Na República Centro Africana, um país em estado permanente de guerra
desde 2013, as Irmãs Oblatas do Coração de Jesus cumprem a missão de
“acolher” crianças cristãs e muçulmanas e contribuir para a
reconciliação. Ao jornal VOZ DA VERDADE, a superiora geral da
comunidade, irmã Júlia de Sousa, pede a ajuda da diocese de Lisboa,
nesta quaresma, para a construção de um novo edifício da Escola Sacré Coeur, em Bangui.
Depois das obras no Seminário dos Olivais, em 2017, este ano a
renúncia quaresmal do Patriarcado de Lisboa destina-se à construção de
um novo edifício da Escola Sacré Coeur, em Bangui, na República
Centro-Africana. Neste país, devastado pela guerra civil, trabalham as
irmãs Oblatas do Coração de Jesus. “Devido aos conflitos armados, todas
as escolas foram destruídas. As crianças têm de fazer vários quilómetros
a pé, para chegar a uma escola. Os mais pequeninos não vão por causa da
distância e da insegurança. Por este motivo, a Congregação das Oblatas
do Coração de Jesus, a pedido do Cardeal Dieudonné Nzapalainga
[arcebispo de Bangui], responde a esta necessidade da comunidade: a
educação das crianças”, explica a irmã Júlia de Sousa, Superiora Geral
das Oblatas do Coração de Jesus em Portugal, desde 2006. O projecto de
construção do novo espaço ronda os 200 mil euros.
A Escola Sacré Coeur começou a ganhar forma em 2016, por iniciativa de duas irmãs da congregação, que criaram um espaço de ensino para órfãos e crianças cujos pais não conseguem suportar as despesas educativas. O ano passado, a congregação abriu uma sala para o pré-escolar, com a ajuda da Kinder Mission, missão patrocinada pela marca com o mesmo nome. “No fim do ano, os pais estavam tão contentes com a formação dada às crianças que pediram para abrir salas para dar seguimento ao processo educativo. Construiu-se uma palhota, que serve de sala. Pensava inscrever-se 30 crianças para o 1º ciclo, só que o número de inscrições duplicou. Na impossibilidade de construir um novo edifício e de comprar o equipamento necessário para acolher as crianças para o próximo ano, vimos pedir ajuda”, refere a religiosa portuguesa, de 54 anos. Neste momento, a comunidade educativa de Bangui é constituída por três irmãs, além de professoras, leigos, perfazendo um total de 11 pessoas.
Uma luta armada com quase cinco anos
Os conflitos na República Centro-Africana – país localizado no centro de África com cerca de cinco milhões de habitantes – prolongam-se desde 2013, altura em que o ex-presidente, François Bozizé, foi afastado do cargo pelos ex-Sélékas, alegados defensores da minoria muçulmana. A queda do chefe de Estado desencadeou uma contra-ofensiva dos anti-Balaka, maioritariamente cristãos. Em cinco anos morreram quase seis mil pessoas e grande parte das construções ficou destruída. Em janeiro deste ano, os confrontos intensificaram-se, causando pelo menos 100 mortos, destruindo duas mil casas e deixando 60 mil pessoas deslocadas. Segundo a Human Rights Watch, a violência sexual tornou-se um problema preocupante, com centenas de casos de mulheres e até crianças violadas por elementos dos vários grupos que combatem. Desde Setembro de 2014, a Organização das Nações Unidas tem na República Centro-Africana uma missão de capacetes azuis composta por mais dez mil membros, entre os quais cerca de 150 militares portugueses.
Em outubro de 2017, António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, referiu-se ao conflito como “uma crise dramática, mas esquecida”. “A República Centro-Africana está muito longe das atenções da comunidade internacional. O nível de sofrimento do povo, mas também os dramas sofridos pelos trabalhadores humanitários e as forças de manutenção de paz merecem uma solidariedade e uma atenção acrescidas", disse o português.
Também o Papa Francisco tem manifestado muita preocupação, depois de ter visitado aquele país em 2015. “Infelizmente, chegam-nos notícias dolorosas da República Centro-Africana que tenho no coração. Confrontos armados causaram numerosas vítimas e desalojados, e ameaçam o processo de paz”, afirmou o Papa, em maio, no Vaticano, garantindo “proximidade” para com as populações. “Rezo pelos defuntos e feridos e renovo o meu apelo: que as armas se calem e prevaleça a boa vontade em dialogar para trazer paz e desenvolvimento ao país”, apelou Francisco.
