(RV) O Papa
Francisco chegou a Roma, nesta quinta-feira dia 18 de fevereiro, às
14h57 locais, regressando do México, onde realizou a sua 12ª Viagem
Apostólica internacional. O Santo Padre e toda a comitiva viajaram num
avião B787 da Aero Mexico.
Durante a viagem teve lugar a habitual conferência de imprensa.
Francisco respondeu às questões colocadas que abordaram desde os
“desaparecidos” mexicanos, passando pelos casos de pedofilia, ponto no
qual o Papa recordou a coragem de Bento XVI.
O Santo Padre falou também sobre o aborto em caso de contágio pelo
vírus Zika e da declaração conjunta com o Patriarca russo no encontro em
Cuba.
Em resposta a uma questão sobre a comunhão aos divorciados recasados o
Papa Francisco reafirmou ser esse sempre o último tema de um caminho de
integração, tendo citado a expressão-chave do Sínodo: ‘integrar na vida
da Igreja as famílias feridas, as famílias recasadas’. Ainda a este
propósito o Papa informou que o documento pós-sinodal talvez seja
publicado antes da Páscoa.
Francisco falou também sobre a votação no parlamento italiano da lei
sobre as uniões civis entre pessoas do mesmo sexo e referiu-se ainda à
correspondência entre S. João Paulo II e uma filósofa polaca, dizendo
gostar, também ele Francisco, de ouvir o parecer das mulheres.
Deixamos aqui a tradução livre feita pelos nossos colegas da redação
brasileira da RV das perguntas dos jornalistas e das respostas do Papa
Francisco:
“Padre Lombardi: Santo Padre, obrigado por estar aqui, como no final
de cada viagem, para uma conversa sintética, um grande apanhado sobre a
viagem, e pela sua disponibilidade para responder a tantas perguntas da
nossa comunidade internacional. Pedimos, como sempre, aos diversos
grupos linguísticos que se organizassem e apresentassem algumas
perguntas. Começamos com os colegas mexicanos, naturalmente. Portanto,
pedimos que responda em espanhol às duas primeiras perguntas e, a
seguir, em italiano, porque muitos colegas entendem melhor.
(Maria Eugenia Jimenez – “Milenio”)
Santo Padre, no México existem milhares de desaparecidos, todavia o
caso dos 43 de Ayotzinapa, é um caso emblemático. Gostaria de pedir-lhe
porque não encontrou os seus familiares e também uma mensagem para os
familiares dos milhares de desaparecidos.
Papa Francisco: Se leres as mensagens, há referências continuas aos
assassinatos, às mortes, à vida tomada por todas estas gangues do
narcotráfico, dos traficantes de seres humanos. Ou seja, o problema é
apresentado. Falei das chagas que o México está a sofrer, não? Houve
tentativas de receber alguns. Eram tantos grupos, mesmo opostos entre
eles, com lutas internas. Portanto, prefiro dizer que na Missa se vêm
todos, na Missa de Juárez, se preferirem, ou em qualquer outra. Todavia,
teria tido esta disponibilidade. Era praticamente impossível receber
todos os grupos, que, de um lado, eram opostos entre eles.
É uma situação difícil de entender, para mim claramente que sou
estrangeiro, verdade? Mas creio que, também a sociedade mexicana seja
vítima de tudo isso: dos crimes, deste fazer desaparecer as pessoas, de
descartar as pessoas. Sobre isso eu falei. Sendo um discurso público,
podes constatar ali. É uma dor muito grande que trago, porque este povo
não merece um drama como este.
(Javier Solorzano – “Canal 11”)
Muito obrigado, Papa Francisco, muito obrigado. O tema da pedofilia,
como sabe, tem raízes muito perigosas no México, muito dolorosas. O caso
de padre Maciel deixou fortes sinais, sobretudo nestas vítimas. As
vítimas continuam a sentir-se não protegidas pela Igreja; muitos deles
continuam a ser homens de fé, e alguns até mesmo seguiram o sacerdócio.
Pergunto o que pensa deste tema, se em qualquer momento pensou em
encontrar as vítimas e, em geral, esta ideia que aos sacerdotes, quando
são descobertos por um caso desta natureza, sejam somente trocados de
paróquia e nada mais. Como vê este tema? E muito obrigado.
