25 junho, 2016

Alicerces para a reconstrução da vida cristã - Homilia Papa em Gyumri




(RV) «Levantarão os antigos escombros, restaurarão as cidades destruídas» (Is 61, 4). Nestes lugares, amados irmãos e irmãs, podemos dizer que se realizaram as palavras do profeta Isaías, que ouvimos. Depois das devastações terríveis do terremoto, estamos aqui hoje para dar graças a Deus por tudo o que foi reconstruído.

Mas poderíamos também questionar-nos: Que nos convida o Senhor a construir hoje na vida? E sobretudo: Sobre que alicerce nos chama a construir a nossa vida? Procurando responder a esta pergunta, gostaria de propor-vos três alicerces estáveis sobre os quais podemos, incansavelmente, edificar e reedificar a vida cristã.

O primeiro alicerce é a memória. Uma graça que devemos pedir é a de saber recuperar a memória, a memória daquilo que o Senhor realizou em nós e por nós: trazer à mente que Ele, como diz o Evangelho de hoje, não nos esqueceu, mas «recordou-Se» (Lc 1, 72) de nós: escolheu-nos, amou-nos, chamou-nos e perdoou-nos; na nossa história pessoal de amor com ele, houve grandes acontecimentos que se devem reavivar com a mente e o coração. Mas há também outra memória a salvaguardar: a memória do povo. De facto, os povos têm uma memória, como as pessoas. E a memória do vosso povo é muito antiga e preciosa. Nas vossas vozes, ressoam as dos Santos sábios do passado; nas vossas palavras, há o eco de quem criou o vosso alfabeto, com a finalidade de anunciar a Palavra de Deus; nos vossos cânticos, misturam-se os gemidos e as alegrias da vossa história. Pensando em tudo isto, certamente podereis reconhecer a presença de Deus: Ele não vos deixou sozinhos. Mesmo no meio de adversidades tremendas, poderemos dizer, com o Evangelho de hoje, que o Senhor visitou o vosso povo (cf. Lc 1, 68): recordou-Se da vossa fidelidade ao Evangelho, das primícias da vossa fé, de todos aqueles que testemunharam, mesmo à custa do sangue, que o amor de Deus vale mais que a vida (cf. Sal 63, 4). É bom para vós poderdes lembrar, com gratidão, que a fé cristã se tornou a respiração do vosso povo e o coração da sua memória.

E a fé constitui também a esperança para o vosso futuro, a luz no caminho da vida, sendo ela o segundo alicerce de que gostaria de vos falar. Há sempre um perigo que pode fazer esmorecer a luz da fé: é a tentação de a reduzir a algo do passado, algo importante mas próprio de outros tempos, como se a fé fosse um belo livro de miniaturas que se deve conservar num museu. Mas ela, se for encerrada nos arquivos da história, perde a sua força transformadora, a sua vivacidade, a sua abertura positiva aos outros. Ao contrário, a fé nasce e renasce do encontro vivificante com Jesus, da experiência da sua misericórdia que ilumina todas as situações da vida. Far-nos-á bem reavivar cada dia este encontro vivo com o Senhor. Far-nos-á bem ler a Palavra de Deus e abrir-nos, em silenciosa oração, ao seu amor. Far-nos-á bem deixar que o encontro com a ternura do Senhor acenda a alegria no coração: uma alegria maior do que a tristeza, uma alegria que perdura mesmo no meio da dor, transformando-se em paz. Tudo isto renova a vida, torna-a livre e dócil às surpresas, pronta e disponível para o Senhor e para os outros. E pode acontecer também que Jesus nos chame a segui-Lo mais de perto, a entregar a vida a Ele e aos irmãos: se vos convidar, especialmente a vós jovens, não tenhais medo, dizei-Lhe «sim». Ele conhece-nos, ama-nos de verdade, e deseja libertar o coração dos fardos do medo e do orgulho. Abrindo espaço a Ele, tornamo-nos capazes de irradiar amor. Desta forma, podereis dar continuidade à vossa grande história de evangelização, de que a Igreja e o mundo precisam nestes tempos conturbados, mas que são também os tempos da misericórdia.

