Capela Redemptoris Mater, no Vaticano
(ANSA)
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“Que a vossa caridade não seja fingida", foi o tema da II Pregação da Quaresma do padre Raniero Cantalamessa O.F.M. ao Papa Francisco e à Cúria Romana.
Cidade do Vaticano
“Que a vossa caridade não seja fingida", foi o tema da II Pregação da Quaresma do padre Raniero Cantalamessa O.F.M. ao Papa Francisco e à Cúria Romana.
Cidade do Vaticano
Tradução de Thácio Siqueira:
Segunda Pregação de Quaresma 2018
“QUE VOSSA CARIDADE NÃO SEJA FINGIDA”
O amor cristão
1. Indo às fontes da santidade cristã
Juntamente com a chamamento universal à santidade, o Concílio Vaticano II também deu indicações precisas sobre o que se entende por santidade, no que consiste. Na Lumen gentium se lê:
1. Indo às fontes da santidade cristã
Juntamente com a chamamento universal à santidade, o Concílio Vaticano II também deu indicações precisas sobre o que se entende por santidade, no que consiste. Na Lumen gentium se lê:
" Jesus, mestre e modelo divino de toda a perfeição, pregou a
santidade da vida, de que Ele é autor e consumador, a todos e a cada um
dos seus discípulos, de qualquer condição: «sede perfeitos como vosso
Pai celeste é perfeito» (Mt. 5,48) (121). A todos enviou o Espírito
Santo, que os move interiormente a amarem a Deus com todo o coração, com
toda a alma, com todo o espírito e com todas as forças (cfr. Mc. 12,30)
e a amarem-se uns aos outros como Cristo os amou (cfr. Jo. 13,34;
15,12). Os seguidores de Cristo, chamados por Deus e justificados no
Senhor Jesus, não por merecimento próprio mas pela vontade e graça de
Deus, são feitos, pelo Batismo da fé, verdadeiramente filhos e
participantes da natureza divina e, por conseguinte, realmente santos. É
necessário, portanto, que, com o auxílio divino, conservem e
aperfeiçoem, vivendo-a, esta santidade que receberam."(LG 40).
Tudo isto está resumido na fórmula: "a santidade é a união perfeita
com Cristo" (LG, 50). Esta visão reflete a preocupação geral do Concílio
de voltar às fontes bíblicas e patrísticas, superando, também neste
campo, a postura escolástica dominante durante séculos. Agora é uma
questão de tomar consciência dessa renovada visão de santidade e fazê-la
passar na prática da Igreja, isto é, na pregação, na catequese, na
formação espiritual dos candidatos ao sacerdócio e à vida religiosa e -
por que não? - também na visão teológica que inspira a prática da
Congregação dos Santos[1].
Uma das principais diferenças entre a visão bíblica da santidade e a
da escolástica reside no facto de que as virtudes não se fundamentam
tanto na "reta razão" (a recta ratio aristotélica), mas no
Querigma; ser santo não significa seguir a razão (muitas vezes, é o
contrário!), mas seguir a Cristo. A santidade cristã é essencialmente
cristológica: consiste na imitação de Cristo e, no seu cume - como diz o
Concílio - na "perfeita união com Cristo".
A síntese bíblica mais completa e mais compacta de uma santidade
fundada no Querigma é aquela descrita por São Paulo na parte parenética
da Carta aos Romanos (capítulos 12-15). No início, o Apóstolo dá uma
visão resumida do caminho de santificação do crente, do seu conteúdo
essencial e do seu propósito:
"Eu vos exorto, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a
oferecerdes os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: é
este o vosso culto espiritual. Não vos conformeis com este mundo, mas
transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais
discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o
que é perfeito" (Rm 12,1-2).
Na última pregação, nós meditamos nestes versículos. Nas próximas
meditações, partindo do que se segue no texto paulino e completando-o
com o que o Apóstolo diz noutro lugar sobre o mesmo argumento,
tentaremos destacar os traços salientes da santidade, aqueles que hoje
são chamados de "virtudes cristãs" e que o Novo Testamento define como
os "frutos do Espírito", as "obras da luz", ou também "os sentimentos
que estavam em Cristo Jesus" (Fl 2, 5).
