Homilia na Vigília Pascal na Noite Santa
Sinais de vida ressuscitada
Caríssimos irmãos: De tudo quanto ouvimos e tanto nos iluminou nesta noite santa, ressoam-nos fortes as palavras do Anjo, ditas a Maria Madalena e à outra Maria: «Ide depressa dizer aos discípulos: “Ele ressuscitou dos mortos e vai adiante de vós para a Galileia. Lá O vereis!”».
Na Galileia tinha começado a
aventura evangélica e de lá recomeçaria, para chegar a qualquer parte e
qualquer tempo. A este lugar agora, onde a celebramos também, como em
tantos por esse mundo fora. Com tão pouca presença física, mas tão
luminosos ainda assim. E a este tempo preciso, em que a pandemia se
sofre, mas o Ressuscitado atua, como sempre o faz por muitos que O
refletem.
Não duvidemos, porque dois milénios o testemunham. Em
tempos de fome, peste e guerra, como tantas vezes aconteceram e
tragicamente se repetem, mais longe ou mais perto, a ressurreição de
Cristo redobra os sinais da sua presença salvadora. Apenas espera que a
acolhamos consequentes.
Consequentes foram aquelas santas
mulheres, que transmitiram fielmente o seu anúncio. E concluamos que,
sem a notícia pascal, ecoada por tantas presenças generosas, por tantos
motivos e figuras, a sociedade e a cultura não contariam com a esperança
que ela trouxe e a tantos acalenta nesta hora.
A ressurreição de
Cristo trouxe-lhe a vitória sobre qualquer morte que seja. Não por a
eliminar como passagem, mas por nos garantir um futuro absoluto, só em
Deus atingível. Salvação definitiva, que já se assinala nas curas deste
mundo, do corpo ou do espírito. Assim as reanimações evangélicas, do
filho da viúva de Naim, da filha de Jairo ou de Lázaro de Betânia, que
já eram sinais da ressurreição de Cristo, que agora celebramos.
Na
lembrança daquele sepulcro vazio, quanta esperança se acendeu, quanta
vida se ofereceu, quanta certeza se firmou de que, contra grandes males,
só vale todo o bem; quanto ânimo acresceu para recomeçar sempre e
apesar de tudo… De há dois milénios para cá a humanidade revive de muita
herança pascal.
Sim, o Ressuscitado espera-nos na Galileia do
mundo, para a nós e connosco manifestar a sua Páscoa. Onde for mais
urgente, para reabrir o futuro.
- Como pode e deve ser? A resposta é absolutamente pessoal, no sentido pleno que a palavra “pessoa” contém,
qual relação mútua e perfeita. Aprendemos que a lição que Deus nos dá
de si mesmo se aprende na vida de Jesus, sendo um só com o Pai, na união
do Espírito. Esta mesma comunhão é que nos leva à eternidade feliz,
como humanidade à maneira da Trindade, quando a vida circular
inteiramente entre todos. Esta vida vence a morte, que é o isolamento
absoluto, ou o egoísmo sem fim.
É fundamental este ponto.
Tira-nos qualquer ilusão de chegarmos a Deus por mera especulação, pois
ainda seríamos nós, apenas nós, o que alcançássemos. Concluiríamos pela
razoabilidade da sua existência, mas não abrangeríamos o seu modo de
ser, em si mesmo e para connosco. Lembremos o prólogo do Quarto
Evangelho, com a sua frase ineludível: «A Deus jamais alguém o viu. O
Filho Unigénito, que é Deus e está no seio do Pai, foi Ele quem O deu a
conhecer» (Jo 1, 18).
Pois bem, em toda a vida de Jesus é
uma relação total que se revela. A que mantém com Deus Pai, em mútua
convivência num só Espírito; e na relação que mantém com cada um, na
plena comunhão que nos oferece. É um permanente “Segue-me!”, como ele
próprio ao Pai. Deus mostra-se na vida de Jesus, como vida inteiramente
partilhada. E assim mesmo vencendo a morte, porque «o amor jamais
passará» (1 Cor 13, 8).
Tão intensamente relacional é
tudo isto que só de modo interpessoal o podemos abarcar e transmitir.
Consolida divinamente a experiência humana, como Jesus resumiu num
versículo de oiro, felizmente recolhido nos Atos dos Apóstolos: «A
felicidade está mais em dar do que em receber» (At 20, 35).
Anunciar
a Páscoa na Galileia do mundo é conviver assim, como a ressurreição de
Cristo nos impele, da família de cada um à sociedade de todos. Nenhum
sepulcro encerrará tal convivência perfeita.
Em muitas ações e
lugares, em tempo de luta pela saúde e pelo futuro de tanta gente, são
muitos os testemunhos de felicidade já pascal, nas entreajudas que se
dão, nas curas que se fazem ou procuram, nas vizinhanças que se
concretizam.
Assim mesmo – e só assim – podemos nós alcançar
alguma “experiência de Deus”, garantida e eterna. Como exortam estes
versículos da Primeira Epístola de São João: «Amemo-nos uns aos
outros, porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus
e chega ao conhecimento de Deus. Aquele que não ama não chegou a
conhecer a Deus, pois Deus é amor» (1 Jo 4, 7-8).
Foi
esta certeza, ganha em Cristo, cuja morte foi vencida em plena entrega,
que transformou aquelas santas mulheres e os discípulos num anúncio
pessoal tão convincente. Anúncio capaz de vencer as oposições que não
faltaram. Ontem como depois e ainda agora. Mas vence e convence pelo
amor que o preencheu.
Movidos pelo Espírito de Cristo, foram
sinais vivos e ativos da ressurreição de Cristo onde chegaram. Não menos
havemos de ser nós agora, iluminados pela Luz batismal que recebemos.
Lembrou-o
São Paulo, no trecho que ouvimos: «Fomos sepultados com Ele pelo
Batismo na sua morte, para que assim como Cristo ressuscitou dos mortos
pela glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova.» Vida nova, que é
plena comunhão com Deus e com todos a partir de Deus. Ressurreição, em
suma, como foi em Cristo.
A Páscoa é uma iluminação total e
pede-nos um exercício permanente. Não ofusquemos a luz recebida, não
demoremos o anúncio vivo e convivente. - Espera-nos bem perto a Galileia
deste mundo, tão ansiosa de ressurreição também!
Sé de Lisboa, 11-12 de abril de 2020
+ Manuel, Cardeal-Patriarca
Patriarcado de Lisboa
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