17 fevereiro, 2016

Lucro e capital não são superiores ao homem – Papa na Cidade de Juárez



(RV) O Papa Francisco deslocou-se nesta quarta-feira de manhã da Cidade do México à Cidade de Juárez, Estado de Chihuahua, no extremo norte do México, na fronteira com os Estados Unidos, onde teve primeiro um comovedor encontro com os presos, no Centro de Readaptação Social estatal (CeReSo) que acolhe três mil detidos adultos, um pequena parte dos quais mulheres; e depois no Colégio Bachilleres, o encontro com o mundo do trabalho. Depois desse encontro que terminou por volta das 13 horas locais, 21 em Roma, o Papa dirigiu-se à Nunciatura, para o almoço com o sequito da viagem e às 16 horas locais celebrará a Missa em na área feiristica da Cidade, antes de se despedir do México e regressar a Roma, onde a sua chegada está prevista para a tarde de quinta-feira, 18. Na Missa participarão pessoas dum lado e doutro do Rio Grande, isto é da Cidade de El Paso nos Estados Unidos e da Cidade de Juárez, separadas apenas por uma rede metálica.



Cidade de Juárez 

Com mais de um milhão e duzentos mil habitantes, a Cidade de Juárez foi fundada em 1659 com o nome de “El Paso del Norte” por exploradores espanhóis. Por mais de dois séculos a ponte sobre o Rio Grande foi a única passagem para o Texas. Em 1848 um Tratado estabeleceu esse rio como a fronteira entre o México e os Estados Unidos, separando os territórios a norte do rio do resto da cidade. A parte da cidade que ficou para os Estados Unidos passou a ser chamada “El Paso” e a outra do lado do México, foi denominada, em 1888, Ciudade de Juárez, em homenagem ao presidente Benito Juárez. O desenvolvimento dos caminhos de ferro nessa área em 1882, fez com que se desenvolvessem com bancas, correios, actividades comerciais.

As duas cidades separadas hoje pelo rio e por uma rede metálica, e que do alto parecem ser uma única cidade, formam uma área metropolitana de cerca de dois milhões e meio de habitantes, sendo assim a maior área metropolitana binacional nos confins entre México e Estados Unidos.

Com o seu desenvolvimento e indústrias, a Cidade de Juárez atrai muitos trabalhadores de várias partes do México, mas é considerada uma das cidades mais violentas do mundo com 2500 homicídios só em 2009. A espiral de violência é causada pelo narcotráfico e pela presença de uns 950 bandos armados com dezenas de filiações. Devido ao narcotráfico, nos últimos quatro anos, 212 mil habitantes, cerca 18% da população abandonou a cidade. A partir de 1993  Juárez tornou-se ulterior e tristemente famosa pelas milhares de mulheres desaparecidas, pessoas pobres que geralmente trabalhavam em fábricas ilegais que fabricam produtos destinados ao chamado “primeiro mundo”.

Discurso do Papa ao mundo do trabalho

É neste contexto duma Cidade que tem uma “relação especial (…) com mundo do trabalho” como ele próprio disse, que o Papa Francisco quis encontrar-se com empresários e trabalhadores. Foi no Colégio de Bachilleres, Instituto público de educação superior.

Depois de ouvir as ansiedades e esperanças desse mundo expressas por uma família e um empresário, o Papa agradeceu por “essa oportunidade de intercâmbio e reflexão dizendo:

Tudo o que pudermos fazer para dialogar, para nos encontrar, para procurar melhores alternativas e oportunidades já é uma conquista que merece apreço e destaque”.

O Papa tem a consciência de que isto não é suficiente, mas, frisou, “não podemos dar-nos ao luxo de cortar qualquer possibilidade de encontro, discussão, confronto, pesquisa. Esta é a única maneira que temos de poder construir o amanhã: ir tecendo relações duradouras” capazes de reconstruir os vínculos sociais consumidos pela falta do respeito requerido para uma sadia convivência.

Por isso exprimiu o desejo de que esse encontro seja uma oportunidade para construir, ”para forjar o México que o seu povo e os seus filhos merecem”.

E foi sobre o México que os seus filhos merecem que o Papa alicerçou o seu discurso, dizendo que ali se encontravam várias organizações de trabalhadores e representantes de câmaras e associações empresariais, aparentemente antagonistas entre si, mas unidas por uma responsabilidade comum:

“Procurar criar oportunidades de trabalho digno e verdadeiramente útil para a sociedade e sobretudo para os jovens desta terra”.

O que acontece, porém é que a falta de oportunidades de instrução e trabalho sustentável e rentável para os jovens, gera pobreza e, consequentemente, um terreno favorável para cair na espiral do narcotráfico e da violência. Mas ninguém pode dar-se ao “luxo de deixar só e abandonado o presente e o futuro do México.” – frisou.

Francisco fez notar depois como o paradigma do lucro e da utilidade económica se tornou o princípio das relações económicas e como o lucro a todo o custo e imediatamente leva tanto à perda da dimensão ética como também a esquecer de investir no povo, nas pessoas, nas famílias. E recordou que “o melhor investimento é criar oportunidades” e não o de colocar o “fluxo de pessoas ao serviço de fluxo de capitais”, provocando em muitos casos a exploração dos trabalhadores.

Deus pedirá contas aos esclavagistas dos nossos dias e nós devemos fazer todo o possível para que estas situações não ocorram mais. O fluxo de capital não pode determinar o fluxo e a vida das pessoas”

O Papa disse ainda que não raro a Doutrina Social da Igreja é vista pelas empresas como se pretendesse que se transformem em instituições filantrópicas, mas recordou, “a única pretensão que tem a Doutrina Social da Igreja é velar pela integridade das pessoas e das estruturas sociais” e sempre que isto for ameaçada, a “Doutrina Social da Igreja há-de ser uma voz profética que nos ajudará a todos a não nos perdermos no mar sedutor da ambição”, pois que cada vez que a integridade duma pessoa é violada, toda a sociedade se deteriora. E recordou que todos têm o dever de proteger o bem comum:

“Todos devemos lutar para que o trabalho seja uma instância de humanização e de futuro”.

E o Papa prosseguiu:

Que quer o México deixar aos seus filhos? Quer deixar-lhes uma recordação de exploração, de salários insuficientes, de pressão laboral? Ou deixar-lhes na memória a cultura de um trabalho digno, um tecto decente e terra para trabalhar? Em qual cultura queremos ver nascer aqueles que virão depois de nós? Que atmosfera vão respirar? Um ar contaminado pela corrupção, a violência, a insegurança e desconfiança ou, pelo contrário, um ar capaz de gerar alternativas, gerar renovação e mudança?”

Consciente, todavia, de que o que propõe não é fácil, Francisco, disse que “o pior é deixar o futuro nas mãos da corrupção, da brutalidade, da falta de equidade”.

Embora não seja fácil negociar, e viver num mundo cada vez mais competitivo, a “falta de negociação e avaliação provocam danos maiores e é pior deixar que esse mundo competitivo determine o destino dos povos.

“O lucro e o capital não são um bem superior ao homem, mas estão ao sérvio do bem comum. E, quando o bem comum é forçado a estar ao serviço do lucro e o único a ganhar é o capital, a isto chama-se exclusão”

E Rogando a Nossa Senhora de Guadalupe para que ajude a construir um novo México, o Papa conclui convidando todos a “sonhar o México, a construir o México que os vossos filhos merecem, um México, onde os pais tenham tempo para estar com os próprios filhos, onde não haja pessoas de primeira, segunda ou quarta.., mas um México que saiba reconhecer no outro a dignidade de filho de Deus…”.

(DA)

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