Capela Redemptoris Mater, no Vaticano
(ANSA)
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"Não façam de vós próprios uma opinião maior do que convém”, é o título da III Pregação da Quaresma ao Papa e à Cúria do frei Raniero Cantalamessa,
Cidade do Vaticano
"Não façam de vós próprios uma opinião maior do que convém”, é o título da III Pregação da Quaresma ao Papa e à Cúria do frei Raniero Cantalamessa,
Cidade do Vaticano
O pregador da Casa Pontitífica, frei Raniero Cantalamessa OFM, propôs
na manhã desta sexta-feira ao Papa Francisco e à Cúria Romana, a III
Pregação da Quaresma, com o título "Não façam de vós próprios uma opinião
maior do que convém”.
Texto na íntegra (tradução de Thácio Siqueira):
A exortação à caridade que recolhemos da boca do Apóstolo, na
meditação anterior, está encerrada entre duas breves exortações à
humildade que se recordam de forma proeminente entre si, de modo a
formar uma espécie de marco para o discurso sobre a caridade. Lidas uma
atrás da outra, omitindo o que está no meio, as duas exortações soam
assim:
"Não façam de vós próprios uma opinião maior do que convém, mas um
conceito razoavelmente modesto [...] Não aspirem a coisas muito
elevadas, mas curvem-se perante as humildes. Não tenham uma ideia muito
alta de vós mesmos” (Rm 12, 3.16).
Não é uma questão de pequenas recomendações à moderação e à modéstia;
através destas poucas palavras, a parênese apostólica abre-nos diante
de todo o vasto horizonte da humildade. Ao lado da caridade, São Paulo
encontra na humildade o segundo valor fundamental, a segunda direção em
que se deve trabalhar para renovar, no Espírito, a própria vida e
construir a comunidade.
Nunca, como neste campo, as virtudes cristãs nos aparecem como um
fazer próprios "os sentimentos que estavam em Cristo Jesus". Ele,
recorda noutro lugar o Apóstolo, embora sendo de natureza divina, "humilhou-se fazendo-se obediente até a morte" (Fl 2, 5-8) e aos próprios
discípulos, ele disse: "Aprendei de mim que sou manso e humilde de
coração" (Mt 11, 29). Podemos falar da humildade de diferentes pontos de
vista, como veremos que o Apóstolo fará, mas no seu significado mais
profundo, a humildade é apenas a de Cristo. É verdadeiramente humilde
quem se esforça para ter o coração de Cristo.
1. A humildade como sobriedade
Na parênese da Carta aos Romanos, São Paulo aplica à vida da
comunidade cristã o ensinamento bíblico tradicional sobre a humildade
que é constantemente expressada através da metáfora espacial do
“elevar-se” e do “baixar-se”, do tender ao alto e do tender ao baixo.
Pode-se “aspirar a coisas muito altas” ou com a própria inteligência, com um questionamento imoderado que não leva em consideração a própria limitação frente ao mistério, ou com a vontade,
aspirando a posições e cargos de prestígio. O Apóstolo tem em mente
ambas as possibilidades e, em qualquer caso, as suas palavras combatem
tanto uma quanto outra coisa: tanto a presunção da mente, quanto a ambição da vontade.
Ao transmitir, no entanto, o ensinamento bíblico tradicional sobre a
humildade, São Paulo dá uma motivação parcialmente nova e original desta
virtude. No Antigo Testamento, o motivo ou a razão que justifica a
humildade é que Deus "rejeita os soberbos e dá a sua graça aos humildes"
(cf. Pr 3, 34; Jo 22, 29), que ele "vê os humildes e conhece os soberbos
de longe” (Sl 137, 6). Não se dizia, no entanto - pelo menos
explicitamente – por que Deus faz isto, isto é, por que "eleva os
humildes e abaixa os soberbos”. A este facto, podemos dar explicações
diferentes: por exemplo, o ciúme ou "inveja de Deus" (sphonos Theou), como pensavam alguns escritores gregos, ou simplesmente a vontade divina de punir a arrogância humana, a hybris.
O conceito decisivo que São Paulo introduz no discurso da humildade é
o conceito de verdade. Deus ama o humilde porque o humilde está na
verdade; é um homem verdadeiro, autêntico. Ele castiga a soberba, porque
a soberba, antes mesmo de ser arrogância, é mentira. De facto, tudo
aquilo que, no homem, não é humildade é mentira.