Um dos locais afectados pela guerra é a paróquia de São José de Mukassa, localizada na periferia de Bangui, capital do país, onde está a comunidade das Oblatas do Coração de Jesus. “Na última crise abrigou mais de 40.000 deslocados. É neste bairro que se situa a sede do grupo armado anti-BalaKa, de auto defesa contra vários grupos e milícias islamitas, em especial Seleka”, conta a irmã Júlia. E acrescenta: “A violência já provocou dezenas de milhares de mortos e 1,1 milhões de deslocados (600.000 fugiram para o interior do país e cerca de 500.000 para países vizinhos, como para os Camarões ou a República Democrata do Congo). Cada dois habitantes do país depende da ajuda humanitária, mas a segurança instável e os grupos armados, que controlam 80% do país, têm levado a um aumento do número de deslocados”.
Um país destruído em que o Evangelho é sinal de esperança
É neste cenário de devastação, desemprego generalizado e deficiente prestação de cuidados de saúde, em que 80% da população é cristã, 15% muçulmana e 5% animista, a congregação pretende “construir um mundo mais belo, justo e fraterno”. “No acolhimento de crianças cristãs e muçulmanas queremos contribuir para curar as feridas causadas por tanta violência e reconciliar uns com os outros. ‘Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância" (João 10, 10)’”, diz a irmã. E explica: “O meu grande desejo é que possamos reler, de forma individual e colectiva, estas provações à luz dos sofrimentos de Cristo. Tudo o que viveremos vai encontrar significado: aqui e agora, já estamos projetados para a outra vida. Se não orientarmos as nossas feridas para Cristo, através da oração, do silêncio e da não-violência, não seremos capazes de ver a possibilidade de um perdão sincero. Da mesma forma, se através da partilha, quebramos as fronteiras da exclusão e da intolerância, se nos comprometermos a abrirmo-nos uns aos outros, a acolher, a ajudar aquele que já não tem um telhado, então vamos permitir que as pequenas ressurreições nos guiem até à grande ressurreição”.
Na República Centro-Africana, há duas comunidades das irmãs Oblatas do Coração de Jesus, ambas em Bangui. Uma em Cucherousset, no centro, onde vivem três irmãs, que se ocupam do Centro Espiritual Diocesano, dedicado ao acolhimento de missionários vindos do interior – o espaço é utilizado para retiros e sessões de formação. Outra em Cattin onde estão seis irmãs (quatro da República Democrática do Congo, uma das Honduras e uma da República Centro Africana). “Trabalham na pastoral da paróquia, nos centros de saúde. Acompanham crianças subnutridas. Algumas trabalham na escola”, diz Júlia de Sousa.texto por Ana Catarina André; fotos por Irmãs Oblatas do Coração de Jesus
A Escola Sacré Coeur começou a ganhar forma em 2016, por iniciativa de duas irmãs da congregação, que criaram um espaço de ensino para órfãos e crianças cujos pais não conseguem suportar as despesas educativas. O ano passado, a congregação abriu uma sala para o pré-escolar, com a ajuda da Kinder Mission, missão patrocinada pela marca com o mesmo nome. “No fim do ano, os pais estavam tão contentes com a formação dada às crianças que pediram para abrir salas para dar seguimento ao processo educativo. Construiu-se uma palhota, que serve de sala. Pensava inscrever-se 30 crianças para o 1º ciclo, só que o número de inscrições duplicou. Na impossibilidade de construir um novo edifício e de comprar o equipamento necessário para acolher as crianças para o próximo ano, vimos pedir ajuda”, refere a religiosa portuguesa, de 54 anos. Neste momento, a comunidade educativa de Bangui é constituída por três irmãs, além de professoras, leigos, perfazendo um total de 11 pessoas.
