(RV) «Agora vou celebrar a santa missa. Levo todos no meu
coração. Vou rezar para cada um de vós. Direi ao Senhor: “Tu conheces o nome
daqueles que estavam alí presentes. Pedirei a Jesus tanta misericórdia para
cada um de vós: que derrame sobre vós a sua misericordia, que cuide de vós. E à
Viregm Maria que esteja sempre ao vosso lado....E agora dou-vos a bênção, porém
não vou cobrar-vos nada, mas peço-vos que rezeis por mim. Prometeis rezar por
mim»? «Sim».
Palavras do Papa Francisco pronunciadas no Santuário da
Divina Misericórdia de Guayaquil, no Equador, repleto de fiéis e peregrinos
vindos de diversas partes do país e da América Latina para assitir a celebração
da Santa Missa presidida por Francisco.
Eis na íntegra a homelia pronunciada em línguia espanhola:
«A passagem do Evangelho que acabámos de ouvir é o
primeiro sinal portentoso que se realiza segundo a narrativa do Evangelho de
João. A preocupação de Maria, transformada em súplica a Jesus: «Não têm vinho!»
e a referência à «hora» compreender-se-ão nos relatos da Paixão.
É bom que assim seja, porque permite-nos ver a ânsia de
Jesus por ensinar, acompanhar, curar e alegrar a começar da súplica de sua Mãe:
«Não têm vinho!»
As bodas de Caná repetem-se em cada geração, em cada
família, em cada um de nós e nossas tentativas de fazer com que o nosso coração
consiga apoiar-se em amores duradouros, fecundos e felizes. Demos um lugar a
Maria, «a mãe», como diz o evangelista. Façamos com Ela o itinerário de Caná.
Maria está atenta naquelas bodas já iniciadas, é solícita
pelas necessidades dos esposos. Não Se fecha em Si mesma, não Se encerra no seu
mundo; o seu amor fá-La «ser para» os outros. E, por isso, Se dá conta da falta
de vinho. O vinho é sinal de alegria, de amor, de abundância. Quantos dos
nossos adolescentes e jovens percebem que, em suas casas, há muito que não
existe nenhum! Quantas mulheres, sozinhas e tristes, se interrogam quando foi
embora o amor, quando se diluiu da sua vida! Quantos idosos se sentem deixados
fora da festa das suas famílias, abandonados num canto e já sem beber do amor
diário. A falta de vinho pode ser efeito também da falta de trabalho, doenças,
situações problemáticas que as nossas famílias atravessam. Maria não é uma mãe
«reclamadora», não é uma sogra que espia para se consolar com as nossas
inexperiências, erros ou descuidos. Maria é simplesmente mãe! Permanece ao
nosso lado, atenta e solícita. Maria é Mãe!
Maria, porém, dirige-Se com confiança a Jesus, Maria reza.
Não vai ao chefe de mesa; apresenta a dificuldade dos esposos directamente a
seu Filho. A resposta que recebe parece desalentadora: «Que tem isso a ver
contigo e comigo? Ainda não chegou a minha hora» (v. 4). Mas, entretanto, já
deixou o problema nas mãos de Deus. A sua solicitude pelas necessidades dos
outros apressa a «hora» de Jesus. Parte desta hora, desde o presépio até à cruz
– Ela soube «transformar um curral de animais na casa de Jesus, com uns pobres
paninhos e uma montanha de ternura» (EG 286), e recebeu-nos como filhos quando
uma espada Lhe trespassava o coração –, Maria ensina-nos a deixar as nossas
famílias nas mãos de Deus; a rezar, acendendo a esperança que nos indica que as
nossas preocupações também preocupam a Deus.
Rezar sempre nos arranca do perímetro das nossas
preocupações, fazendo-nos transcender aquilo que nos magoa, agita ou falta a
nós mesmos para nos colocarmos na pele dos outros, calçarmos os seus sapatos. A
família é uma escola onde a oração também nos lembra que há um nós, que há um
próximo vizinho, patente: vive sob o mesmo tecto, compartilha a vida e está
necessitado.