Isto explica por que os filósofos gregos, que também conheceram e
louvaram quase todas as outras virtudes, não conheceram a humildade. A
palavra humildade (tapeinosis) sempre manteve, com eles, um
significado predominantemente negativo de abaixamento, de mesquinhez, de
pedanteria, de pusilanimidade. Os filósofos gregos ignoravam as duas
pedras angulares que permitem associar entre si a humildade e a verdade:
a idéia de criação e a ideia bíblica de pecado. A ideia
de criação fundamenta a certeza de que tudo o que é bom e bonito no
homem vem de Deus, nada excluído; a ideia bíblica de pecado fundamenta a
certeza de que tudo o que é mau, no sentido moral, no homem, vem de sua
liberdade, de si mesmo. O homem bíblico é levado à humildade tanto pelo
bem quanto pelo mau que descobre em si mesmo.
Mas vamos ao pensamento do Apóstolo. A palavra usada por ele no nosso texto para indicar a humildade-verdade é a palavra sobriedade
ou sabedoria. Ele exorta os cristãos a não terem uma ideia errada e
exagerada de si mesmos, mas sim uma avaliação justa, sóbria, de si,
quase podemos dizer objetiva. Na retomada da exortação, no versículo 16,
o "ter uma ideia sóbria de si”, encontra o seu equivalente na expressão
“tender às coisas humildes”. Com isto, ele diz que o homem é sábio
quando é humilde e que é humilde quando é sábio.
Abaixando-se, o homem aproxima-se da verdade. “Deus é luz”, diz São
João (1 Jo 1, 5), é verdade, e não pode encontrar o homem, a não ser na
verdade. Ele dá a sua graça aos humildes porque só o humilde é capaz de
reconhecer a graça; não diz: "o meu braço, ou a minha mente, fez isso!"
(cf Dt 8, 17; Is 10, 13). Santa Teresa d’Ávila escreveu: "Perguntava-me
um dia por que o Senhor ama tanto a humildade e de repente pensei, sem
qualquer reflexão minha, que isso deve ser porque ele é a suprema
Verdade e a humildade é a verdade"[1].
2. O que possuis que não tenhas recebido?
O Apóstolo não nos deixa agora no vago ou na superfície, a respeito
desta verdade sobre nós mesmos. Algumas de suas frases lapidárias,
contidas noutras cartas, mas pertencentes a esta mesma ordem de
ideias, têm o poder de derrubar os nossos “pontos de apoio” e fazer-nos
aprofundar na descoberta da verdade.
Uma dessas frases diz: "O que possuis que não tenhas recebido? E, se
recebeste, por que haverias de te ensoberbecer como se não o tivesses
recebido?" (1 Cor 4, 7). Há somente uma coisa que não recebi, que é
totalmente e somente minha, e é o pecado. Isto eu sei e sinto que vem de
mim, que encontra a sua fonte em mim, ou, de qualquer maneira, no homem
e no mundo, não em Deus, enquanto todo o resto - incluindo o facto de
reconhecer que o pecado vem de mim - é de Deus. Outra frase diz: "Se
alguém pensa ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo” (Gl 6,
3).
A "justa avaliação" de si mesmos é, portanto, esta: reconhecer o
nosso nada! Este é aquele terreno sólido, ao qual tende à humildade! A
pérola preciosa é precisamente a sincera e pacífica persuasão de que,
por nós mesmos, não somos nada, não podemos pensar nada, não podemos
fazer nada. Sem mim, nada podeis “fazer”, diz Jesus (Jo 15, 5) e o
Apóstolo acrescenta: "Não que por nós mesmos sejamos capazes de pensar algo...”
(2 Cor 3, 5). Nós podemos, ocasionalmente, usar uma ou outra dessas
palavras para cortar uma tentação, um pensamento, uma complacência, como
uma verdadeira "espada do Espírito": "Que possuis que não tenhas
recebido?”. A eficácia da palavra de Deus experimenta-se sobretudo neste
caso: quando se usa sobre si mesmo, mais do que quando se usa nos
outros.
Deste modo, estamos a começar a descobrir a verdadeira natureza do
nosso nada, que não é um nada puro e simples, uma "ninharia inocente”.
Vislumbramos o objetivo final ao qual a palavra de Deus nos quer
conduzir, que é de reconhecer o que verdadeiramente somos: um nada soberbo!
Eu sou aquele alguém que "acredita que é algo", enquanto sou nada; eu
sou aquele que não tem nada que não tenha recebido, mas que sempre se
vangloria – ou é tentado a fazê-lo – por algo, como se não o tivesse
recebido!
Esta não é uma situação de alguns, mas uma miséria de todos. É a
própria definição do homem velho: um nada que acredita ser algo, um nada
soberbo. O próprio Apóstolo confessa o que descobria, quando ele mesmo
descia ao fundo de seu coração: "Descubro em mim mesmo – dizia – uma
outra lei..., descubro que o pecado habita em mim ... Sou um miserável!