Papa Francisco: Bem, começo da segunda. Um bispo que troca um
sacerdote de paróquia quando se reconhece um caso de pedofilia, é um
inconsciente, e o melhor que pode fazer é apresentar a sua renúncia.
Claro? Segundo, voltando ao caso Maciel. E aqui, permito-me prestar
homenagem ao homem que lutou em momentos em que não tinha a força para
se impor, até que não conseguiu impor-se: Ratzinger. O cardeal Ratzinger
– um aplauso para ele! É um homem que teve toda a documentação. Quando
era Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, teve tudo nas suas
mãos, fez investigações, obteve, obteve, obteve... mas não pode guiar a
execução. Porém, se vocês recordarem, dez dias antes de morrer, São João
Paulo II – naquela Via-Sacra da Sexta-feira Santa – disse a toda a
Igreja que era preciso limpar as “porcarias” da Igreja, as imundícies. E
a Missa “Pro Eligendo Pontefice” – não é um bobo, sabia que era um
candidato – não usou máscaras e disse exatamente a mesma coisa. Ou seja,
foi o corajoso que ajudou tantos a abrir esta porta. Assim quero que
vocês recordem-lhe porque, às vezes, esquecemo-nos deste trabalho
escondido, daqueles que prepararam a estrada para desvelar esta página.
Terceiro, estamos a trabalhar bastante. Com o cardeal secretário de
Estado, estamos a conversar, e também com o grupo dos novos cardeais
conselheiros que, podem ouvir, decidiram nomear um terceiro secretário
adjunto à Doutrina da Fé, para que se ocupe somente destes casos. A
Congregação, de facto, não é suficiente com tudo aquilo que tem que ser
feito. Portanto, que saiba administrar isto. Além disso, foi constituída
a Corte de Apelação, presidida por mons. Scicluna, que se está a ocupar
dos casos em segunda instância, quando se recorrer. O primeiro recurso,
de facto, é feito pela “feria quarta” da Doutrina da Fé – líamos –
reúne-se na quarta-feira. Quando há o recurso, volta-se à primeira
instância e isto não é justo. Então, o segundo recurso, perfeitamente
legal, já com o advogado de defesa. Mas é preciso apurar porque temos
tantos atrasos nos casos, porque aparecem casos. Quarto, quanto a outro assunto sobre o qual se está a trabalhar muito bem é a Comissão para a
tutela dos menores. Não é rigorosamente fechada aos casos de pedofilia,
mas à tutela dos menores. Ali, reuni-me uma inteira manhã com seis
dos integrantes – dois alemães, dois irlandeses e dois ingleses: homens e
mulheres, abusados, vítimas, não, e reuni-me conta tantas vítimas...
onde foi? No Equador? (Em Filadélfia). Em Filadélfia, desculpem-me! Em
Filadélfia! Também lá, numa manhã, tive um encontro com as vítimas e sei
que se está a trabalhar. Mas eu agradeço a Deus que esta página tenha
sido revelada, e é preciso continuar a revelá-la, e tomar consciência.
E, por fim, quero dizer que é uma monstruosidade, porque um sacerdote é
consagrado para levar uma criança a Deus e lá se “aproveita” dela como
em num sacrifício diabólico, destruindo-a.
Bem, no que diz respeito a Maciel, voltando à Congregação, foi feito
uma intervenção, e hoje a Congregação, o governo da Congregação, fez uma
“semi-intevenção”. O Superior geral é eleito pelo Conselho, pelo
Capítulo Geral, mas o Vigário é eleito pelo Papa. Dois conselheiros
gerais são eleitos pelo Capítulo Geral e outros dois são eleitos pelo
Papa, de modo tal que se ajude a controlar a história precedente.
Papa Francisco: Quem não entendeu, peça a um espanhol que lhe explique o que eu disse...
(Phil Pulella, “Reuters”)
Boa noite, Santidade. Hoje falou com muita eloquência dos problemas
dos migrantes. Do outro lado da fronteira, todavia, existe uma campanha
eleitoral muito acirrada. Um dos candidatos à Casa Branca, o republicano
Donald Trump, numa entrevista recente disse que o senhor é um
homem político e inclusive disse que talvez o senhor seja também uma
peça de xadrez, um instrumento do governo mexicano para a política de
imigração... Ele declarou que, se eleito, quer construir 2,5 mil
quilómetros de cercas ao longo da fronteira, quer deportar 11 milhões de
imigrantes ilegais, separando assim famílias, etc. Então, queria
perguntar, antes de tudo, o que pensa sobre estas acusações contra o
senhor e se um católico estadunidense pode votar em uma pessoa assim.