A partir do capítulo 12 da Carta aos Romanos, todas as principais
virtudes cristãs, ou frutos do Espírito, estão listadas: o serviço, a
caridade, a humildade, a obediência, a pureza. Não como virtudes a serem
cultivadas por si mesmo, mas como necessárias consequências da obra de
Cristo e do batismo. A seção começa com uma conjunção que por si só vale
um tratado: “Vos exorto, portanto...”. Aquele "portanto" significa que
tudo o que o Apóstolo dirá daquele momento em diante é a consequência do
que escreveu nos capítulos precedentes sobre a fé em Cristo e sobre a
obra do Espírito. Refletiremos sobre quatro destas virtudes: caridade,
humildade, obediência e pureza, começando com a primeira.
2. Um amor sincero
O Ágape, ou caridade cristã, não é uma das virtudes, nem sequer a primeira; é a forma de todas as virtudes, da qual "dependem todas as leis e os profetas" (Mt 22, 40; Rom 13,10). Entre os frutos do Espírito que o Apóstolo apresenta em Gálatas 5, 22, em primeiro lugar, encontramos o amor: "O fruto do Espírito é amor, alegria, paz...". E é com isso que, de forma coerente, também começa a parénese sobre as virtudes na Carta aos Romanos. Todo o capítulo doze é uma sucessão de exortações à caridade:
2. Um amor sincero
O Ágape, ou caridade cristã, não é uma das virtudes, nem sequer a primeira; é a forma de todas as virtudes, da qual "dependem todas as leis e os profetas" (Mt 22, 40; Rom 13,10). Entre os frutos do Espírito que o Apóstolo apresenta em Gálatas 5, 22, em primeiro lugar, encontramos o amor: "O fruto do Espírito é amor, alegria, paz...". E é com isso que, de forma coerente, também começa a parénese sobre as virtudes na Carta aos Romanos. Todo o capítulo doze é uma sucessão de exortações à caridade:
"Que a vossa caridade não seja fingida [...]; amai-vos mutuamente com
afeição terna e fraternal. Adiantai-vos em honrar uns aos outros..." (Rm
12, 9 ss).
Para entender a alma que unifica todas estas recomendações, a ideia
básica, ou melhor, o "sentimento" que Paulo tem da caridade deve começar
daquela palavra inicial: "Que a vossa caridade não seja fingida!” Esta
não é uma das muitas exortações, mas a matriz a partir da qual derivam
todas as demais. Contém o segredo da caridade.
O termo original usado por São Paulo e que é traduzido como "sem fingimentos", é anhypòkritos,
isto é, sem hipocrisia. Esta palavra é uma espécie de lâmpada-piloto;
na verdade, é um termo raro que encontramos empregado, no Novo
Testamento, quase que exclusivamente para definir o amor cristão. A
expressão "amor sincero" (anhypòkritos) retorna novamente em 2
Cor 6, 6 e 1 Pd 1, 22. Este último texto permite compreender, com toda a
certeza, o significado do termo em questão, porque o explica com uma
perífrase; o amor sincero – diz – consiste em se amar intensamente “com
coração verdadeiro”.
São Paulo, então, com aquela simples afirmação: "a caridade seja sem
fingimento!", leva o discurso à própria raiz da caridade, ao coração. O
que se requer do amor é que seja verdadeiro, autêntico, não fingido.
Também nisso o Apóstolo é o eco fiel do pensamento de Jesus; ele, de
facto, tinha indicado, repetidamente e com força, o coração, como o
"lugar" no qual se decide o valor do que o homem faz" (Mt 15, 19).