O terceiro alicerce, depois da memória e da fé, é precisamente o amor misericordioso: é sobre esta rocha, a rocha do amor recebido de Deus e oferecido ao próximo, que se baseia a vida do discípulo de Jesus. E é vivendo a caridade que rejuvenesce e se torna atraente o rosto da Igreja. O amor concreto é o cartão-de-visita do cristão: outras maneiras de se apresentar podem ser enganadoras e até inúteis, pois todos saberão que somos seus discípulos por isto: se nos amarmos uns aos outros (cf. Jo 13, 35). Somos chamados, antes de mais nada, a construir e reconstruir incansavelmente vias de comunhão, a edificar pontes de união e a superar as barreiras de separação. Que os crentes deem sempre o exemplo, colaborando entre si no respeito recíproco e no diálogo, sabendo que «a única competição possível entre os discípulos do Senhor é a de verificar quem é capaz de oferecer o amor maior» [João Paulo II, Homilia, 27 de setembro de 2001: Insegnamenti, XXIV/2 (2001), 478].

Na primeira leitura, o profeta Isaías recordou-nos que o espírito do Senhor repousa sobre quem leva a boa-nova aos miseráveis, cura as chagas dos corações despedaçados e consola os aflitos (cf. 61, 1-2). Deus habita no coração de quem ama; Deus habita onde se ama, especialmente onde se cuida, com coragem e compaixão, dos frágeis e dos pobres. Há tanta necessidade disto: há necessidade de cristãos que não se deixem abater pelas fadigas nem desanimem com as adversidades, mas estejam disponíveis e abertos, prontos a servir; há necessidade de homens de boa vontade que efetivamente, e não apenas em palavras, ajudem os irmãos e as irmãs em dificuldade; há necessidade de sociedades mais justas, onde cada um possa gozar de vida digna a começar por um trabalho justamente remunerado.

Entretanto poderíamos questionar-nos: Como é possível tornar-se misericordioso, com todos os defeitos e misérias que cada um vê dentro de si e ao seu redor? Gostaria aqui de me inspirar num exemplo concreto, num grande arauto da misericórdia divina, que propus à atenção de todos ao incluí-lo entre os Doutores da Igreja universal: São Gregório de Narek, palavra e voz da Arménia. É difícil encontrar alguém como ele, capaz de medir as misérias abissais que se podem esconder no coração do ser humano. Mas ele sempre colocou em diálogo as misérias humanas e a misericórdia de Deus, elevando uma ardente súplica feita de lágrimas e confiança no Senhor, «dador dos dons, a bondade por natureza (...), voz de consolação, anúncio de conforto, impulso de alegria, (...) ternura incomparável, misericórdia transbordante, (...) beijo de salvação» (Livro das lamentações, 3,1), na certeza de que «jamais é ofuscada pelas trevas da ira a luz da [sua] misericórdia» (ibid., 16, 1). Gregório de Narek é um mestre de vida, porque nos ensina que é importante, em primeiro lugar, reconhecermo-nos necessitados de misericórdia e depois, perante as misérias e as feridas que individuarmos, não nos fecharmos em nós mesmos mas abrir-nos, com sinceridade e confiança, ao Senhor, «Deus vizinho, ternura de Bondade» (ibid., 17, 2), «cheio de amor pelo homem, (...) fogo que queima o restolho do pecado» (ibid., 16, 2).

Por fim gostaria de invocar, com as suas palavras, a misericórdia divina e o dom de nunca nos cansarmos de amar: Espírito Santo, «poderoso protetor, intercessor e pacificador, nós Vos dirigimos as nossas súplicas (...). Concedei-nos a graça de nos estimularmos à caridade e às boas obras (...). Espírito de doçura, de compaixão, de amor pelo ser humano e de misericórdia, (...) Vós que nada mais sois senão misericórdia, (...) tende piedade de nós, Senhor nosso Deus, segundo a vossa grande misericórdia» (Hino de Pentecostes).

(DA)

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