Papa Francisco: Graças a Deus que disse que sou um político, porque
Aristóteles define a pessoa humana como “animal politicus”: ao menos sou
uma pessoa humana, eh? E que sou uma peça de xadrez, mas, talvez, não
sei... deixo isso ao seu juízo, ao juízo das pessoas. E, depois, uma
pessoa que pensa somente em levantar muros, seja onde seja, e não a
fazer pontes, não é cristã. Isso não está no Evangelho. Depois, aquilo
que me diz, o que aconselharia, votar ou não votar: não me envolvo.
Somente digo: este homem não é cristão, se diz isto assim. É preciso ver
se ele disse assim as coisas, não? E por isso dou o benefício da
dúvida.
(Jean-Louis de la Vaissière, “France Presse”)
O encontro com o Patriarca russo Kirill e a assinatura da Declaração
comum foi visto no mundo inteiro como um passo histórico. Mas agora,
hoje já, na Ucrânia os greco-católicos sentem-se traídos e falam de um
“documento político”, de apoio à política russa. Em campo, a guerra das
palavras acendeu-se novamente. Pensa poder ir a Moscou? Foi convidado
pelo Patriarca? Ou talvez ir a Creta para saudar o Concilio
pan-ortodoxo, na primavera?
Papa Francisco: Começo pelo final. Estarei presente, espiritualmente e
com uma mensagem – gostaria de saudá-los pessoalmente no Concílio
pan-ortodoxo: são irmãos; mas devo respeitar. Mas sei que eles querem
convidar observadores católicos: e isto é uma bela ponte. Mas por trás
dos observadores católicos estarei eu, rezando com os melhores augúrios
que os ortodoxos sigam adiante, adiante porque são irmãos e os seus
bispos são bispos como nós. Depois: Kirill. O meu irmão. Nos saudamos,
nos abraçamos e tivemos um colóquio de uma hora…
Padre Lombardi: … duas horas!
Papa Francisco: … duas horas! – mais de uma hora… a velhice não vem
sozinha, eh? Duas horas, nas quais falamos como irmãos, sinceramente e
ninguém sabe sobre o que se falou, somente aquilo que dissemos ao final,
publicamente, do que provamos no conversar. Terceiro: aquele artigo,
aquelas declarações na Ucrânia. Quando eu o li, fiquei um pouco
preocupado, porque era Svjatoslav Ševčuk que disse que o povo ucraniano,
ou alguns ucranianos ou tantos ucranianos, sentiram-se profundamente
desiludidos e traídos. Antes de tudo, conheço bem Svjatoslav: em Buenos
Aires, por quatro anos, trabalhamos juntos.
Quando ele foi eleito – aos 42 anos, eh? Um homem bom! – foi eleito
arcebispo maior, voltou a Buenos Aires para pegar nas suas coisas. Veio até
mim e deu-me de presente um ícone – pequeno assim – de Nossa Senhora da
Ternura e disse-me: “Esta acompanhou-me por toda a vida: quero deixa-la a si, a que me acompanhou nestes quatro anos”. É uma das poucas coisas que trouxe de Buenos Aires e que está na minha escrivaninha.
Ou seja, é um homem pelo qual tenho respeito e familiaridade,
tratamos-nos de “você”, e assim... Segundo: por isso pareceu-me um pouco
estranho. E recordei uma coisa que disse aqui, a vocês: para entender
uma notícia, uma declaração, é preciso procurar a hermenêutica de tudo.
Mas, quando disseste isso? Em uma declaração de 14 de fevereiro passado,
domingo: domingo passado.
Uma entrevista que fez, selecionada pelo padre… não me recordo, um
sacerdote ucraniano. Na Ucrânia, selecionada, e publicada. Aquela
notícia, a entrevista é de uma página, duas e um pouco a mais: mais ou
menos. Aquela notícia está no terceiro e último parágrafo, assim
pequeno.
Eu li a entrevista, e direi isto: Ševčuk é a parte dogmática, declara-se filho da Igreja, em comunhão com o Bispo de Roma, com a Igreja;
fala do Papa, da proximidade do Papa, e dele, da sua fé, não?, e da fé
também do povo ortodoxo: na parte dogmática, nenhuma dificuldade, é
ortodoxa no bom sentido da palavra, ou seja, Doutrina católica, não?