Podemos falar de uma intuição paulina em relação à caridade; consiste
em revelar, por trás do universo visível e externo da caridade, feito
de obras e de palavras, outro universo todo interior, que é, em relação
ao primeiro, o que é a alma para o corpo. Reencontramos essa intuição no
outro grande texto sobre a caridade, que é 1 Cor 13. O que São Paulo
diz ali, observando bem, refere-se inteiramente a esta caridade
interior, às disposições e sentimentos de caridade: a caridade é
paciente, é benigna, não é invejosa, não se irrita, tudo desculpa, tudo
crê, tudo espera... Nada que diga respeito, por si e diretamente, ao fazer o bem, ou as obras da caridade, mas tudo é reconduzido à raiz do querer bem. A benevolência vem antes da beneficência.
É o próprio Apóstolo que faz explícita a diferença entre as duas
esferas da caridade, dizendo que o maior ato de caridade externa
(distribuir aos pobres todas as próprias coisas) não beneficiaria em
nada, sem a caridade interior (cf. 1 Cor 13,3). Seria o oposto da
caridade "sincera". A caridade hipócrita, de facto, é precisamente aquela
que faz o bem, sem querer bem, que mostra externamente uma coisa que
não encontra uma correspondência no coração. Neste caso, há uma
aparência de caridade, que pode, no máximo, esconder egoísmo, a busca de
si mesmo, instrumentalização do irmão, ou também simplesmente o remorso
de consciência.
Seria um erro fatal contrapor a caridade do coração à caridade dos
factos, ou refugiar-se na caridade interior, para encontrar nela uma
espécie de álibi perante a falta de caridade factual. Sabemos com que
vigor a palavra de Jesus (Mt 25), de São Tiago (2, 16 s) e de São João
(1 Jo 3, 18) encorajam à caridade dos factos. Sabemos a importância que
São Paulo deu às coletas a favor dos pobres de Jerusalém.
Além disso, dizer que, sem a caridade, "não ganho nada” inclusive
dando tudo aos pobres, não significa dizer que tal atitude não sirva
para ninguém e que seja inútil; significa, pelo contrário, dizer que não
serve “para mim”, enquanto que pode servir para o pobre que a recebe.
Não se trata, portanto, de atenuar a importância das obras de caridade,
mas de garantir-lhes um fundamento seguro contra o egoísmo e os seus
infinitos truques. São Paulo quer que os cristãos estejam “enraizados e
fundamentados na caridade” (Ef 3, 17), ou seja, que a caridade seja a
raiz e o fundamento de tudo.
Quando amamos "de coração", é o próprio amor de Deus "derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo" (Rm 5, 5) que passa por nós. A ação
humana é verdadeiramente deificada. Tornar-se "participantes da natureza divina" (2 Pd 1, 4) significa, de facto, tornar-se participantes da ação divina, da ação divina de amar, dado que Deus é amor!
Nós amamos os homens não só porque Deus os ama, ou porque Ele quer
que os amemos, mas porque, ao dar-nos o seu Espírito, Ele colocou nos nossos corações o próprio amor por eles. Isto explica a razão por que o
apóstolo afirma imediatamente depois: "A ninguém fiqueis a dever coisa
alguma, a não ser o amor recíproco; porque aquele que ama o seu próximo
cumpriu toda a lei." (Rm 13, 8).
Por que perguntamos, uma "dívida"? Porque recebemos uma medida
infinita de amor para ser distribuído, a seu tempo, entre os irmãos (cf
Lc 12, 42, Mt 24, 45 s.). Se não o fizermos, retiramos do irmão algo que
lhe é devido. O irmão que aparece à sua porta, talvez peça algo que não lhe podes dar; mas se não podes dar-lhe o que ele pede,
presta atenção para não mandá-lo embora sem aquilo que lhe é devido, ou
seja, o amor.
