04 março, 2019

O Papa: amor, alegria e sobriedade, três palavras para a santidade de todos os dias

 
 Livro LEV sobre a Quaresma  (Vatican Media)
 
O prefácio do Papa Francisco num livro que contém uma homilia de São João Crisóstomo sobre a Primeira Carta a Timóteo, na qual São Paulo convida o discípulo a beber vinho para a sua saúde. A criação é boa - disse o Papa -, mas é preciso saber aproveitá-la, como um presente precioso, para nos descobrirmos como amados e podermos alegrar-nos juntos.
 
Silvonei José - Cidade do Vaticano

Será publicado neste dia 6 de março, no início da Quaresma, o livro editado pela Lev (livraria Editora Vaticana) "Tome um pouco de vinho com moderação. A sobriedade cristã" realizado por Lucio Coco. O volume contém uma homilia de São João Crisóstomo sobre a passagem da Primeira Carta a Timóteo, na qual o apóstolo Paulo convida o discípulo a beber "um pouco de vinho, por causa do estômago e das [...] tuas fraquezas frequentes" (1 Tm 5,23). O prefácio do livro é do Papa, que indica algumas dimensões fundamentais da vida do cristão. Algumas passagens do texto de Francisco. 

Três palavras para a santidade da vida cotidiana
 
A vida cristã consiste em descobrir-mo-nos amados por Deus Pai de maneira incondicional e gratuita. Esta é a boa nova do Evangelho que Jesus nos proclamou e testemunhou "até o fim" (Jo 13: 1), mas que se tornou uma realidade para cada um de nós no dia de Pentecostes (cfr. Atos 2: 1,13) - e no pentecostes pessoal de cada um de nós que é o Batismo - quando o Espírito Santo, o Amor Infinito do Pai pelo Seu Filho, foi derramado nos nossos corações. Somos verdadeiramente amados como o Filho Jesus, verdadeiros filhos do Pai, autênticos irmãos e irmãs uns para com os outros.

Acolher este dom gratuito transforma a vida e, acima de tudo, transforma o nosso olhar sobre a vida, sobre nós mesmos, sobre os outros, sobre o presente, sobre o passado, e sobretudo, sobre o tempo que nos espera: o amor grande com o qual somos amados (ver Ef 2, 4) manifesta-se como aquela luz quente e forte que cobre a vida, a realidade e os relacionamentos. Como num dia ensolarado a natureza e até mesmo as nossas cidades, se tornam mais belas. Assim a fé e o acolhimento do amor do Senhor revelam como cada detalhe da nossa existência é precioso, único, irrepetível, apesar dos problemas, dificuldades e as nossas inconsistências. É também por esta razão que iniciei a minha exortação apostólica sobre a santidade com este convite, extraído do Evangelho de Mateus (5:12): Gaudete et exultate (alegrem-se e exultem). A alegria, que é certamente diferente da euforia, é o sentimento de um coração banhado pelo amor - mesmo no meio das provações da vida - e é uma das características autênticas da verdadeira santidade, também da pessoa "que vive ao nosso lado".

É uma alegria autêntica, simples, que permite desfrutar a oportunidade do bem que a vida nos oferece, que se manifesta, entre outras coisas, numa boa refeição partilhada, num olhar de compreensão e apoio, e - por que não? - num brinde de aniversário ou numa conquista de um amigo... Refiro-me à alegria que se vive em comunhão, a alegria que se partilha e se participa, porque "se é mais feliz no dar do que no receber" (Atos 20,35). O amor fraterno multiplica a nossa capacidade de alegria, pois permite-nos desfrutar do bem dos outros.

Às vezes, porém, até mesmo nós, os cristãos, demostramos não saber ainda alegrar-mo-nos verdadeiramente pelas coisas da vida ou porque corremos atrás dos prazeres ocasionais e fugazes, ou vice-versa, porque, encontrando-nos vítimas de um certo rigor, somos tentados a não mudar, deixar as coisas como estão, a escolher o imobilismo, impedindo assim a ação do Espírito, que traz consigo a novidade da alegria. A alegria, portanto, é um fruto do discernimento no Espírito Santo, que consiste precisamente na constante arte de preferir o nós ao eu., as pessoas às coisas, apesar dos inumeráveis ​​enganos que o mal e o egoísmo nos tendem.

De facto, essa alegria - que é uma verdadeira graça -, deve ser conservada e protegida, assim como é o caso da fé, das amizades, dos relacionamentos: enfim, como todas as coisas importantes da vida. É uma sábia atitude espontânea que todos temos: quando há algo de valor, afetivo ou económico, temos um cuidado especial e é correto que seja assim.
A alegria do amor de Deus derramado no coração pelo Espírito Santo conserva-se através da sobriedade, que é a capacidade de subjugar o desejo do prazer e satisfação pessoal à medida do que é correto e dos relacionamentos interpessoais. Na verdade, ninguém se salva sozinho, como um indivíduo isolado, mas Deus atrai-nos levando em conta a rede complexa de relações interpessoais que se estabelecem na comunidade humana.

Este livro contém uma breve homilia de São João Crisóstomo, um Padre da Igreja do século IV, famoso pela sua capacidade oratória, sepultado na Basílica de São Pedro, no Vaticano, onde ele comenta uma breve passagem da Primeira Carta de São Paulo a Timóteo, em que ele o convidava a beber "um pouco de vinho, por causa do estômago e das [...] fraquezas frequentes" (1 Tim 5,23). Assim, São João Crisóstomo tem a oportunidade de ensinar aos fiéis que a criação é boa mas é preciso saber aproveitá-la, para descobrir que foi feita para nós, para o nosso bem, como um presente precioso, para que nos descubramos amados e possamos alegrar-nos juntos.

Também São Francisco de Assis, que sofria de um mal-estar no estômago, e como os frades do convento não tinham vinho, abençoou um copo de água que milagrosamente se tornou um bom vinho que o ajudou a recuperar as forças.

A sobriedade, então, e a alegria são duas atitudes que eu acredito podem ajudar-nos a viver a Quaresma com vista na Páscoa, que é precisamente a celebração da nossa ressurreição com Cristo, a nossa vida nova, celebrada de uma vez por todas no Batismo, e renovada especialmente em cada Vigília Pascal. O que é a vida de Cristo em nós se não uma vitória do amor sobre os nossos medos e preocupações por nós mesmos, o que nos permite, por sua vez ser um presente, simples e cotidiano, nas pequenas coisas, para o Senhor e para os irmãos? "A comunidade que preserva os pequenos detalhes de amor, onde os membros cuidam uns dos outros e formam um espaço aberto e evangelizador, é o lugar da presença do Ressuscitado que vai santificando de acordo com o projeto do Pai".

Foi isto que escrevi na exortação Gaudete et Exultate, quando recordava uma passagem dos escritos de Santa Teresa do Menino Jesus:

Certa noite de inverno, realizava como de costume o meu pequeno serviço [...] ouvi de repente, ao longe, o som harmonioso de um instrumento musical: imaginei um salão bem iluminado, todo esplendente de ouro, jovens elegantemente vestidas que reciprocamente faziam cumprimentos e saudações mundanas; então o meu olhar caiu sobre a pobre mulher doente que eu estava a ajudar; em vez de uma melodia, às vezes ouvia os seus gemidos tristes [...]. Não posso exprimir o que aconteceu na minha alma, o que sei é que o Senhor a iluminou com os raios da verdade que superam o esplendor tenebroso das festas da terra, que não podia acreditar na minha felicidade.

VN

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