Depois, como em todas as entrevistas – esta, por exemplo – cada um
tem o direito de dizer as suas coisas, e isto não o fez sobre o
encontro, porque sobre o encontro, diz: “Mas, é uma coisa boa e devemos
seguir em frente”. Neste segundo capítulo, as ideias pessoais que tem
uma pessoa. Por exemplo, isto que eu disse sobre os bispos que
transferem os padres pedófilos, o melhor que podem fazer é demitir-se, é
uma coisa... não é dogmática, mas é aquilo que eu penso. E assim ele
tem as suas ideias pessoas que são para dialogar, e tem o direito de
haver.
Tudo aquilo que ele diz é sobre o documento: este é o problema. Sobre
o encontro... “mas, este é o Senhor, o Espírito que segue adiante, o
abraço...”: tudo vai bem. O Documento? É um documento discutível, e
também há um acréscimo: que a Ucrânia vive um momento de guerra, de
sofrimento, com tantas interpretações. Eu citei o povo ucraniano pedindo
orações e proximidade tantas vezes, seja no Angelus como nas Audiências
de quarta-feira. Mas o fato histórico de uma guerra vivida como... cada
um tem a sua ideia, como é esta guerra, quem a começou, como se faz, como
não se faz... É evidente que este é um problema histórico mas também um
problema pessoal, existencial daquele País e fala do sofrimento. E ali,
eu insiro neste parágrafo: se entende os fiéis, porque Svjatoslav diz:
“Tantos fiéis chamaram-me ou escreveram dizendo estarem profundamente
desiludidos e traídos por Roma”: entende-se que um povo naquela situação
sinta isso, não: Mas, o Documento é discutível sobre esta questão da
Ucrânia, mas lá se diz que se termine a guerra e que se caminhe a
acordos; eu, pessoalmente, defendi que os Acordos de Minsk prossigam, e
não se apague com o cotovelo aquilo que foi escrito com as mãos, eh? A
Igreja de Roma, o Papa sempre disse: “Procurem a paz”.
Recebi ambos os presidentes – paridade, não? E por isso, quando ele
diz que ouviu isso do seu povo, eu o entendo: o entendo. Mas não é “a”
notícia. “A notícia” é tudo. Se vocês lerem toda a entrevista, verão que
existem coisas dogmáticas sérias, que permanecem, há um desejo de
unidade, de ir adiante, ecumênico, ele é um homem ecumênico... Existem
algumas opiniões... Ele escreveu-me, quando soube da viagem, do
encontro, mas como um irmão, dando as suas opiniões de irmão... Não me
desagrada o Documento, assim; não me desagrada no sentido que devemos
respeitar as coisas, que cada um tem a liberdade de pensar e naquela
situação tão difícil. E de Roma... agora o núncio está na fronteira onde
se combate, ajudando os soldados, os feridos; a Igreja de Roma enviou
tantas ajudas, tantas ajudas lá; e sempre paz, acordos, respeite-se o
Acordo de Minsk... e assim. Este é o todo. Mas, não se assustem com
aquela frase: esta é uma lição, que uma notícia deve ser interpretada
com a hermenêutica do todo, não da parte.
(Jean-Louis de la Vaissière)
O Patriarca Kirill lhe convidou a ir a Moscou ?
Papa Francisco: O Patriarca Kirill… eu preferiria… porque se digo uma
coisa devo dizer uma outra e outra e outra: preferiria que aquilo sobre
o que falamos nós, sozinhos, seja somente aquilo que dissemos em
público. Este é um dado. E se digo isto, deverei dizer mais... não!
Aquilo que eu disse em público, aquilo que ele disse em público, isto é
aquilo que se pode dizer do colóquio privado. Do contrário, não seria
privado. Mas posso dizer: saí feliz. E ele também.
(Carlo Marroni, “Il Sole 24 Ore”)
Santo Padre, a minha pergunta é sobre a família, tema que o senhor
afrontou nesta viagem. No Parlamento italiano está em discussão a lei
sobre as uniões civis, tema que tem levado a fortes embates políticos,
mas também a um forte debate na sociedade e entre os católicos. Neste
particular, gostaria de saber qual o seu pensamento sobre o tema da adoção da
parte das uniões civis, e portanto, sobre os direitos das crianças e
dos filhos em geral... Obrigado.