3. Caridade com os de fora
Depois de nos ter explicado o que é a verdadeira caridade cristã, o Apóstolo, na sequência da sua parénese, mostra como esse "amor sincero" deve ser traduzido na ação nas situações de vida da comunidade. O Apóstolo destaca duas situações: a primeira diz respeito às relações ad extra da comunidade, ou seja, com os de fora; a segunda, as relações ad intra, entre os membros da própria comunidade. Vamos ouvir algumas das suas recomendações referentes à primeira relação, aquela com o mundo exterior:
3. Caridade com os de fora
Depois de nos ter explicado o que é a verdadeira caridade cristã, o Apóstolo, na sequência da sua parénese, mostra como esse "amor sincero" deve ser traduzido na ação nas situações de vida da comunidade. O Apóstolo destaca duas situações: a primeira diz respeito às relações ad extra da comunidade, ou seja, com os de fora; a segunda, as relações ad intra, entre os membros da própria comunidade. Vamos ouvir algumas das suas recomendações referentes à primeira relação, aquela com o mundo exterior:
"Abençoai os que vos perseguem; abençoai-os, e não os praguejeis
[...] Aplicai-vos a fazer o bem diante de todos os homens. Se for
possível, quanto depender de vós, vivei em paz com todos os homens. Não
vos vingueis uns aos outros, caríssimos, mas deixai agir a ira de Deus
[...] Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede,
dá-lhe de beber [...]Não te deixes vencer pelo mal, mas triunfa do mal
com o bem." (Rm 12, 17-21).
Nunca antes, como neste ponto, a moral do evangelho parece original e
diferente de qualquer outro modelo ético, e nunca a parénese apostólica
parece mais fiel e em continuidade com a do Evangelho. O que torna tudo
isto particularmente atual para nós é a situação e o contexto em que
esta exortação é dirigida aos que crêem. A comunidade cristã de Roma é
um corpo estranho num organismo que - na medida em que toma
consciência da sua presença - rejeita-o. É uma pequena ilha no mar
hostil da sociedade pagã. Em circunstâncias como esta, sabemos quão
forte é a tentação de se fechar, desenvolvendo o sentimento elitista e
sombrio de uma minoria de salvos num mundo de perdidos. Com este
sentimento vivia, naquele mesmo momento histórico, a comunidade essênia
de Qumran.
A situação da comunidade de Roma descrita por Paulo representa, em
miniatura, a situação atual de toda a Igreja. Não falo das perseguições e
do martírio ao qual os nossos irmãos de fé são expostos em muitas partes
do mundo; falo da hostilidade, da recusa e muitas vezes do profundo
desprezo com que não só os cristãos, mas todos os crentes em Deus são
vistos em vastos estratos da sociedade, geralmente os mais influentes e
que determinam o sentimento comum. Eles são considerados precisamente
como corpos estranhos numa sociedade evoluída e emancipada.
A exortação de Paulo não nos permite perder um único momento em
recriminações acrimoniosas e em polémicas estéreis. Naturalmente, não se
exclui o facto de dar razão da esperança que está em nós "com gentileza e
respeito", como recomendava São Pedro (1 Pd 3, 15-16). É uma questão de
entender qual atitude do coração deve ser cultivada com relação a uma
humanidade que, como um todo, rejeita Cristo e vive nas trevas e não na
luz (cf. Jo 3,19). Tal atitude é aquela de uma profunda compaixão e
tristeza espiritual, de amá-los e sofrer por eles; carregar os us fardos
perante Deus, como Jesus carregou os nossos perante o Pai, e não
deixar de parar de chorar e orar pelo mundo. Este é um dos mais belos
traços da santidade de alguns monges ortodoxos. Penso em São Silvano do
Monte Athos. Ele dizia:
"Há homens que desejam aos seus inimigos e aos inimigos da Igreja a
ruína e os tormentos do fogo da condenação. Eles pensam assim porque não
foram instruídos pelo Espírito Santo no amor de Deus. Aquele que, pelo
contrário, realmente aprendeu a derrama lágrimas por todo o mundo. Dizes: ‘É mau e deve queimar no fogo do inferno’. Mas, eu pergunto:
‘Se Deus te desse um lindo lugar no paraíso e de lá visses
queimar nas chamas aquele a quem desejaste tal fim, possivelmente, nem
então, sentirias compaixão por ele, quem quer que ele tivesse sido,
mesmo se inimigo da Igreja[2]”
Na época deste santo monge, os inimigos eram principalmente os
bolcheviques que perseguiam a Igreja da sua amada pátria, a Rússia.
