fim de que o Senhor perdoe.
Olhando bem, acrescentou, todo o pedido a Deus mostra-se “impróprio”,
como se Deus tivesse que fazer “aquilo que o orante pede”, o
“impertinente” porque parece “sugerir que o Senhor não se recorde do bem
que tem a fazer”.
Porém, observou o pregador, a Escritura ensina que “Deus cumpre antes
que o pedido chegue aos lábios. Ele sabe aquilo de que precisamos”.
Mesmo assim devemos pedir, exortou, “porque assim conscienciaizamo-nos
das nossas necessidades”, “experimentamos a necessidade”, apresentamos a
Ele “as nossas feridas os nossos sofrimentos, de modo que nos é dado
sentir a Sua compaixão”, “saborear” o Seu amor “que ouve e realiza”.
Da ira à misericórdia
A intercessão, por conseguinte, “olha a face de Deus” e assiste a uma
“mudança”: a passagem “da ira à misericórdia”, à “ternura”, de modo que
se opere uma “mudança radical” no próprio coração. A oração de
intercessão expressa uma “progressiva docilidade do mediador no acolher a
infinita bondade de Deus” e, acolhendo-a em si, torna-se “testemunha e
instrumento daquela misericórdia”, evidencioo padre Bovati.
A intercessão, em suma, vê “o emergir de um desejo de Deus de salvar o
homem”, a fim de que no mundo “todos possam ser atraídos pela luz da
misericórdia beneficiando do mesmo perdão”.
Uma transmissão de misericórdia
Na sua oração o intercessor alcança a misericórdia de Deus: daí leva a
cabo uma série de “ações”, “modalidades”, “atitudes” e “operações” que
são necessárias “para fazer de modo que os pecadores tenham acesso ao
dom da divina misericórdia”.
Para ilustrar o processo “concreto” do exercício da divina
misericórdia “mediada pelo seu ministro” e “realizado com o perdão”, o
pregador propôs o discurso de Jesus no capítulo 18 do Evangelho de
Mateus.
Parte da atenção “ao pequeno”, ou seja, a pessoa vulnerável, frágil,
fraca que não deve ser desprezada. “Aquele que tem responsabilidade na
Igreja” é chamado a ter uma “atitude paterna”, com atenção a “quem é
mais pequenino”.
Nestes dias, em que “a problemática dos abusos contra menores”,
contra pessoas “frágeis é mais do que nunca atual”, a solicitude “dos
grandes”faz-se “mais incisiva e necessária”, chamados que são a
“defender, a promover e edificar os pequenos”, refletiu o padre Bovati.
Mas também na parábola da ovelha perdida, prosseguiu, Jesus indica “a
falha da ativa responsabilidade do pastor, do grande que deveria tomar
conta do pequeno”. Faltou “vigilância”, “cuidado pessoal”, “solícita”
atenção.
A “fragilidade do pequeno conjuga-se com a negligência do pastor”,
mas isto “não determina o êxito infeliz da parábola, aliás, é
propriamente a ocasião para ativar a iniciativa do pastor que sai para
procurar a ovelha perdida”. Isto é, “fazer o pecador retornar”.
Os mediadores
O pregador esclareceu que o procurar a ovelha perdida explic-se no
mesma passagem evangélica, quando Pedro pergunta ao Senhor quantas vezes
deve perdoar o irmão em caso de pecado contra ele.
Jesus, recordou o teólogo, faz emergir a responsabilidade tanto do
pecador quanto da pessoa ofendida. “O procurar o irmão que se perdeu
realiza-se segundo este texto de Mateus com o exercício do diálogo”, do
falar, do iniciar um “processo gradual” que convença o pecador, passando
do “colóquio pessoal” ao “envolvimento de testemunhas”, de “mediadores
que corroborem o desejo de reconciliação e o favoreçam”, até o
envolvimento “de toda a comunidade”.
A finalidade alcançada pela missão reconciliadora, ressaltou o
religioso jesuíta, “trna-se visível” na oração comunitária. O Salvador
realiza a sua missão propriamente porque os pastores são “mediadores”,
“unem” a comunidade.
Artífices de perdão
Quando o apóstolo Pedro pergunta: “Quantas vezes devo perdoar o meu
irmão?”, Jesus encoraja “a não cansar-se”, tornando, portanto, num certo
sentido “permanente” o “ministério da reconciliação”.
O número 70 vezes 7 é compreendido como “multiplicação”, quase que a
todo limite se deva contrapor uma “superação inimaginável, “quanto mais
há pecado, mais a misericórdia se multiplica”.
Na Igreja Pedro é a testemunha desta misericórdia. De facto, recorda-se d’ele o pecado da “renegação”, recorda-se do seu pranto, do seu
arrependimento “de modo que a sua experiência se torne o emblema da
Igreja e de todo cristão que perdoado torna-se artífice de perdão”.
VN
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