12 março, 2019

Exercícios espirituais: na Quaresma deixar que Deus restaure a nossa beleza

 
O Papa Francisco durante os Exercícios espirituai, em Ariccia  (ANSA)
 
Na terceira meditação oferecida ao Papa Francisco e à Cúria Romana nos Exercícios espirituais em Ariccia, o abade de São Miniato convidou com o poeta Luzi, a refletir sobre a indiferença, a doença das nossas cidades, e com La Pira sobre a erradicação da vida das metrópoles. “Falamos de beleza para os jovens. É o único modo com o qual se aceitam e aceitam os outros”.
 
Alessandro Di Bussolo, Mariângela Jaguraba – Cidade do Vaticano

Um convite a refletir sobre a indiferença, “proteção de si” para proteger-se dos outros e da responsabilidade para com a realidade, sobre a erradicação da vida da cidade, procurando a beleza e a medida que vem do ser amado por Deus e amá-lo também nós.

Este é o centro da terceira meditação oferecida, na manhã desta terça-feira (12/03), pelo abade de São Miniato ao Monte em Florença, Bernardo Francesco Maria Gianni, beneditino, ao Papa Francisco e aos seus colaboradores da Cúria Romana. O tema das reflexões do pregador “O presente de infâmia, de sangue e indiferença”, é extraído dos versos de Mario Luzi em “Felicità turbate”, a poesia dedicada à abadia florentina em dezembro de 1997.

Olhar paras as feridas da cidade

Quando ele escreve, recordou o abade beneditino, Luzi tem nos olhos o massacre perpetrado pela máfia quatro anos antes na Via dei Georgofili, as cinco vítimas inocentes e a destruição de “uma parte preciosa do centro artístico da nossa cidade”, disse ele.

“Somos convidados, a partir daquele evento dramático, a olhar, como sempre estamos a a procurar fazer, as feridas das cidades do mundo inteiro, até mesmo aquelas muito mais complexas e marcadas pelas injustiças de todos os tipos, em todo o nosso planeta, e fazê-lo com um olhar sobre a realidade que o nosso Papa nos ensinou, como prevalente respeito à ideia.
 
A indiferença, “proteção de si” para proteger-se dos outros
 
O pregador deteve-se num dos três “sinais do mal”, a indiferença, tão distante do “alcance caritativo” da poesia de Luzi e da ação política de Giorgio La Pira. A indiferença “que muitas vezes de forma subil paralisa o nosso coração, torna o nosso olhar” opaco, nebuloso. O que Charles Taylor descreveu como a “proteção do eu”.

É como se a nossa pessoa vestisse uma tela, da qual e com a qual se proteger dos outros, daquela responsabilidade que os problemas do nosso tempo solicitam, à luz daquela paixão evangélica que o Senhor quer acender com a força do seu Santo Espírito em nosso coração.
 
Olhar para a realidade sem sonhar cidades ideais
 
Citando o teólogo luterano Dietrich Bonhoeffer e a sua preocupação pela vida das gerações futuras, o abade Gianni sublinhou que deve estar no nosso coração a possibilidade de deixar para as novas gerações “um futuro melhor que o presente que vivemos, confiando nele, com um espírito radicalmente contrário à indiferença, mas todos movidos pela ardente participação”. Romano Guardini convidou-nos ontem, recordou o beneditino, a acolher o futuro com responsabilidade “realizando-o o mais próximo possível junto com o Senhor”:

Olhar para a realidade evidentemente sem sonhar cidades ideais ou utópicas de nenhum tipo. A utopia não é uma perspetiva autenticamente evangélica. A Jerusalém celeste, que o visionário do Apocalipse contempla, não é uma utopia: é de facto o conteúdo de uma promessa real e confiável que o Senhor dá às suas igrejas na provação.

“A ação da Igreja e dos homens e mulheres de boa vontade”, esclareceu o abade Bernardo Francesco Maria Gianni, “acredito que seja realmente essa fecundidade gerada pela escuta obediente e apaixonada do Evangelho da vida” de Jesus. E a poesia de Mario Luzi, segundo o pregador, restitui-nos a consciência “da tradição representada pelo fogo dos seus antigos santos”. É aquela brasa que “com a santidade do tempo presente”, “pode realmente voltar a inflamar para ser uma luz de esperança na noite das cidades do nosso mundo”.
 
A erradicação da pessoa da vida da cidade
 
O abade de São Miniato ao Monte relatou as palavras de La Pira num encontro de prefeitos do mundo inteiro, em 2 de outubro de 1955: a crise do nosso tempo, disse o prefeito de Florença, “é uma crise de desproporção e desmedida em relação ao que é verdadeiramente humano”.

“A crise do nosso tempo pode ser definida como a erradicação da pessoa do contexto orgânico - isto é, vivo, conetivo - da cidade. Bem, essa crise só pode ser resolvida através de uma nova radicação, mais profunda, mais orgânica, da pessoa na cidade em que nasceu e em cuja história e tradição está organicamente inserida”. 

Os remédios da beleza e medida

Deve ser vencida a tentação da indiferença, da “proteção de si”, da erradicação que também leva os homens da Igreja, a “sentirem-se estranhos, não interpelados pelo tecido vivo com as suas dificuldades, os  seus problemas, as suas contradições, que são as cidades onde somos chamados a levar, seja qual for o custo, a Palavra de Deus, encarnando-a”. Por isso, o pregador propõe os medicamentos da beleza e da medida: “Uma dimensão coral contra todo o individualismo, um grande testemunho que a Igreja não pode deixar de dar, com a sua índole radicalmente fraterna”. 

Santo Agostinho: amando a Deus tornamo-nos belos

Santo Agostinho, comentando a Primeira Carta de São João, “lembra-nos o que é a verdadeira beleza e como é recebida”. “Que fundamento”, diz Agostinho, “teremos para amar se Ele não nos tivesse amado primeiro? Amando, tornamo-nos amigos, mas Ele amou-nos quando éramos seus inimigos para nos tornar amigos”:

Novamente, a primazia de Deus, a anterioridade de seu agir, o nosso ser amados, ser feitos e ser decorados por sua beleza. Ele nos amou por primeiro e nos deu a capacidade de amá-lo: amando-o, nos tornamos belos.
 
Falar aos jovens da beleza, é a sua única medida
 
“Num mundo que olha muito para as aparências”, concluiu o pregador dos Exercícios ao Papa Francisco e à Cúria Romana, “a beleza é a única medida com a qual os jovens se aceitam e aceitam outros jovens”. Então, voltamos a Agostinho: “A nossa alma, irmãos, é feia por causa do pecado. Ela torna-se bonita amando a Deus”.

“Como seremos belos? Amando-Lhe porque Ele é sempre belo. Quanto mais cresce o amor em nós, cresce também a beleza, a caridade, de facto, a beleza da alma. No entanto, Agostinho reconhece que o Senhor Jesus, para nos dar a sua beleza, também se tornou feio, e o fez na cruz, aceitando aquela mudança também no seu corpo.”

VN

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