02 novembro, 2019

Nas catacumbas, Papa recorda os cristãos perseguidos, “mais do que nos primeiros séculos”

 
 
Na celebração no dia de Finados, o Santo Padre também chamou a atenção mais do que uma vez de que as Bem-Aventuranças e o Grande Protocolo (Mateus 25) são a nossa identidade de cristãos, "sem isto, não há identidade", e que "o lugar do cristão está nas mãos de Deus, chagadas de amor."
 
Cidade do Vaticano

Em 2018, a escolha do Santo Padre para a celebração dos Fiéis Defuntos recaiu sobre o Cemitério Laurentino, uma área de 27 hectares na zona rural de Roma, onde se deteve diante dos túmulos de crianças falecidas prematuramente por doenças, acidentes ou nunca nascidas, o chamado “Jardim dos Anjos”.

Desta vez, o Papa quis presidir a celebração Eucarística nas Catacumbas de Priscila, a “regina catacumbarum” como era denominado por todos os documentos topográficos e litúrgicos antigos o  cemitério dos mártires localizado na Vila Salária, em Roma.

O Papa Francisco não levou consigo nenhum texto preparado, tendo pronunciado a sua homilia de forma espontânea:

“A celebração da festa de todos os falecidos numa catacumba - para mim é a primeira vez na vida entro numa catacumba - é uma surpresa; e também nos diz muitas coisas. Podemos pensar na vida daquelas pessoas, que tinham de se esconder, que tinham esta cultura de sepultar os mortos e celebrar a Eucaristia aqui ... é um momento da história difícil, mas que não foi superado: também hoje existem. Existem tantas. Tantas catacumbas noutros países onde até mesmo devem fingir fazer festa ou um aniversário para celebrar a Eucaristia, porque naquele lugar é proibido fazê-lo: também hoje existem cristãos perseguidos, mais do que nos primeiros séculos. Mais! Isso - as catacumbas, a perseguição, aos cristãos - e estas leituras fazem-me pensar em três palavras: a identidade, o lugar e a esperança.

A identidade dessas pessoas que se reuniam aqui para celebrar a Eucaristia e para louvar o Senhor é a mesma dos nossos irmãos hoje em tantos, tantos países onde ser cristão é um crime, é proibido: eles não têm o direito. A mesma coisa. Esta é a identidade que ouvimos: são as Bem-Aventuranças. A identidade do cristão é esta: as Bem-Aventuranças. Não há outra. Se fazes isto, se vives assim, és um cristão. "Não, mas, veja, eu pertenço a esta associação, àquela outra ... e pertenço a este movimento ...": sim, sim, sim, todas as coisas belas. Mas estas são fantasias diante dessa realidade. A tua carteira de identidade é essa e, se não a tiveres, serão inúteis os movimentos ou outras pertenças. Ou vives assim ou não é cristão. Simplesmente: o Senhor disse isso. "Sim, mas não é fácil, não sei como viver assim ...": mas há outra passagem do Evangelho que nos ajuda a entender melhor isso, e também essa passagem do Evangelho será o "Grande Protocolo" com [segundo] o qual seremos julgados. É Mateus 25. Com estas duas passagens do Evangelho, as Bem-Aventuranças e o Grande Protocolo, nós mostraremos, vivendo isso, a nossa identidade de cristãos. Sem isto, não há identidade. Há uma pretensão de ser cristão, mas não uma identidade.