Papa Francisco: Antes de tudo, não sei como estão as coisas no
Parlamento italiano... O Papa não se envolve na política italiana. Na
primeira reunião que tive com os bispos, em maio de 2013, uma das três
coisas que disse: “Com o governo italiano, se virem vocês”. Porque o
Papa é para todos, e não se pode meter na política concreta, interna de
um país: este é o papel do Papa, não? E aquilo que penso é aquilo que
pensa a Igreja e disse em tantas... porque este não é o primeiro país
que faz esta experiência: são tantos. Eu penso naquilo que a Igreja
sempre disse sobre...
(Paloma Garcia Ovejero, “Cope”)
Santo Padre, há algumas semanas que há muita preocupação em vários países
latino-americanos, mas também na Europa, sobre o vírus “Zika”. O risco
maior seria para as mulheres grávidas: há angustia. Algumas autoridades
propuseram o aborto, ou de se evitar a gravidez. Neste caso, a Igreja
pode levar em consideração o conceito de “entre os males, o menor”?
Papa Francisco: O aborto não é um “mal menor”. É um crime. É
descartar um para salvar o outro. É aquilo que a máfia faz, eh? É um
crime. É um mal absoluto. Sobre “mal menor”: mas, evitar a gravidez é –
falemos em termos de conflito entre o quinto e o sexto Mandamento. Paulo
VI, o Grande!, numa situação difícil, em África, permitiu às
religiosas usarem anticoncepcionais para os casos de violência. Não
confundir o mal de evitar a gravidez, sozinho, com o aborto. O aborto
não é um problema teológico: é um problema humano, é um problema médico.
Mata-se uma pessoa para salvar uma outra – nos melhores dos casos. Ou
por conforto, não? Vai contra o Juramento de Hipócrates que os médicos
devem fazer. É um mal em si mesmo, mas não é um mal religioso, ao
início: não, é um mal humano. Além disso, evidentemente, já que é um mal
humano – como todos assassinatos – é condenado. Ao invés, evitar a
gravidez não é um mal absoluto: e, em certos casos, como neste, como
naquele que mencionei do Beato Paulo VI, era claro. Ainda, eu exortaria
os médicos para que façam tudo para encontrar as vacinas contra estes
dois mosquitos que trazem este mal: sobre isto deve-se trabalhar.
Obrigado.
(Ludwig Ring-Eifel, “Kna”)
Santidade, dentro de poucas semanas, o senhor vai receber o Prêmio
Carlos Magno, um dos prêmios mais prestigiosos da Comunidade Europeia.
Também o seu predecessor, São João Paulo II, recebeu este prêmio: fazia
questão. E fazia questão também de promover a unidade europeia, que
agora parece um pouco aos pedaços, primeiro com a crise do euro e agora
com a crise dos refugiados: o senhor tem talvez uma palavra para nós,
nesta situação de crise europeia?
Papa Francisco: Primeiro, sobre o Prêmio Carlos Magno. Eu tinha o
hábito de não aceitar honorificências ou doutorados, desde sempre: não
por humildade, mas porque não gosto destas coisas. Um pouco de loucura é
bom ter, e não gosto. Mas neste caso, não digo “forçado”, mas
“convencido” com a santa e teológica teimosia do cardeal Kasper, que foi
eleito por Aachen (Alemanha) para me convencer. E eu disse: “Sim, mas
no Vaticano”. E... disse isso; e ofereço o prêmio para a Europa: que
seja uma condecoração, um prêmio para que a Europa possa fazer aquilo
que eu desejei em Estrasburgo: mais fácil, que não seja a “avó-Europa”,
mas a “mãe-Europa”. Segundo. Noutro dia, lendo as notícias sobre esta
crise e isto: eu leio pouco, folheio somente um jornal – não digo o nome
para não provocar ciumeiras, mas sabe-se... leio quinze minutos e
depois peço informações à Secretaria de Estado.
Uma palavra que me agradou, e me agradou – não sei quem a aprova,
quem não – “a refundação da União Europeia”. E pensei aos grandes pais,
eh? Mas, hoje, onde há um Schuman, um Adenauer? E estes frande, que no
pós-guerra “fundaram” a União Europeia… E eu gosto, desta ideia da
refundação: oxalá se se pudesse fazer! Porque a Europa, não diria que é
“única”, mas tem uma força, uma cultura, uma história que não pode ser
desperdiçada, e devemos fazer tudo para que a União Europeia tenha a
força e também a inspiração de fazer ir adiante. Não sei: é isso que eu
penso.