Uma luta armada com quase cinco anos
Os conflitos na República Centro-Africana – país localizado no centro de África com cerca de cinco milhões de habitantes – prolongam-se desde 2013, altura em que o ex-presidente, François Bozizé, foi afastado do cargo pelos ex-Sélékas, alegados defensores da minoria muçulmana. A queda do chefe de Estado desencadeou uma contra-ofensiva dos anti-Balaka, maioritariamente cristãos. Em cinco anos morreram quase seis mil pessoas e grande parte das construções ficou destruída. Em janeiro deste ano, os confrontos intensificaram-se, causando pelo menos 100 mortos, destruindo duas mil casas e deixando 60 mil pessoas deslocadas. Segundo a Human Rights Watch, a violência sexual tornou-se um problema preocupante, com centenas de casos de mulheres e até crianças violadas por elementos dos vários grupos que combatem. Desde Setembro de 2014, a Organização das Nações Unidas tem na República Centro-Africana uma missão de capacetes azuis composta por mais dez mil membros, entre os quais cerca de 150 militares portugueses.
Em outubro de 2017, António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, referiu-se ao conflito como “uma crise dramática, mas esquecida”. “A República Centro-Africana está muito longe das atenções da comunidade internacional. O nível de sofrimento do povo, mas também os dramas sofridos pelos trabalhadores humanitários e as forças de manutenção de paz merecem uma solidariedade e uma atenção acrescidas", disse o português.
Também o Papa Francisco tem manifestado muita preocupação, depois de ter visitado aquele país em 2015. “Infelizmente, chegam-nos notícias dolorosas da República Centro-Africana que tenho no coração. Confrontos armados causaram numerosas vítimas e desalojados, e ameaçam o processo de paz”, afirmou o Papa, em maio, no Vaticano, garantindo “proximidade” para com as populações. “Rezo pelos defuntos e feridos e renovo o meu apelo: que as armas se calem e prevaleça a boa vontade em dialogar para trazer paz e desenvolvimento ao país”, apelou Francisco.
Um dos locais afectados pela guerra é a paróquia de São José de Mukassa, localizada na periferia de Bangui, capital do país, onde está a comunidade das Oblatas do Coração de Jesus. “Na última crise abrigou mais de 40.000 deslocados. É neste bairro que se situa a sede do grupo armado anti-BalaKa, de auto defesa contra vários grupos e milícias islamitas, em especial Seleka”, conta a irmã Júlia. E acrescenta: “A violência já provocou dezenas de milhares de mortos e 1,1 milhões de deslocados (600.000 fugiram para o interior do país e cerca de 500.000 para países vizinhos, como para os Camarões ou a República Democrata do Congo). Cada dois habitantes do país depende da ajuda humanitária, mas a segurança instável e os grupos armados, que controlam 80% do país, têm levado a um aumento do número de deslocados”.
Um país destruído em que o Evangelho é sinal de esperança
É neste cenário de devastação, desemprego generalizado e deficiente prestação de cuidados de saúde, em que 80% da população é cristã, 15% muçulmana e 5% animista, a congregação pretende “construir um mundo mais belo, justo e fraterno”. “No acolhimento de crianças cristãs e muçulmanas queremos contribuir para curar as feridas causadas por tanta violência e reconciliar uns com os outros. ‘Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância" (João 10, 10)’”, diz a irmã. E explica: “O meu grande desejo é que possamos reler, de forma individual e colectiva, estas provações à luz dos sofrimentos de Cristo. Tudo o que viveremos vai encontrar significado: aqui e agora, já estamos projetados para a outra vida. Se não orientarmos as nossas feridas para Cristo, através da oração, do silêncio e da não-violência, não seremos capazes de ver a possibilidade de um perdão sincero. Da mesma forma, se através da partilha, quebramos as fronteiras da exclusão e da intolerância, se nos comprometermos a abrirmo-nos uns aos outros, a acolher, a ajudar aquele que já não tem um telhado, então vamos permitir que as pequenas ressurreições nos guiem até à grande ressurreição”.
Na República Centro-Africana, há duas comunidades das irmãs Oblatas do Coração de Jesus, ambas em Bangui. Uma em Cucherousset, no centro, onde vivem três irmãs, que se ocupam do Centro Espiritual Diocesano, dedicado ao acolhimento de missionários vindos do interior – o espaço é utilizado para retiros e sessões de formação. Outra em Cattin onde estão seis irmãs (quatro da República Democrática do Congo, uma das Honduras e uma da República Centro Africana). “Trabalham na pastoral da paróquia, nos centros de saúde. Acompanham crianças subnutridas. Algumas trabalham na escola”, diz Júlia de Sousa.texto por Ana Catarina André; fotos por Irmãs Oblatas do Coração de Jesus
- Leia o texto completo na edição do dia 4 de março do Jornal VOZ DA VERDADE, disponível nas paróquias ou em sua casa.
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