22 novembro, 2019

Entrevista - “Nós devemos matar o sofrimento e não a pessoa”


O padre Alberto Mendes, da Ordem Hospitaleira de São João de Deus, refere ser necessário, apesar de “difícil”, mudar a mentalidade da sociedade para se “matar o sofrimento e não a pessoa”. Em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, este sacerdote religioso, mestre em Cuidados Paliativos, reclama por uma maior rapidez na resposta por uma vaga ou por apoio domiciliário, e sublinha que, nesta área, nunca se baixam os braços. “Em cuidados paliativos, somos proibidos de dizer ‘não há nada a fazer’”.


Na última Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa, o presidente, D. Manuel Clemente, sublinhou que os cuidados paliativos são “o único caminho realmente humano e humanizador”. Para si, que dedicou uma tese de mestrado ao tema, o que falta concretizar para que possa existir, em Portugal, uma “sociedade paliativa” que privilegie a cultura da vida?
Eu diria antes uma “sociedade dos cuidados”. Necessitamos de mais formação, de mudar um bocado a mentalidade, sobretudo agora com a discussão da eutanásia. A doutora Isabel Galriça Neto dizia que é uma pena que estejamos a discutir a forma de acabar com a pessoa e não com o sofrimento. Nós devemos matar o sofrimento e não a pessoa. Andamos ao contrário e devíamos lutar para que isso acontecesse, mas não é fácil. Sabemos que existem custos, organização, uma política por trás que temos de ter em atenção.
Eu tenho uma imagem da minha mãe, de quando eu era pequeno. Lá, na aldeia, onde vivíamos, quando ela tinha dor de ouvidos ou de dentes era capaz de ‘subir paredes’, com muitas dores, e dizer para a matarem porque não conseguia aguentar mais aquilo. O hospital estava longe e, para quem vivia na aldeia, tudo isto era pior... De facto, ela estava a pedir para acabarem com a dor que tinha. Por vezes, confundimos isso. Se nós combatermos o sofrimento e a dor da pessoa, a pessoa muda mesmo de opinião. O cuidado do outro deve ser o principal – devemos começar por aí.

Identifica alguma medida concreta que pudesse ser implementada, a curto prazo, para ajudar no cuidado pelo outro?
Sim. Nós, que temos formação em Cuidados Paliativos, somos regularmente acusados de ser uma elite onde estamos todos a batalhar no mesmo, mas não é assim... Tivemos a formação e descobrimos que uma solução para as pessoas que estão em sofrimento passa por um maior investimento, que permita acelerar o processo dos doentes que esperam por uma vaga ou por apoio domiciliário. As pessoas estão em casa e a espera demora muito tempo. Quando a resposta chega, a pessoa já está farta de sofrer e desesperada porque se levou muito tempo a chegar.

No seu livro ‘Cuidados Paliativos – Diagnóstico e Intervenção espiritual’ foca a dimensão espiritual do doente. Como explica a importância que a assistência espiritual pode desempenhar para um doente em fim de vida?
É muito importante. Nós vemos a pessoa, sempre, de uma forma global. Diz-se, na Ordem de São João de Deus, seguindo a forma holística, que devemos cuidar do doente, e que o doente são todas as vertentes: físico, psicológico, social, espiritual, relacional. A pessoa é um todo, uma história, uma biografia que temos que cuidar e não é apenas um detalhe. Nos cuidados paliativos, vemos a pessoa toda. A parte espiritual também está aí e não tem a ver só com a parte religiosa. Pode ter ou não. No estágio que eu tive, durante o mestrado, vi que, muitas vezes, as pessoas não procuravam a parte religiosa, mas mais a parte espiritual: o sentido da vida, de estar bem consigo mesma. Nem sempre tinham descoberto essa parte religiosa... Mas, algumas, chegavam lá depois.
O livro fala de diagnóstico e intervenção espiritual. Tal como o psicólogo ou médico fazem o diagnóstico, também nós o devemos fazer. Para quê tudo isto? Para saber as necessidades da pessoa, quais os seus sofrimentos. Temos que saber o que a faz sofrer para intervir de acordo com isso. Por vezes, vamos dar solução a um problema que não existe porque o problema é outro. Por exemplo, não posso dizer para a pessoa ir rezar o terço se não acredita em Nossa Senhora ou que tem de ir à Missa todos os dias se isso nunca foi feito por ela. O que a pessoa precisa? Precisa de companhia, de alguém que esteja ao lado dela, que a escute, como ela é, com a sua história. E depois, sim, vamos a outro plano... O diagnóstico visa buscar a necessidade maior e a parte espiritual, no fim da vida da pessoa, é muito importante, porque tem a ver com questões muito sérias da vida.
  • Leia a entrevista completa na edição do dia 24 de novembro do Jornal VOZ DA VERDADE, disponível nas paróquias ou em sua casa.
Patriarcado de Lisboa

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