2019.03.07 - Missa na Capela da Casa de Santa Marta, no Vaticano
(Vatican Media)
Conservar a memória da história da salvação. Quando se volta para trás, corre-se risco de ter "um coração sem bússola": disse o Papa na Missa celebrada na manhã desta quinta-feira na Capela da Casa Santa Marta, no Vaticano
Debora Donnini - Cidade do Vaticano
Iniciar a Quaresma pedindo a graça da memória, de recordar aquilo que o Senhor fez na nossa vida. De facto, no caminho rumo ao encontro com Cristo ressuscitado é preciso estarmos atentos para não voltar para trás, a não ser surdos na alma e ao perigo da idolatria. Foi o que disse o Papa Francisco na manhã desta quinta-feira (07/03) na homilia da missa na casa de Santa Marta, no Vaticano. A sua reflexão partiu da Primeira Leitura do dia, extraída do Deuterómio. Trata-se de uma parte do discurso que Moisés fez ao povo para prepará-lo para entrar na Terra prometida, colocando-o diante de uma escolha entre a vida e a morte. “É um apelo à nossa liberdade”, explicou o Santo Padre detendo-se em particular sobre três palavras-chaves de Moisés: se “o teu coração se volta para trás”, “se tu não ouves” – segunda palavra – “e se te deixas levar a prostrar-te diante de outros deuses”.
“Quando o coração se volta para trás, quando toma uma estrada que não é a estrada justa – tanto atrás, como outra estrada, mas não vamos pela estrada justa – perdemos a orientação, perdemos a bússola, rumo à qual devemos seguir em frente. E um coração sem bússola é um perigo público; é um perigo para a pessoa e para os outros. E quando um coração toma essa estrada errada, é quando não ouve, é quando se deixa levar, conduzir-se pelos deuses, quando se torna idólatra.
Não ser surdos na alma
Mas nós não somos capazes de ouvir, “muitos surdos na alma”. “Também nós em algum momento tornamo-nos surdos na alma, não ouvimos o Senhor”, reiterou o Papa que advertiu também para os “fogos de artifício” que nos chamam, “os falsos deuses” que nos chamam à idolatria. E esse é o perigo ao longo da estrada, rumo à terra que foi prometida a todos nós: a terra do encontro com Cristo ressuscitado.”
A graça da memória, não cair na amnésia
E “a Quaresma ajuda-nos a caminhar nesta estrada”, prosseguiu o Papa recordando que “não ouvir o Senhor” e as promessas que nos fez, é perder a memória: é quando se perde “a memória das grandes coisas que o Senhor fez na nossa vida, que fez na sua Igreja, ao seu povo, e habituamos a caminharmos com as nossas forças”, com a nossa auto-suficiência. Portanto, Francisco exorta a iniciar a Quaresma pedindo “a graça da memoria”. Depois, retomou o discurso que Moisés dirigiu ao povo pouco antes, quando o exortou, uma vez chegado “àquela terra” que não conquistou, quando terá comido do trigo que não semeou, a recordar-se de “todo o caminho” que o Senhor lhe fez percorrer. Mas quando estamos bem, quando temos tudo ao alcance da nossa mão, “espiritualmente seguimos bem”, há o perigo de perder “a memória do caminho”:
“O bem-estar, inclusive o bem-estar espiritual tem este perigo: o perigo de cair numa certa amnésia, uma falta de memória: estou bem assim e me esqueço daquilo que o Senhor fez na minha vida, de todas as graças que nos deu e creio que é mérito meu e sigo em frente assim. E aí o coração começa a caminhar para trás, porque não ouve a voz do próprio coração: a memória. A graça da memória.”
Não voltar atrás
Evocou, de seguida, também uma passagem da Carta aos Hebreus que parece seguir o mesmo esquema, no qual se exorta a recordar “os primeiros dias”. “Perder a memória é muito comum”, ressaltou o Pontífice: também o povo de Israel perdeu a memória, porque no perder a memória há algo de seletivo: recordo aquilo que me convém agora e não recordo algo que me ameaça.” Por exemplo, o povo recordava no deserto que Deus o tinha salvado, “não podia esquecer isto”. Mas começou a lamentar-se pela falta de água e carne “e a pensar nas coisas que tinha no Egito”, como as cebolas. O Papa notou que porém se tratava de algo de “seletivo” porque “se esquece que todas essas coisas as comiam na mesa da escravidão”. De seguida, reiterou o convite à memória que nos coloca no caminho justo. É preciso “recordar para seguir adiante; não perder a história: a história da salvação, a história da minha vida, a história de Jesus comigo”. E não parar, não voltar atrás, não deixar-se levar pelos ídolos. A idolatria, efetivamente, “não é somente ir a um templo pagão e adorar uma estátua”.
“A idolatria é uma atitude do coração, quando preferes isto porque é mais cómodo para ti e não preferes o Senhor porque esqueceste-O. No início da Quaresma fará bem a todos pedir a graça de custodiar a memória, custodiar a memória do Senhor inteiramente, de tudo aquilo que o Senhor fez na minha vida: como me quis bem, como me amou.” E dessa recordação, continuar a seguir em frente. E nos fará bem também repetir continuamente o conselho de Paulo a Timóteo, o eu amado discípulo: ‘Recorda-te de Jesus Cristo ressuscitado dos mortos’. Repito: ‘Recorda-te de Jesus Cristo ressuscitado’, recorda-te de Jesus, Jesus que me acompanhou até agora e que me acompanhará até o momento no qual devo comparecer diante d’Ele, Jesus glorioso. O Senhor nos dê essa graça de conservar a memória.”
VN
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