Esta é a identidade do cristão. A segunda palavra: o lugar. Essas pessoas que vinham aqui para se esconder, para estarem seguras, também para sepultar os mortos, aqui; aquelas pessoas que celebram hoje a Eucaristia em segredo, naqueles países onde é proibido - penso naquela freira da Albânia que estava num campo de reeducação, na época do comunismo, e era proibido aos sacerdotes darem os Sacramentos, e esta freira, ali, batizava em segredo. As pessoas, os cristãos, sabiam que aquela freira batizava e as mães aproximavam-se com as crianças; mas ela não tinha um copo, algo para colocar água ... Com os sapatos, tirava água do rio e batizava com sapatos. O lugar do cristão está em todo lado: nós não temos um lugar privilegiado na vida. Alguns querem tê-lo -  são cristãos qualificados. Mas eles correm o risco de permanecer com o "qualificados" e abandonar o "cristão". Os cristãos, qual é o lugar deles? "As almas dos justos estão nas mãos de Deus": o lugar do cristão está nas mãos de Deus, onde Ele quer. As mãos de Deus que são chagadas, que são as mãos de seu Filho que quis levar consigo as feridas para mostrá-las ao Pai e interceder por nós. O lugar do cristão é na intercessão de Jesus diante do Pai: nas mãos de Deus, e ali estamos seguros. Aconteça o que acontecer, mesmo a Cruz: mesmo, a nossa identidade diz que daremos graças se nos perseguirem, tudo o que disserem contra nós; mas se estivermos nas mãos de Deus chagadas de amor, estaremos seguros. Este é o nosso lugar.

E hoje podemos perguntar: mas eu, onde me sinto mais seguro? Nas mãos de Deus ou com outras coisas, com outras seguranças que nós "alugamos", mas que no final caem, que não têm consistência? Esses cristãos com esta carteira de identidade que viviam e vivem nas mãos de Deus, são homens e mulheres de esperança: e esta é a terceira palavra que me ocorre hoje: esperança.

Ouvimos na segunda leitura: aquela visão final onde tudo é feito novamente, tudo é recriado, aquela Pátria para onde todos nós iremos. E para entrar lá, não servem coisas estranhas, não servem atitudes sofisticadas: somente é necessário mostrar a carteira de identidade. Está tudo certo, vai em frente. A nossa esperança está no céu, a nossa esperança está ancorada lá e nós, com a corda nas mãos, sustentamo-mos olhando para aquela margem do rio que devemos atravessar.

Identidade: das Bem-Aventuranças e Mateus 25; lugar, o lugar mais seguro: nas mãos de Deus, chagadas de amor; esperança, o futuro: a âncora, ali, na outra margem, mas eu bem seguro à corda: isto é importante. Sempre agarrado à corda. Tantas vezes veremos apenas a corda, nem mesmo a âncora, nem mesmo a outra margem. Mas segura a corda porque chegarás em segurança.”

No final da celebração, o Papa Francisco retorna ao Vaticano e irá às Grutas da Basílica de São Pedro onde estão sepultados diversos Pontífices, para um momento de oração silenciosa. 

Testemunha da fé primitiva


As Catacumbas de Priscila são o testemunho da fé primitiva, com toda a sua beleza de decorações e símbolos. Escavada na rocha já entre o segundo e o quinto séculos - em ambientes preexistentes ocupados pelos túmulos da família dos Acili Glabrioni, à qual pertencia a nobre senhora Priscila, doadora do terreno -  a catacumba veio à luz no século XVI.

Estendendo-se por cerca de 13 km de galerias, tem vários níveis de profundidade, dos quais o mais antigo é o primeiro. Nele encontramos nichos e cubículos, isto é, túmulos de famílias ricas ou de mártires, e outro tipo nobre de túmulo, frequentemente decorado com pinturas com temas religiosos.

De facto, são muitas as representações valiosas inspiradas nas histórias bíblicas do Antigo e do Novo Testamento, que expressam a fé na salvação e na ressurreição prometida por Jesus.

Sobre as lápides dos túmulos, são frequentes os símbolos de grande importância para os cristãos dentre dos quais, o mais conhecido é o peixe, que encerra em si as cinco palavras "Jesus Cristo, filho de Deus Salvador", por meio das iniciais das cinco letras gregas que compõem a palavra "ICTUS", peixe.

De particular valor artístico é a "Capela Grega" e o nicho que contém a mais antiga imagem da Virgem Maria, com o Menino nos joelhos, e ao lado um profeta, que segura um pergaminho na mão esquerda e aponta para uma estrela com a mão direita, provavelmente representando a profecia de Balaão: "uma estrela nasce de Jacó e um ceptro nasce de Israel" (Nm 24,15-17). A presença do profeta indica no Menino o Messias o esperado há séculos.

VN

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