Quem me livrará?"(Cf. Rm 7, 14-25). Aquela "outra lei", o "pecado que
habita em nós" é, para São Paulo, como sabemos, antes de mais nada, a
autoglorificação, o orgulho, o vangloriar-se de si mesmo.
No final da nossa jornada de descida, portanto, não descobrimos a
humildade em nós, mas a soberba. Mas, precisamente desse descobrir que
somos radicalmente soberbos e que o somos por nossa culpa, não de Deus,
porque tornam-nos assim ao fazer mau uso da nossa liberdade,
precisamente isto é a humildade, porque isso é a verdade. Ter descoberto
esse horizonte, ou somente tê-lo vislumbrado de longe, através da
palavra de Deus, é uma graça grande. Dá uma paz nova. Como quem, em
tempo de guerra, descobriu que possui na sua própria casa, sem sequer
ter de sair, um refúgio seguro contra os bombardeios, absolutamente
inatingível.
Uma grande mestra espiritual – Santa Angela de Foligno –, perto da
morte, exclamou: "Oh, nada desconhecido, oh nada desconhecido! A alma
não pode ter uma visão melhor neste mundo do que contemplar o seu próprio
nada e viver nele como numa cela de prisão". A própria Santa exortava
os seus filhos espirituais a fazer o possível para retornarem àquela
cela, imediatamente depois de terem saído, por qualquer motivo. Devemos
fazer como certos animais cautelosos que não se distanciam de suas
tocas, para poderem entrar rapidamente, no primeiro sinal de perigo.
Há um grande segredo escondido neste conselho, uma verdade misteriosa
que se conhece experimentando. Descobre-se, então, que existe realmente
esta cela e que é possível entrar realmente todas as vezes que se queira. Ela
consiste na sensação tranquila e de quietude de ser um nada, e um nada
soberbo. Quando se está dentro da cela desta prisão, não se vêem mais os
defeitos do próximo, ou são vistos por um outro prisma. Compreende-se
que é possível, com a graça e com o exercício, realizar o que diz o
Apóstolo e que parece, à primeira vista, excessivo, ou seja, “considerar
todos os demais superiores a si mesmo” (cf. Fl 2, 3) ou pelo menos
entende-se como é que isto foi possível aos santos.
Certamente, fechar-se naquela prisão não é fechar-se sobre si mesmos;
é, em vez disso, abrir-se aos outros, ao ser, à objetividade das
coisas. O oposto do que os inimigos da humildade cristã sempre pensaram.
É fechar-se ao egoísmo, não no egoísmo. É a vitória sobre um dos males que também a moderna psicologia julga ser fatal para a pessoa humana: o narcisismo.
Naquela cela, além disso, não penetra o inimigo. Um dia, Antonio o
Grande teve uma visão; viu, num instante, todos os laços infinitos do
inimigo espalhados pela terra e disse gemendo: “Quem poderá, então,
evitar todos esses laços?” e ouviu uma voz responder-lhe: "A
humildade![2]".
O Evangelho apresenta-nos um modelo insuperável dessa humildade-verdade, e é Maria. Deus – canta Maria no Magnificat – "olhou a humildade da sua serva" (Lc 1, 48). Mas o que a Virgem entende aqui por “humildade”? Não a virtude da humildade, mas a sua condição
humilde ou, no máximo, a sua pertença à categoria dos humildes e dos
pobres mencionados na continuação do cântico. Isto é confirmado pela
referência explícita ao cântico de Anna, a mãe de Samuel, onde a mesma
palavra usada por Maria (tapeinosis) significa claramente miséria, esterilidade, condição humilde, não sentimento de humildade.
Mas a coisa é clara em si mesma. Como podemos pensar que Maria exalta
a sua humildade, sem, por esse facto, destruir a humildade de Maria?
Como podemos pensar que Maria atribua à sua humildade a escolha de Deus,
sem, com isso, destruir a gratuitidade desta escolha e tornar a vida
inteira de Maria incompreensível a partir de sua imaculada conceição?
Para sublinhar a importância da humildade, alguém escreveu com cautela
que Maria "não se vangloria de nenhuma outra virtude a não ser da sua
humildade", como se, desta forma, se fizesse uma grande honra, e não,
pelo contrário, um grande erro, a essa virtude. A virtude da humildade
tem um status muito especial: tem-na aquele que pensa não tê-la, não a
tem aquele que pensa tê-la. Somente Jesus pode declarar-se "humilde de
coração" e verdadeiramente sê-lo; esta é a característica única e
irrepetível da humildade do homem-deus.