(Anne Thompson, “Nbc News”)
Santo Padre, o senhor falou muito de família e do Ano da
Misericórdia, nesta viagem. Alguns se perguntam, como uma Igreja que se
diz “misericordiosa” pode perdoar mais facilmente um assassino do que
quem se divorcia e casa novamente...?
Papa Francisco: Mas, gostei da pergunta! Sobre a família, falaram
dois Sínodos e o Papa falou durante todo o ano na catequese das
quartas-feiras. E a pergunta é verdadeira, agrada-me, porque você a fez
plasticamente bem, eh! No documento pós-sinodal que sairá – talvez antes
da Páscoa – retoma-se tudo aquilo que o Sínodo – num dos capítulos,
porque existem muitos – fala sobre os conflitos ou sobre famílias
feridas, e a pastoral das famílias feridas... É uma das preocupações.
Assim como outra é a preparação para o matrimónio. Pense você, que para se
tornar padre, são oito anos de estudo, de preparação, e depois, depois
de um certo tempo, não consegue mais, pede a dispensa e vai embora e
está tudo certo. Pelo contrário, para receber um Sacramento que é para
toda a vida, três quatro palestras... A preparação para o matrimónio é muito
importante: é muito, muito importante, porque acredito que seja uma
coisa que a Igreja, na pastoral comum – ao menos no meu país, na América
do Sul - não valorizou muito. Por exemplo – agora não tanto, mas há
alguns anos – na minha Pátria, havia o costume de... se chamava
“casamento em apuros”: casar rapidamente, porque vem um filho. E para
cobrir socialmente a honra da família.... Ali, não eram livres, e tantas
vezes estes matrimónios são nulos. E eu, como bispo, proibi os
sacerdotes de fazerem isto... Que nasça a criança, que continuem
namorados, e quando sentem que é para toda a vida, que sigam em frente.
Mas existe uma ausência do matrimónio. Depois, outro capítulo muito
interessante: a educação dos filhos. As vítimas dos problemas da família
são os filhos: os filhos. Mas também vítimas dos problemas da família
que nem marido nem a mulher querem: por exemplo, a necessidade de
trabalho. Quando o pai não tem tempo livre para falar com os filhos,
quando a mãe não tem tempo livre para falar com os filhos.... Quando eu
confesso um casal que tem filhos, um matrimónio, pergunto: “Quantos
filhos vocês tem?”. E alguns assustam-se dizendo: “Mas, o Padre quererá
perguntar-me porque não tenho mais...”. E eu direi: “Farço-lhe uma
segunda pergunta: você brinca com seus filhos?”, e a maioria – quase
todos! - dizem: “Mas, Padre, não tenho tempo: trabalho o dia todo”. E
os filhos são vítimas de um problema social que fere a família. É um
problema... gosto da sua pergunta. E uma terceira coisa interessante, no
encontro com as famílias em Morelia – não: foi em Morelia?” Não... em
Tuxtla, em Tuxtla – havia um casal de recasados em segunda-união,
integrantes da pastoral da Igreja... E a palavra-chave que usou o Sínodo
– e eu peguei-a – é “integrar na vida da Igreja as famílias feridas, as
famílias de recasados”, é tudo isto. Mas não esquecer as crianças no
centro, eh! São as primeira vítimas, quer pelas feridas quer pelas
condições de pobreza, de trabalho, de tudo isto.....
(Anne Thompson, “Nbc News”)
Significa que poderão comungar?
Papa Francisco: Esta é uma coisa....é a última. Integrar na Igreja
não significa “comungar”, porque eu conheço católicos recasados que vão à
igreja uma vez por ano, duas vezes: “Mas, eu quero comungar!”, como se a
comunhão fosse uma honorificência, não? Um trabalho de integração...
todas as portas estão abertas. Mas não se pode dizer, (...) “podem
comungar”. Isto seria uma ferida também aos matrimónios, ao casal,
porque não fará com que eles sigam por este caminho de integração. E
estes dois eram felizes! E usaram uma expressão muito bonita: “Nós não
fazemos a comunhão eucarística, mas fazemos comunhão na visita ao
hospital, nisto e naquilo....”. A integração deles permaneceu ali. Se há
alguma coisa a mais, o Senhor dirá a eles, mas.....é um caminho, é uma
estrada....”.