Maria, finalmente, actua. As palavras «fazei o que Ele vos
disser» (v. 5), dirigidas aos serventes, são um convite dirigido também a nós
para nos colocarmos à disposição de Jesus, que veio para servir e não para ser
servido. O serviço é o critério do verdadeiro amor. E isto aprende-se
especialmente na família, onde nos tornamos servidores uns dos outros por amor.
Dentro da família, ninguém é descartado; nela, «aprende-se a pedir licença sem
servilismo, a dizer “obrigado” como expressão duma sentida avaliação das coisas
que recebemos, a dominar a agressividade ou a ganância, e a pedir desculpa
quando fazemos algo de mal. Estes pequenos gestos de sincera cortesia ajudam a
construir uma cultura da vida compartilhada e do respeito pelo que nos rodeia»
(LS 213). A família é o hospital mais próximo, a primeira escola das crianças,
o grupo de referência imprescindível para os jovens, o melhor asilo para os
idosos. A família constitui a grande «riqueza social», que outras instituições
não podem substituir, devendo ser ajudada e reforçada para não perder jamais o
justo sentido dos serviços que a sociedade presta aos cidadãos. Com efeito,
estes não são uma espécie de esmola, mas uma verdadeira «dívida social» para
com a instituição familiar, que tanto contribui para o bem comum de todos.
A família também forma uma pequena Igreja, uma «Igreja
doméstica» que, juntamente com a vida, canaliza a ternura e a misericórdia
divina. Na família, a fé mistura-se com o leite materno: experimentando o amor
dos pais, sente-se envolvido pelo amor de Deus.
E, na família, os milagres fazem-se com o que há, com o que
somos, com aquilo que a pessoa tem à mão. Muitas vezes não é o ideal, não é o
que sonhamos, nem o que «deveria ser». O vinho novo das bodas de Caná nasce das
talhas de purificação, isto é, do lugar onde todos tinham deixado o seu pecado.
«Onde abundou o pecado, superabundou a graça» (Rm 5, 20). Na família de cada um
de nós e na família comum que todos formamos, nada se descarta, nada é inútil.
Pouco antes de começar o Ano Jubilar da Misericórdia, a Igreja vai celebrar o
Sínodo Ordinário dedicado às famílias, para amadurecer um verdadeiro
discernimento espiritual e encontrar soluções concretas para as inúmeras
dificuldades e importantes desafios que a família deve enfrentar nos nossos
dias. Convido-vos a intensificar a vossa oração por esta intenção: para que,
mesmo aquilo que nos pareça impuro, nos escandalize ou espante, Deus –
fazendo-o passar pela sua «hora» - possa milagrosamente transformá-lo. A
família tem hoje tanta necessidade deste milagre.
Tudo começou porque «não tinham vinho» e tudo se pôde fazer
porque uma mulher – a Virgem Maria – esteve atenta, soube pôr nas mãos de Deus
as suas preocupações e agiu com sensatez e coragem. Mas, não é menos
significativo o dado final: saborearam o melhor dos vinhos. E esta é a boa
nova: o melhor dos vinhos ainda não foi bebido, o mais gracioso, profundo e
belo para a família ainda não chegou. Ainda não veio o tempo em que saboreamos
o amor diário, onde os nossos filhos redescobrem o espaço que partilhamos, e os
mais velhos estão presentes na alegria de cada dia. O melhor dos vinhos ainda
não veio para cada pessoa que aposta no amor. E ainda não veio, mesmo que todas
as variáveis e estatísticas digam o contrário; o melhor vinho ainda não chegou
para aqueles que hoje vêem desmoronar-se tudo. Murmurai até acreditá-lo: o
melhor vinho ainda não veio; e sussurrai-o aos desesperados ou que desistiram
do amor. Deus sempre Se aproxima das periferias de quantos ficaram sem vinho,
daqueles que só têm desânimos para beber; Jesus sente-Se inclinado a
desperdiçar o melhor dos vinhos com aqueles que, por uma razão ou outra, sentem
que já se lhes romperam todas as talhas.
Como Maria nos convida, façamos «o que Ele nos disser» e
agradeçamos por, neste nosso tempo e nossa hora, o vinho novo, o melhor, nos
fazer recuperar a alegria de ser família.
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