O retiro quaresmal em Ariccia começou no domingo (1)
(Vatican Media)
É a vocação o tema
da segunda meditação dos Exercícios Espirituais da Cúria Romana que
estão a ser realizados em Ariccia e, da Casa de Santa Marta, seguidos pelo
Papa Francisco que se resguar perante um resfriamento. A vocação,
disse o pregador Pe. Pietro Bovati, “é sempre uma escolha que nasce do
coração do indivíduo” e não alguma coisa “que se determina de maneira
coletiva”.
Michele Raviart, Andressa Collet – Cidade do Vaticano
A vocação é “o encontro decisivo com o qual Deus falou com o povo” e
pelo qual decidimos obedecer à sua escolha. É o início de uma “nova
história”, de um “novo nascimento”, através do qual se criam novas
paternidades e novas fraternidades. É, então, necessário recordar o
momento em que se viveu quando se obedeceu e “ouvir de novo a voz do
Senhor”, naquele que é o significado definitivo da oração.
Deus chama na vida concreta
Na segunda meditação desta segunda-feira (2) nos Exercícios
Espirituais da Cúria Romana, que acontecem em Ariccia, o sacerdote
jesuíta Pietro Bovati, teólogo da Pontifícia Comissão Bíblica, parte da
figura de Moisés para explicar o que significa ser chamado. Moisés é um
pastor e é um servo. Não tem a consciência de que vai passar a ocupar-se do
rebanho do seu sogro à condução do rebanho do povo de Israel. “Às
vezes”, explica o teólogo, “a Escritura apresenta-nos o próprio chamamento, a
vocação, como uma transformação do ofício: de uma ocupação
material a uma dedicação espiritual. Assim que aquilo que foi vivido
segundo a carne possa sugerir como um sinal os valores do Espírito”.
“Deus está sempre a trabalhar para orientar a pessoa à descoberta
de uma maior dimensão do viver, de uma doação mais útil, um serviço mais
útil para os irmãos. Deus chama na vida concreta, naquela história em
que se faz, de algum modo, ver, revelar alguma coisa do chamamento. Deus
chama na vida concreta, inclusive nos nossos aspetos de sentido e de
fadiga, que são as condições – essas – para atrair, talvez
inconscientemente, uma realidade superior: aquela de Deus, e somente Ele
é capaz de revelar e de realizar.”
A inconsciência de Moisés
Moisés não sabe para onde está a ir e nem mesmo percebe que se aproxima de
um lugar sagrado quando fica intrigado com o arbusto ardente do monte
Horeb. Não imagina o significado do arbusto queimado pelo fogo sem se
consumir e o que lhe será revelado. “Estes vários aspetos de
ignorância, de inconsciência”, sublinha o Pe. Bovati, “constituem a matriz
essencial para compreender o que é realmente a vocação na sua
dimensão profética, isto é, que é sempre uma revelação de Deus, não uma
lúcida autoconsciência, não uma autodeterminação”. Chamando-o pelo nome,
Deus pede, de facto, a Moisés, uma disponibilidade pessoal pela qual ele
responde, dizendo: “estou aqui” e “empreendendo um caminho de
consciência e de obediência”.
Um evento inesperado
O chamamento de Deus acontece, então, “numa condição humana, numa
pessoa, não preparada; acontece como uma surpresa, como um evento
inesperado e, aparentemente, que aconteceu do nada”. É inesperada, de
faco, a escolha de David, um rapaz que toca a cítara e não um guerreiro
para combater Golias, ou aquela de Jeremias, um jovem inexperiente
chamado a profetizar para as nações.
“A surpresa é, na verdade, a marca de Deus, e também a
desproporção entre aquilo que se considera ser oportuno, e até mesmo
necessário aos olhos dos homens, e aquilo que Deus escolhe como
mediação: como um servo para a sua obra de salvação.”
O significado do arbusto
Do arbusto chega a voz de Deus. Um sinal que a Bíblia não explica
explicitamente, mas que para o sacerdote jesuíta pode ser interpretado
em dois modos. De um lado, o arbusto é a representação simbólica de
Moisés: é um homem, uma realidade miserável atingida pelo fogo
“simbólico privilegiado do Deus vivo”. Uma união que, “ao contrário de
aniquilar a criatura fraca e frágil, promove-a a uma vitalidade, a uma
tarefa que ao homem parece impossível”. Do outro lado, o arbusto é “a
realidade sofredora do povo de Israel”, enquanto o fogo é “o poder cruel
do opressor egípcio que, no entanto, não é capaz de aniquilar essa
frágil realidade de um povo submisso, porque Deus está presente”.
A vocação nasce do coração do indivíduo
No Novo Testamento se mostra, por outro lado, o valor espiritual da
vocação para quem já segue o Senhor. No Evangelho de Mateus, Jesus pede
aos discípulos: “quem querem que eu seja?”, para deixar claro que Ele
não é um dos tantos profetas, mas que é “o Único, o Filho, o Messias, o
Evento real” e não uma expectativa ou uma preparação. “Tu és o Cristo,
Filho do Deus vivo”, responde Pedro. Uma resposta que não vem da carne e
do sangue, das decisões humanas, mas vem por uma revelação do Pai. Uma
resposta que não é coletiva, mas individual.
“A vocação è sempre uma escolha que nasce do coração do indivídulo
e nunca é o consentimento de um grupo, de algo que se determina de
maneira coletiva, como uma espécie de onda na qual um participa sem uma
responsabilidade pessoal, decisiva.”
Inclusive Pedro, com a adesão a Deus, transforma-se. Não somente no
nome, mas na substância. “Ele, frágil, incerto, torn-se a rocha sobre a
qual repousa a própria Igreja, torna-se princípio de solidez na fé para
ajudar os seus irmãos a superar todas as armadilhas do diabo, todos os
poderes do submundo que serão desatados”.
Seguir realmente o Senhor
A nós, conclui o Pe. Bovati ao dirigir-se à Cúria, “foi-nos dado para
ser como Pedro, mas devemos seguir o Senhor, segui-lo realmente” no seu
caminho da Paixão e da Cruz. O convite é rezar para pedir o dom do
Espírito para sermos realmente discípulos do Senhor. Um desejo
exemplificado pelo Salmo 63, aquele da “escolha de Deus”, que diz: “o
teu amor vale mais do que uma vida”, “numa relação de amor e de comunhão que
é verdadeiramente a nossa bem-aventurança”.
VN
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