(Antone-Marie Izoard, “Imedia”)
Santidade, boa noite. Permita-me antes, um pouco na brincadeira, ao
dizer o quanto nós vaticanistas somos um pouco reféns da agenda do Santo
Padre, e não podemos brincar com os nossos filhos.... Sábado tem a
audiência jubilar, domingo tem o Angelus, e de segunda a sexta-feira
voa-se para trabalhar. Depois, um abraço ao Alberto que, com Padre
Lombardi, me fez entrar na Rádio Vaticano, há 20 anos – estamos em
família....
Papa Francisco: … ele foi muito bom …
(Antone-Marie Izoard)
Santidade: muitas mídias evocaram, de forma clamorosa, a “intensa
correspondência” entre João Paulo II e a filósofa estadunidense Anna
Tymieniecka, que nutria – diz-se – um grande afeto pelo Papa polonês. Na
sua opinião, um Papa pode ter uma relação tão íntima com uma mulher? E
depois, se me permite, o senhor tem alguma importante correspondência,
conhece – ou conheceu – este tipo de experiência.....
Papa Francisco: “Isto eu sabia, esta relação de amizade entre São
João Paulo II e esta filósofa, quando estava em Buenos Aires: uma coisa
que se sabia, também os livros dela são conhecidos, e João Paulo II era
um homem inquieto.... Depois, eu diria que um homem que não sabe ter uma
boa relação de amizade com uma mulher – não falo dos misóginos, eles
são doentes – falta a ele alguma coisa. E eu, por experiência própria,
também quando peço um conselho, peço a um colaborador, a um amigo, a um
homem, mas também gosto de ouvir o parecer de uma mulher: e te dão tanta
riqueza! Olham as coisas de um outro modo. Gosto de dizer que a mulher é
aquela que constrói a vida no ventre e tem – mas esta é uma comparação
que eu faço, não? – e tem este carisma de te dar coisas para construir.
Uma amizade com uma mulher não é pecado: uma amizade. Uma relação
amorosa com uma mulher que não seja tua mulher, é pecado. O Papa é um
homem, o Papa tem necessidade também do pensamento das mulheres. E
também o Papa tem um coração que pode ter uma amizade sadia, santa com
uma mulher. Existem santos amigos – Francisco, Clara, Teresa, João da
cruz....Não se assustem...Mas, as mulheres ainda são um pouco....não bem
consideradas, não totalmente....não entendemos o bem que uma mulher
pode fazer à vida do padre e da Igreja, no sentido de um conselho, da
ajuda, de uma amizade saudável. Obrigado!”
(Franca Giansoldati, “Il Messaggero”)
Boa noite, santidade. Eu volto para o tema da lei que está para ser
votada no Parlamento italiano: é uma lei que, no final das contas, diz
respeito também a outros Estados, porque outros Estados têm leis que
tratam da união entre pessoas do mesmo sexo. Existe um documento da
Congregação da Fé, de 2003, que dedica um amplo espaço a isto e também
dedica um capítulo ao comportamento que os parlamentares católicos devem
ter diante desta lei, e se diz expressamente que os parlamentares
católicos não devem votar esta lei. Visto que existe muita confusão
sobre isto, gostaria de pedir ao senhor, antes de tudo, se este
documento de 2003 ainda tem valor, e efetivamente qual o comportamento
que um parlamentar católico deve ter? E depois, uma outra coisa: depois
de Moscou, o Cairo: existe algum outro desgelo que se vislumbra no
horizonte? Isto é, refiro-me à audiência que o senhor deseja com o “Papa
dos sunitas” – podemos chamá-lo assim -, com o Imame de al-Azhar?
Papa Francisco: Sobre isto, foi Dom Ayuso ao Cairo, na semana
passada, para encontrar o segundo dos Imames e também saudar o Imame.
