Depois de visitar a comunidade paraguaia de Bañado Norte, no último dia
de sua 9ª viagem apostólica internacional à América Latina, o Papa
Francisco presidiu a celebração eucarística no Parque Ñu Guazú, em
Assunção.
Texto integral
Assunção (RV) - «O
Senhor dar-nos-á chuva e dará fruto a nossa terra»: assim diz o Salmo.
Com isto, somos convidados a celebrar a misteriosa comunhão entre Deus e
o seu Povo, entre Deus e nós. A chuva é sinal da sua presença, na terra
trabalhada pelas nossas mãos. Uma comunhão que sempre dá fruto, que
sempre dá vida. Esta confiança brota da fé, de saber que contamos com a
sua graça que sempre transformará e regará a nossa terra.
Uma confiança que se aprende, que se educa. Uma confiança que se vai
gerando no seio duma comunidade, na vida duma família. Uma confiança que
se transforma em testemunho no rosto de tantos que nos encorajam a
seguir Jesus, a ser discípulos d’Aquele que nunca desilude. O discípulo
sente-se convidado a confiar, sente-se convidado por Jesus a ser amigo, a
compartilhar a sua sorte, a partilhar a sua vida. «A vós, não vos chamo
servos, chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que sabia do
meu Pai». Os discípulos são aqueles que aprendem a viver na confiança
da amizade.
O Evangelho fala-nos deste discipulado. Apresenta-nos a cédula de
identidade do cristão; a sua carta de apresentação, a sua credencial.
Jesus chama os seus discípulos e envia-os, dando-lhes regras claras e
precisas. Desafia-os a um conjunto de atitudes, comportamentos que devem
ter.
Sucede, e não raras vezes, que nos poderão parecer atitudes
exageradas ou absurdas; seria mais fácil lê-las simbolica ou
«espiritualmente». Mas Jesus é muito preciso, muito claro. Não lhes diz:
fazei de conta, ou fazei o que puderdes.
Recordemo-las juntos: «Não leveis nada para o caminho, a não ser um
cajado; nem pão, nem alforje, nem dinheiro (…) Permanecei na casa onde
vos derem alojamento». Parece uma coisa impossível.
Poderíamos concentrar-nos em palavras como «pão», «dinheiro»,
«alforje», «cajado», sandálias», «túnica». E seria lícito. Mas parece-me
que há aqui uma palavra-chave, que poderia passar despercebida. Uma
palavra central na espiritualidade cristã, na experiência do
discipulado: hospitalidade. Como bom mestre, Jesus envia-os a viver a
hospitalidade. Diz-lhes: «Permanecei na casa onde vos derem alojamento».
Envia-os a aprender uma das características fundamentais da comunidade
crente. Poderíamos dizer que é cristão aquele que aprendeu a hospedar, a
alojar.
Jesus não os envia como poderosos, como proprietários, chefes,
carregados de leis, normas. Ao contrário, mostra-lhes que o caminho do
cristão é transformar o coração. Aprender a viver de forma diferente,
com outra lei, sob outra norma. É passar da lógica do egoísmo, do
fechamento, da luta, da divisão, da superioridade para a lógica da vida,
da gratuidade, do amor. Passar da lógica do dominar, esmagar, manipular
para a lógica do acolher, receber, cuidar.
São duas as lógicas que estão em jogo, duas maneiras de enfrentar a vida, a missão.
Quantas vezes concebemos a missão com base em projectos ou programas.
Quantas vezes idealizamos a evangelização, pondo de pé milhares de
estratégias, tácticas, manobras, truques, procurando que as pessoas se
convertam com base nos nossos argumentos. Hoje o Senhor diz-nos muito
claramente: na lógica do Evangelho, não se convence com os argumentos,
as estratégias, as tácticas, mas aprendendo a alojar.
A Igreja é uma mãe de coração aberto que sabe acolher, receber,
especialmente a quem precisa de maior cuidado, que está em maior
dificuldade. A Igreja é a casa da hospitalidade. Quanto bem se pode
fazer, se nos animarmos a aprender a linguagem da hospitalidade, do
acolher! Quantas feridas, quanto desespero se pode curar numa casa onde
alguém se sente bem-vindo!
Praticar hospitalidade com o faminto, o sedento, o forasteiro, o nu, o
enfermo, o encarcerado (cf. Mt 25, 34-37), com o leproso, o paralítico.
Hospitalidade com aquele que não pensa como nós, com a pessoa que não
têm fé ou a perdeu. Hospitalidade com o perseguido, o desempregado.
Hospitalidade com as culturas diferentes, de que esta terra é tão rica.
Hospitalidade com o pecador.
Muitas vezes esquecemo-nos de que há um mal que precede os nossos
pecados. Há uma raiz que causa muito, muito dano, que destrói
silenciosamente tantas vidas. Há um mal que, pouco a pouco, vai fazendo
ninho no nosso coração e «corroendo» a nossa vitalidade: a solidão.
Solidão que pode ter muitas causas, muitos motivos. Como destrói a vida e
nos faz tão mal! Vai-nos afastando dos outros, de Deus, da comunidade.
Vai-nos encerrando em nós mesmos. Por isso, o que é próprio da Igreja,
desta mãe, não é principalmente gerir coisas, projectos, mas aprender a
viver a fraternidade com os outros. A fraternidade acolhedora é o melhor
testemunho de que Deus é Pai, porque «é por isto que todos conhecerão
que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 35).
Desta maneira, Jesus abre-nos a uma lógica nova; a um horizonte cheio de vida, beleza, verdade, plenitude.
Deus nunca fecha os horizontes, Deus nunca é passivo face à vida e ao
sofrimento dos seus filhos. Deus nunca Se deixa vencer em generosidade.
Foi para isto que nos enviou seu Filho, no-Lo oferece, entrega,
compartilha: para aprendermos o caminho da fraternidade, do dom. Em
definitivo, é um novo horizonte, uma nova Palavra para tantas situações
de exclusão, desagregação, confinamento, isolamento. É uma Palavra que
quebra o silêncio da solidão.
E quando estivermos cansados ou se tornar pesada a evangelização, é bom
recordar que a vida proposta por Jesus corresponde às necessidades mais
profundas das pessoas, porque todos fomos criados para a amizade com
Jesus e o amor fraterno (EG 265).
Uma coisa é certa! Não podemos obrigar ninguém a receber-nos, a
hospedar-nos; isto é certo e faz parte da nossa pobreza e da nossa
liberdade. Mas é certo também que ninguém nos pode obrigar a não sermos
acolhedores, hospedeiros da vida do nosso Povo. Ninguém nos pode pedir
que não recebamos e abracemos a vida dos nossos irmãos, especialmente
dos que perderam a esperança e o gosto pela vida. Como é belo imaginar
as nossas paróquias, comunidades, capelas, lugares onde estão os
cristãos como verdadeiros centros de encontro tanto entre nós como com
Deus.
A Igreja é mãe, como Maria. N’Ela, temos um modelo. Alojar como Maria,
que não dominou nem Se apoderou da Palavra de Deus; pelo contrário,
hospedou-A, gerou-A e entregou-A.
Alojar como a terra que não domina a semente, mas que a recebe, nutre e faz germinar.
Assim queremos ser nós, os cristãos, assim queremos viver a fé neste
solo paraguaio: como Maria, alojando a vida de Deus em nossos irmãos com
a confiança, com a certeza de que «o Senhor nos dará chuva e dará fruto
a nossa terra».
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