Maria, portanto, não tinha a virtude da humildade? Claro que a
tinha e em grau supremo, mas isso só Deus sabia, ela não. Precisamente
isto, de facto, constitui o mérito incomparável da verdadeira humildade:
que o seu perfume é sentido apenas por Deus, e não por aquele que o
emana. A alma de Maria, livre de toda a real e pecaminosa luxúria, diante
da situação nova criada pela sua maternidade divina, foi levada, com
toda rapidez e naturalidade, ao seu ponto de verdade – ao seu nada – e
de lá nada nem ninguém pode mais movê-la.
Nisto, a humildade da Mãe de Deus mostra-se um prodígio único da
graça. Ela arrancou de Lutero esse elogio: "Embora Maria tenha recebido
em si aquela grande obra de Deus, teve e manteve um tal sentimento de si
a ponto de não elevar-se acima do menor homem da terra [...]. Aqui
celebra-se o espírito de Maria maravilhosamente puro, que, enquanto se lhe
faz uma tamanha honra, não se deixa levar pela tentação, mas como se
nada visse, permanece no caminho certo”[3].
A sobriedade de Maria está acima de qualquer comparação, mesmo entre
os santos. Ela levantou a tremenda tensão desse pensamento: "Tu és a mãe
do Messias, a mãe de Deus! Tu és aquilo que toda mulher do teu povo gostaria de ser!". "A que devo a mãe do meu Senhor vir a mim?",
exclamava Izabel, e ela responde: "Ele olhou para a pequenez de sua
serva!". Ela aprofundou o seu nada e “elevou” somente Deus, dizendo:
"Minha alma engradece o Senhor". O Senhor, não a serva. Maria é
verdadeiramente a obra-prima da graça divina.
3. Humildade e humilhação
Não nos devemos iludir de ter alcançado a humildade apenas porque a
Palavra de Deus e o exemplo de Maria nos levou a descobrir o nosso nada.
Podemos ver em que ponto estamos na humildade, quando a iniciativa
passa de nós para os demais, ou seja, quando não somos mais nós a
reconhecer os nossos defeitos e erros, mas são os demais que o fazem;
quando não somos somente capazes de dizer-nos a verdade, mas também de
deixar que no-la digam, de bom grado, os demais. Se vê, noutras
palavras, nas reprovações, nas correções, nas críticas e nas
humilhações. "Muitas vezes é muito útil preservar-nos na humildade - diz
o autor da Imitação de Cristo - que outros conheçam e repreendam os
nossos defeitos” [4].
Pretender matar o próprio orgulho atacando-o sozinho, sem que ninguém
intervenha de fora, é como usar o próprio braço para castigar-se: nunca
se amachucará realmente. É como querer tirar um tumor sozinho. Existem
pessoas (e eu certamente estou entre elas) que são capazes de dizer de
si – e também sinceramente – todo o mal possível e imaginável; pessoas
que, durante uma liturgia penitencial, fazem auto-acusações com uma
franqueza e coragem admiráveis, mas assim que alguém ao seu redor apenas
sugere levar as suas confissões a sério, ou ousa acrescentar algo, saem
faíscas. Evidentemente, ainda há um longo caminho a percorrer para
alcançar a verdadeira humildade e a humilde verdade.
Quando tento receber a glória de um homem por algo que digo ou faço, é
quase certo que aquele mesmo homem procura receber glória de mim pelo
que ele diz ou faz em resposta. E assim acontece que cada um busca a
própria glória e ninguém a obtém e se, por acaso, a obtém, não passa de
“vanglória”, ou seja, glória vazia, destinada a dissolver-se em fumaça
com a morte. Mas o efeito é igualmente terrível; Jesus atribuía à busca
da própria glória, inclusive, à impossibilidade de crer. Dizia aos
fariseus: "Como podeis crer, vós que recebeis glória uns dos outros, mas
não procurais a glória que vem do Deus único?” (Jo 5, 44).
Quando nos encontremos envolvidos em ideias e aspirações de glória
humana, joguemos na mistura desses pensamentos, como uma tocha acesa, a
palavra que o próprio Jesus usou e que nos deixou: "Não procuro a minha
glória” (Jo 8, 50). Ela tem o poder quase sacramental de realizar o que
significa, de dissipar tais pensamentos.
A humildade é uma luta que dura toda a vida e se estende a todos os
aspectos da vida. O orgulho é capaz de alimentar-se tanto do mal quanto
do bem e de sobreviver, portanto, em todas as situações e em todos os
"climas". Na verdade, ao contrário do que acontece em todos os outros
vícios, o bem, e não o mal, é o terreno de cultivo preferido para este
terrível "vírus".