Dom Ayuso, é Secretário do Cardeal Tauran, do Pontifício Conselho para o
Diálogo Inter-religioso. Eu quero encontrá-lo, sei que ele gostaria, e
estamos buscando a melhor maneira: sempre através do Cardeal Tauran,
porque este é o caminho, não? Mas, conseguiremos. Sobre o primeiro tema:
eu não recordo bem este documento de 2003 da Congregação para a
Doutrina da Fé. Mas um parlamentar católico deve votar segundo a própria
consciência “bem formada”, porque não é a consciência aquilo que me
pareça... eu me recordo quando foi votado o matrimônio entre pessoas do
mesmo sexo em Buenos Aires, que houve ali um empate, e no final alguém
disse, aconselhou ao outro: “Mas, tens isto claro?” – “Não” – “Nem eu” –
“Então vamos embora” – “Se sairmos, não alcançarão o quórum”. E o outro
disse: “Mas se chegarmos ao quórum, damos o voto a Kirchner!”, e o
outro: “Mas, prefiro dá-lo a Kirchner e não a Bergoglio!”..... e em
frente... Esta não é uma consciência bem formada, eh! E em relação às
pessoas do mesmo sexo, repito aquilo que disse na viagem do Rio de
Janeiro e que está no catecismo da Igreja Católica”.
(Javier Martínez Brocal, “Rome Reports”)
Santo Padre, muito obrigado por esta viagem ao México: foi uma honra
acompanhá-lo e ter visto o que vimos (em espanhol). Passo ao italiano:
ainda não chegamos a Roma e já estamos a pensar nas futuras viagens, fazer as malas novamente. Santo Padre, quando irá à Argentina, onde
esperam pelo senhor há tanto tempo, e, quando retornará à América
Latina ou irá à China... Depois, durante esta viagem, o senhor falou
muitas vezes em “sonhar”: O que o senhor sonha?
E, sobretudo, qual é o seu pesadelo?
Papa Francisco: A China…. (riem) ir até lá: gostaria muito! Quero
dizer uma coisa, uma coisa certa sobre o povo mexicano. É um povo de uma
riqueza, de uma riqueza tão grande, é um povo que surpreende... Tem uma
cultura, uma cultura milenar... Vocês sabem que hoje, no México, são
faladas 65 línguas, contando os indígenas... 65! É um povo de uma grande
fé, também sofreu perseguições religiosas, existem mártires – agora vou
canonizar dois, ... dois ou três... É um povo ... não se pode explicar
simplesmente porque a palavra “povo” não é uma categoria lógica, é uma
categoria mítica. E o povo mexicano, não é possível explicá-lo, esta
riqueza, esta história, esta alegria, esta capacidade de festa e estas
tragédias das quais vocês perguntaram. Eu não posso dizer outra coisa,
que esta unidade, também que este povo tenha conseguido não fracassar,
não acabar com tantas guerras, e coisas que acontecem agora... Mas ali,
em Ciudad Juárez, havia um pacto de 12 horas de paz para a minha visita,
depois continuarão lutando entre eles, os traficantes... Mas um povo
que tem ainda esta vitalidade, somente pode ser explicado por Guadalupe.
E eu vos convido a estudar seriamente o “acontecimento Guadalupe”.
Nossa Senhora está lá. Eu não encontro outra explicação. E seria bonito
se vocês, como jornalistas, existem alguns bons livros que explicam,
também explicam a pintura, como é, o que significa... E assim se poderá
entender um pouco este povo tão grande, tão bonito”.
(Caroline Pigozzi do “Paris Match”)
Sim, Santo Padre, boa noite. Duas coisas. Gostaria de saber algo.
Gostaria de saber o que o senhor pediu à Guadalupe, porque permaneceu
muito tempo na igreja rezando para ela; depois, a segunda coisa, se o
senhor sonha em italiano ou espanhol?
Papa Francisco: “Sim, eu diria que sonho em esperanto...... (risos).
Não sei como responder a isto, realmente. Algumas vezes sim, recordo,
algum sonho noutra língua, mas sonhar em língua não, mas com figuras,
sim; eh, a minha psicologia é assim. Com palavras sonho pouco, não?
E a primeira era?
(Caroline Pigozzi )
A primeira pergunta, Santidade, o Senhor esteve muito tempo rezando para Nossa Senhora...
Papa Francisco: “Pedi pelo mundo, pela paz…mas, tantas coisas…. A
pobrezinha ficou com a cabeça assim.... Pedi perdão, pedi para que a
Igreja cresça saudável, pedi pelo povo mexicano....também, uma coisa que
pedi muito é que os padres sejam verdadeiros padres e as irmãs,
verdadeiras irmãs e os bispos, verdadeiros bispos: como o Senhor nos
quer. Isto pedi muito a ela, não? Mas depois, as coisas que um filho diz
à Mãe são um pouco secretas.....Obrigado, Carolina...”
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