14 março, 2019

Frei Cantalamessa: primeira pregação da Quaresma para a Cúria Romana

 
 Pregador da Casa Pontifícia, frei Raniero Cantalamessa  (ANSA)
 
O tema das pregações é “Retorne a si mesmo”, frase de Santo Agostino que convida a distanciar-se dos afazeres cotidianos e das distrações do mundo para reencontrar Deus no próprio coração. 
 
Cidade do Vaticano

Tem início, nesta sexta-feira (15/03), as pregações de Quaresma do pregador da Casa Pontifícia, frei Raniero Cantalamessa, para a Cúria Romana, na Capela  Redemptoris Mater, no Vaticano.

O tema das pregações é “Retorne a si mesmo”, frase de Santo Agostino que convida a distanciar-se dos afazeres cotidianos e das distrações do mundo para reencontrar Deus no próprio coração.

O convite de Santo Agostinho a voltar à própria interioridade, "In te ipsum redi", é extraído da obra “A verdadeira religião” e exorta a encontrar tempo e espaço para Deus a fim de ouvi-lo e despojar-se de si.

O ápice desse encontro é conhecer Deus na sua revelação suprema, Jesus crucificado, “amor que se doa até à imolação total”, explica o frei Cantalamessa.

Nas suas cinco pregações, que se realizarão todas as sextas-feiras até 12 de abril, o religioso capuchinho irá propor um itinerário para abrir espaço a Deus e colocar de lado o eu.

Frei Cantalamessa: As meditações da Quaresma pretendem prosseguir a reflexão que eu iniciei no Advento passado que tem origem no versículo de um Salmo: “A minha alma tem sede do Deus vivo”. É um colocar-se nos passos de Deus, não somente para descobrir a existência de Deus, mas perceber Deus, viver de forma consciente a sua presença. É como um despertar da consciência e não somente saber de modo abstrato que Deus existe, mas saber que está vivo, que está ao nosso lado. Neste contexto, o tema das pregações da Quaresma “Retorne a si mesmo”, frase de Santo Agostino, evidencia o lugar ou a condição para entrar em contacto com o Deus vivo, pois encontramos o Deus vivo na Eucaristia, na Palavra de Deus, mas também o encontramos no nosso coração. Portanto, como nos diz Agostinho, se não retornarmos a nós mesmos, se não nos afastarmos um pouco da exterioridade e do barulho, não poderemos encontrar o Deus vivo. A frase de Santo Agostino “Retorne a si mesmo” tem uma mensagem muito forte. Eu a coloquei como título, mas está num contexto de um tema mais amplo, o descobrir. A palavra que eu gosto é “perceber”, notar Deus.”

Como retornar a si mesmo?

Frei Cantalamessa: Algumas condições externas são sugeridas pelo Tempo da Quaresma, pois a Quaresma lembra-nos Jesus no deserto em oração e jejum. Encontrar um espaço de silêncio, de escuta da Palavra de Deus, participar numa função religiosa, fazer, se possível, um momento sozinho, por exemplo, voltando a casa, vindo do trabalho, entrar numa capela, numa igreja, numa altura em que não há missa, e ficar ali um momento, pois é necessário que interrompamos o fluxo que vem de fora através das cinco portas dos sentidos, caso contrário não podemos entrar em contacto com o nosso coração. Somos projetados para o externo, somos como uma centrífugadora contínua e constante.

Encontrar Deus, mas também ouvir. Qual a melhor modalidade?

Frei Cantalamessa: Ouvir Deus que nos fala através da consciência, como nestes momentos de reflexão, de solidão com Deus. Deus fala ao coração, continua a falar com as pessoas. Se Lhe dermos um pouco de tempo e espaço, o Espírito Santo inspira. Falamos das inspirações do Espírito Santo. Elas são uma maneira de Deus fazer-se presente. Depois, há o meio universal que é a Palavra de Deus. Portanto, ao participar na Liturgia, procurar uma palavra que sozinha seja capaz de acender em mim o pensamento de Deus, torná-Lo presente ou dedicar um momento para a leitura da Bíblia por conta própria, ouvir também uma pregação, porque não? Esta pode ser uma ocasião para voltar a si mesmo, porque o trabalho leva-nos sempre a lidar com negócios, problemas, mas precisamos de momentos em que nos desligamos, como se diz na linguagem atual, a fim de entrar em contacto com um outra dimensão.

O senhor sugerirá também a superação da auto-idolatria para se aproximar de Deus...

Frei Cantalamessa: Sim. O Deus vivo é a antítese perfeita das idolatrias, porque os ídolos estão mortos e, em vez disso, o Deus bíblico é um Deus vivo. Só que a idolatria não terminou com o paganismo que dava um nome aos ídolos: Vênus, Marte e assim por diante. Hoje, eles têm outros nomes, mas existem e se chamam: sexo, poder, violência... Mas, o meu interesse é por um ídolo universal que todos carregamos dentro, como um bezerro de ouro que infelizmente faz parte de nós desde o nascimento. É o nosso “eu”, o nosso egoísmo. Assim, nesta pregação dedicada à luta contra a idolatria, será abordada a idolatria dentro de nós, ou seja, colocar no lugar do “eu”, Deus. Existem apenas duas letras de diferença, mas na realidade há uma diferença infinita entre “eu” e Deus.

O senhor concluirá as suas pregações fazendo referência à Cruz de Cristo como revelação suprema de Deus...

Frei Cantalamessa: Concluí as pregações do Advento, falando do Verbo que se fez carne e se torna o revelador do Deus vivo. A última pregação falará da Cruz de Cristo, como o momento supremo em que Deus se revela pelo que Ele é, ou seja, amor, pois na encarnação Deus se faz homem, mas na Cruz, na Paixão de Cristo, descobre-se que o homem se torna Deus, que tipo de homem se torna Deus. É o Deus que na Cruz confunde a sabedoria com a tolice e o poder com a fraqueza, ou seja, o amor. A Cruz tem esse lugar central, uma árvore-mestre plantada na barca da Igreja, porque nela Deus se revela pelo que Ele é: amor que se doa até à imolação total.

VN

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