Hoje, a frente alargou-se e não existe "cortina de ferro" a este
respeito. Na medida em que um cristão descobre a infinita beleza, o amor
e a humildade de Cristo, não pode deixar de sentir uma profunda
compaixão e sofrimento por aqueles que voluntariamente se privam do
maior bem da vida. O amor torna-se mais forte nele do que qualquer
ressentimento. Numa situação semelhante, Paulo diz que está disposto a
ser ele mesmo "anátema, separado de Cristo", se isso pudesse servir
para ser aceito por aqueles do seu povo que permaneceram fora (Rm 9, 3).
4. A caridade ad intra
O segundo grande campo de exercício da caridade é, izia-se, as relações dentro da comunidade. Na prática: como gerenciar os conflitos de opiniões que emergem entre os eus vários componentes. Sobre este tema, o Apóstolo dedica todo o capítulo 14 da Carta.
4. A caridade ad intra
O segundo grande campo de exercício da caridade é, izia-se, as relações dentro da comunidade. Na prática: como gerenciar os conflitos de opiniões que emergem entre os eus vários componentes. Sobre este tema, o Apóstolo dedica todo o capítulo 14 da Carta.
O conflito que ocorria então na comunidade romana era entre aqueles
que o Apóstolo chama de "os fracos" e aqueles que chama de "os fortes",
entre os quais ele se coloca ("Nós, que somos os fortes ...") (Rm 15,1).
Os primeiros eram aqueles que se sentiam moralmente obrigados a
observar determinadas prescrições herdadas da lei ou de crenças pagãs
anteriores, como não comer carne (com suspeita de que tinha sido
sacrificada aos ídolos) e o distinguir os dias em felizes e infelizes.
Os segundos, os fortes, eram aqueles que, em nome da liberdade cristã,
tinham superado estes tabus e não distinguiam comida de comida ou dia de
dia. A conclusão do discurso (cf. Rm 15, 7-12) deixa claro que, no
fundo, há o usual problema da relação entre os crentes provenientes do
judaísmo e os crentes provenientes dos gentios.
As exigências da caridade que o Apóstolo inculca neste caso interessam-nos no mais alto grau porque são as mesmas que se impõem em cada
tipo de conflito intereclesial, inclusive aqueles que vivemos hoje,
tanto a nível de Igreja universal quanto na comunidade em que cada um
mora.
Os critérios que o Apóstolo sugere são três. O primeiro é seguir a
própria consciência. Se alguém está convencido de cometer pecado fazendo
certa coisa, não deve fazê-la. “Tudo isto, de facto, não vem da
consciência - escreve o Apóstolo - é pecado" (Rm 14, 23). O segundo
critério é respeitar a consciência dos outros e abster-se de julgar o
irmão:
“Por que julgas, então, o teu irmão? Ou por que desprezas o teu
irmão? [...]"Deixemos, pois, de nos julgar uns aos outros; antes, cuidai
em não pôr um tropeço diante do vosso irmão ou dar-lhe ocasião de
queda." (Rm 14, 10.13).
O terceiro critério diz respeito principalmente aos "fortes" e é de evitar o escândalo:
"Sei, estou convencido no Senhor Jesus de que nenhuma coisa é impura
em si mesma; somente o é para quem a considera impura. Ora, se por uma
questão de comida entristeces o teu irmão, já não vives segundo a
caridade. Pela comida não causes a perdição daquele por quem Cristo
morreu! [...] Portanto, apliquemo-nos ao que contribui para a paz e para
a mútua edificação." (Rm 14, 14-19).