"A vaidade tem raízes tão profundas no coração do homem que um
soldado, um servo de milícias, um cozinheiro, um porteiro, orgulha-se e
pretende ter os seus admiradores e os próprios filósofos querem isso. E
aqueles que escrevem contra a vanglória aspiram ao júbilo de ter escrito
bem, e aqueles que os lêem vangloriam-se de tê-los lido; eu, que
escrevo isto, talvez nutra o mesmo desejo e talvez até aqueles que me
lêem"[5].
A vaidade é capaz de transformar em ato de orgulho o nosso próprio
desejo de tender à humildade. Mas com a graça, nós podemos sair
vencedores também desta terrível batalha. Se, de facto, o seu homem velho
consegue transformar em atos de orgulho o seus próprios atos de
humildade, com a graça, transforma em atos de humildade também os seus
atos de orgulho, reconhecendo-os. Reconhecendo, humildemente, que é
um nada soberbo. Assim, Deus também é glorificado pelo nosso próprio
orgulho.
Nesta batalha, Deus geralmente vem em socorro dos seus, com um
remédio eficaz e único. Escreve São Paulo: “Já que essas revelações eram
extraordinárias, para eu não me encher de soberba, foi-me dado um
aguilhão na carne – um anjo de Satanás para me espancar – a fim de que
não me encha de soberba.” (2 Cor 12, 7).
Para que o homem “não se encha de soberba”, Deus o fixa no chão com
uma espécie de âncora; coloca “peso nos nossos rins” (cf. Sl 66, 11). Nós
não sabemos exatamente o que era esse "espinho na carne" e este
"enviado de Satanás" para Paulo, mas sabemos bem o que é para nós! Cada
um que quer seguir o Senhor e servir a Igreja o tem. São situações
humilhantes que nos recordam constantemente, às vezes de noite e de dia,
a dura realidade daquilo que somos. Pode ser um defeito, uma doença,
uma fraqueza, uma impotência, que o Senhor nos deixa, apesar de todas as
súplicas. Uma tentação persistente e humilhante, talvez apenas uma
tentação de soberba! Uma pessoa com quem alguém é forçado a viver e que,
apesar da retidão de ambas as partes, tem o poder de expor a nossa
fragilidade, de demolir a nossa presunção.
Às vezes, trata-se de algo ainda mais pesado: são situações em que o
servo de Deus é forçado a assistir impotente ao fracasso de todos os
seus esforços e a coisas muito maiores do que ele, que o fazem tocar com
as mãos na sua impotência diante do poder do mal e das trevas. É aqui
especialmente que ele aprende o que quer dizer “humilhar-se sob a
potente mão de Deus” (ver 1 Pd 5, 6).
A humildade não é somente importante para o progresso pessoal no
caminho da santidade; também é essencial para o bom funcionamento da
vida comunitária, para a construção da Igreja. Eu digo que a humildade é
o isolante na vida da Igreja. O isolante é muito importante e vital
para o progresso no campo da eletricidade. Quanto maior a tensão, quanto
mais poderosa a corrente elétrica que passa por um fio, mais resistente
deve ser o isolamento que impede a corrente de descarregar no chão ou
de causar curto-circuitos. Ao progresso no campo da eletricidade deve
corresponder um progresso semelhante na técnica de isolamento. A
humildade é, na vida espiritual, o grande isolante que permite que a
corrente divina da graça passe através de uma pessoa sem dissipar-se,
ou, pior, provocar chamas de orgulho e de rivalidade.
Terminamos com as palavras de um salmo que nos permite transformar em
oração a exortação que o Apóstolo nos dirigiu com os seus ensinamentos
sobre humildade:
"Senhor, o meu coração não se enche de orgulho,
o meu olhar não se levanta arrogante.
Não procuro grandezas, nem coisas superiores a mim.
Ao contrário, mantenho calma e sossegada a minha alma,
tal como uma criança no seio materno, assim está a minha alma em mim mesmo. (Sl 130).
_________________________
1 SantaTeresa d’Avila, Castello Interiore, VI dim., cap. 10.
2 Il libro della B. Angela da Foligno, cit., p. 737.
3 M. Lutero, Commento al Magnificat, ed. Weimar 7, p. 555 s.
4 Imitazione di Cristo, II,2.
5 B. Pascal, Pensieri, n. 150 Br
Tradução: Thácio Siqueira, Associação Marie de Nazareth
VATICAN NEWS
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