Exercícios Espirituais na Casa del Divin Maestro, Ariccia
(ANSA)
Na meditaço de
terça-feira à tarde (12/03) oferecida ao Papa Francisco e à Cúria Romana
para os Exercícios Espirituais desta Quaresma, o abade de São Miniato
convida a ver a vida como uma “expressão não de nós mesmos”, mas como um
testemunho “ao serviço da Palavra de Deus”
Cidade do Vaticano
Para entender como o homem contemporâneo vive a sua relação com o
tempo, é útil recorrer às reflexões do sociólogo francês Marc Augé,
segundo o qual hoje “o mundo está assolado por uma ideologia do
presente”. O presente não é mais “o lento êxito da progressão do
passado, não deixa mais entrever um esboço do futuro”. É nesta
perspetiva que se coloca a quarta meditação do abade de São Miniato no
Monte em Florença, Bernardo Francesco Maria Gianni, beneditino olivetano, ao Papa Francisco
e aos seus colaboradores da Cúria Romana para os exercícios espirituais
desta Quaresma em Ariccia. O presente é “hegemónico”: memória e
esperança – sublinha o abade – são atrofiadas por este presente”.
É cansativo criar uma memória
O diagnóstico de Marc Augé “relativo a uma verdadeira ditadura do
incerto presente” é a confirmação de uma “verdadeira patologia do homem
contemporâneo”, “desmantelado por um pragmatismo tecnológico e
dominante”. Nesta hegemonia do presente, continua o abade, é “cansativo
criar uma memória”: “É difícil recordar, ou seja, reconduzir ao coração,
um coração finalmente atento e agradecido, os eventos do passado”. O
cansaço da memória, sublinha, é o “cansaço de uma perseverança, é o
cansaço da perseverança em permanecer no tempo, na História”. O abade
que se inspira também nas palavras do poeta Mario Luzi e na ação
política de Giorgio La Pira, indica o caminho da memória como o caminha
que leva para o futuro.
Façam isto em memória de mim
Referindo-se a esta fundamental dimensão da memória, o abade recorda em particular o que o Papa Francisco escreve na Exortação Evangelium Gaudium:
“A memória é uma dimensão da nossa fé, que, por analogia com a memória
de Israel, poderíamos chamar ‘deuteronómica’. Jesus deixa-nos a
Eucaristia como memória quotidiana da Igreja, que nos introduz cada vez
mais na Páscoa (cf. Lc 22, 19). A alegria evangelizadora refulge sempre
sobre o horizonte da memória agradecida: é uma graça que precisamos de
pedir”.
Testemunho eclesial
A memória, explica o monge beneditino, apresenta-nos uma verdadeira
“multidão de testemunhas”. Entre elas, há “algumas pessoas que marcaram
de modo especial o germinar da nossa alegria de crentes”:
E então a Igreja e, no meu pequeno caso, o mosteiro ao qual
pertenço, são lugares para a cidade nos quais percebe-se a
possibilidade, principalmente para as novas gerações, de restabelecer o
passado, o presente e o futuro em novos horizontes de esperança; noutras
palavras, as nossas igrejas sabem ser espaços nos quais quem entra
percebe a vivacidade, a vitalidade da vivência de uma vida arreigada na
memória da Páscoa do Senhor Jesus.
Então, o abade propõe uma pergunta crucial: será que os jovens
percebem “no nosso testemunho eclesial, uma memória confiável, que
inspire um futuro do mesmo modo confiável?”
A beleza da memória
Para o benditino o caminho a ser tomado é o que mostra a beleza da memória:
Vencendo o pessimismo, encaminhados para a esperança procuramos
sempre novos caminhos de fidelidade ao Senhor, enriquecidos pela linfa
que nos chega da tradição, mas sem medo. Devemos mostrar – dizia São
João Paulo II – aos homens a beleza da memória, a força que nos vem do
Espírito e que nos faz testemunhas porque somos filhos de testemunhas,
nos faz provar maravilhas que o Espírito espalhou na História.
Quanto é importante, acrescenta o abade beneditino, que nas
comunidades eclesiais os jovens “sintam uma tradição que os encaminha à
vida, com estas belíssimas perspectivas nas quais não estamos mais
sozinhos”.
O único evento é a Páscoa do Senhor
Hoje, recorda o abade, “qualquer facto que aconteça ou qualquer
manifestação é um evento”. Mas nesta perspectiva, adverte, perde-se de
vista o que seja um verdadeiro Evento:
Voltar à grande experiência da traditio, vivificada por uma
memória viva e criativa e principalmente importantíssima experiência
para nós, diria irrenunciável, fonte e ápice da nossa vida que é a
liturgia e de modo particular a Eucaristia, deveria deixar-nos
desconfiados do uso excessivo da palavra evento, porque para nós, de
facto, o único evento é realmente a Páscoa do Senhor Jesus.
A memória cotidiana
O abade Bernardo conclui a sua meditação com um pensamento que tem o sabor de oração:
Que este nosso exercício cotidiano de memória através da escuta da
Palavra de Deus, a celebração litúrgica, a liturgia das horas, torne a
nossa existência officium laudis, para que o nosso testemunho volte realmente a unir o homem e a mulher do nosso tempo numa nova
aliança com o presente que Deus nos doa e assim conduzir toda a
humanidade sem medo, sem nostalgias e sem hesitações para aquele futuro
que o Senhor prepara para nós.
VN
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