Todos estes critérios são, no entanto, particulares e relativos, em
comparação com outro que, pelo contrário, é universal e absoluto, o do
senhorio de Cristo. Ouçamos como o Apóstolo o formula:
"Quem distingue o dia, age assim pelo Senhor. Quem come de tudo, o
faz pelo Senhor, porque dá graças a Deus. E quem não come, abstém-se
pelo Senhor, e igualmente dá graças a Deus. Nenhum de nós vive para si, e
ninguém morre para si. Se vivemos, vivemos para o Senhor; se morremos,
morremos para o Senhor. Quer vivamos quer morramos, pertencemos ao
Senhor. Para isto é que morreu Cristo e retomou a vida, para ser o
Senhor tanto dos mortos como dos vivos." (Rm 14, 6-9).
Cada um é convidado a examinar-se a si mesmo para ver o que há no
fundo da própria escolha: se há o senhorio de Cristo, a sua glória, o
seu interesse, ou não, pelo contrário, mais ou menos dissimuladamente, a
própria afirmação, o próprio “eu” e o próprio poder; se a sua escolha é
de natureza verdadeiramente espiritual e evangélica, ou se não depende
pelo contrário da própria inclinação psicológica, ou, pior, da própria
opção política. Isso vale num e no outro sentido, ou seja, tanto para
os assim chamados fortes quanto para os a chamados fracos; portanto,
diremos nós hoje, para aqueles que estão do lado da liberdade e da
novidade do Espírito, quanto para aqueles que estão do lado da
continuidade e da tradição.
Há uma coisa que deve ser levada em consideração para não ver, na
atitude de Paulo sobre este assunto, uma certa inconsistência em relação
ao seu ensino anterior. Na Carta aos Gálatas, ele parece muito menos
disposto ao compromisso e negociações, por vezes, encolerizado. (Se ele
tivesse que se submeter ao processo de canonização hoje, Paulo,
dificilmente, se tornaria santo: teria sido difícil demonstrar a
"heroicidade" da sua paciência! Ele às vezes "explode", mas podia dizer:
"Não sou mais eu quem vivo, Cristo vive em mim "(Gal 2,20), e essa, nós
vimos, é a essência da santidade cristã).
Na Carta aos Gálatas, Paulo censura Pedro pelo que ele parece
recomendar a todos, ou seja, abster-se de mostrar a sua convicção para não
escandalizar os simples. Na verdade, em Antioquia, Pedro estava
convencido de que comer com os gentios não contaminasse um judeu (já tinha estado na casa de Cornélio!), mas abstém-se de fazê-lo para não
causar escândalo aos judeus presentes (cf. Gal 2, 11-14). O próprio
Paulo, noutras circunstâncias, agirá da mesma maneira (veja At 16, 3; 1
Cor 8, 13).
A explicação não está naturalmente apenas no temperamento de Paulo.
Em primeiro lugar, o que estava em jogo em Antioquia era muito mais
claramente ligado à fé e à liberdade do Evangelho do que parecia ser em
Roma. Em segundo lugar - e este é o principal motivo - para os Gálatas
Paulo fala como fundador da Igreja, com a autoridade e a
responsabilidade do pastor; para os Romanos, fala como mestre e irmão na
fé: para contribuir, diz ele, à edificação comum (ver Rm 1, 11-12). Há
uma diferença entre o papel do pastor ao qual é devida a obediência e o
do mestre ao qual somente se deve respeito e escuta. Isso faz-
nos entender que aos critérios de discernimento mencionados deve-se
acrescentar outro, do qual não demorará para se tomar consciência com
o desenvolvimento da comunidade cristã, ou seja, o critério da
autoridade e da obediência.
Enquanto isto, ouçamos como dirigida à Igreja de hoje a exortação
conclusiva que o Apóstolo dirigia à comunidade de então: "Por isso,
acolhei-vos uns aos outros, como Cristo nos acolheu para a glória de
Deus." (Rm 15,7).
______________________
[1] Cf. Le cause dei santi. Sussidio per lo Studium, a cura della Congregazione delle Cause dei Santi, Libreria Editrice Vaticana, 3a ed. 2014, pp. 13-81.
[2] Archimandrita Sofronio, Silvano del Monte Athos. La vita, la dottrina, gli scritti, Torino 1978, pp. 255 s.
VATICAN NEWS
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