13 março, 2019

Exercícios espirituais: mostremos a beleza da memória

 
 Exercícios Espirituais na Casa del Divin Maestro, Ariccia  (ANSA)
 
Na meditaço de terça-feira à tarde (12/03) oferecida ao Papa Francisco e à Cúria Romana para os Exercícios Espirituais desta Quaresma, o abade de São Miniato convida a ver a vida como uma “expressão não de nós mesmos”, mas como um testemunho “ao serviço da Palavra de Deus”
 
Cidade do Vaticano

Para entender como o homem contemporâneo vive a sua relação com o tempo, é útil recorrer às reflexões do sociólogo francês Marc Augé, segundo o qual hoje “o mundo está assolado por uma ideologia do presente”. O presente não é mais “o lento êxito da progressão do passado, não deixa mais entrever um esboço do futuro”. É nesta perspetiva que se coloca a quarta meditação do abade de São Miniato no Monte em Florença, Bernardo Francesco Maria Gianni, beneditino olivetano, ao Papa Francisco e aos seus colaboradores da Cúria Romana para os exercícios espirituais desta Quaresma em Ariccia. O presente é “hegemónico”: memória e esperança – sublinha o abade – são atrofiadas por este presente”.

É cansativo criar uma memória

O diagnóstico de Marc Augé “relativo a uma verdadeira ditadura do incerto presente” é a confirmação de uma “verdadeira patologia do homem contemporâneo”, “desmantelado por um pragmatismo tecnológico e dominante”. Nesta hegemonia do presente, continua o abade, é “cansativo criar uma memória”: “É difícil recordar, ou seja, reconduzir ao coração, um coração finalmente atento e agradecido, os eventos do passado”. O cansaço da memória, sublinha, é o “cansaço de uma perseverança, é o cansaço da perseverança em permanecer no tempo, na História”. O abade que se inspira também nas palavras do poeta Mario Luzi e na ação política de Giorgio La Pira, indica o caminho da memória como o caminha que leva para o futuro.

Façam isto em memória de mim

Referindo-se a esta fundamental dimensão da memória, o abade recorda em particular o que o Papa Francisco escreve na Exortação Evangelium Gaudium: “A memória é uma dimensão da nossa fé, que, por analogia com a memória de Israel, poderíamos chamar ‘deuteronómica’. Jesus deixa-nos a Eucaristia como memória quotidiana da Igreja, que nos introduz cada vez mais na Páscoa (cf. Lc 22, 19). A alegria evangelizadora refulge sempre sobre o horizonte da memória agradecida: é uma graça que precisamos de pedir”.  

Testemunho eclesial
 
A memória, explica o monge beneditino, apresenta-nos uma verdadeira “multidão de testemunhas”. Entre elas, há “algumas pessoas que marcaram de modo especial o germinar da nossa alegria de crentes”:

E então a Igreja e, no meu pequeno caso, o mosteiro ao qual pertenço, são lugares para a cidade nos quais percebe-se a possibilidade, principalmente para as novas gerações, de restabelecer o passado, o presente e o futuro em novos horizontes de esperança; noutras palavras, as nossas igrejas sabem ser espaços nos quais quem entra percebe a vivacidade, a vitalidade da vivência de uma vida arreigada na memória da Páscoa do Senhor Jesus.

Então, o abade propõe uma pergunta crucial: será que os jovens percebem “no nosso testemunho eclesial, uma memória confiável, que inspire um futuro do mesmo modo confiável?” 

A beleza da memória
 
Para o benditino o caminho a ser tomado é o que mostra a beleza da memória:

Vencendo o pessimismo, encaminhados para a esperança procuramos sempre novos caminhos de fidelidade ao Senhor, enriquecidos pela linfa que nos chega da tradição, mas sem medo. Devemos mostrar – dizia São João Paulo II – aos homens a beleza da memória, a força que nos vem do Espírito e que nos faz testemunhas porque somos filhos de testemunhas, nos faz provar maravilhas que o Espírito espalhou na História.

Quanto é importante, acrescenta o abade beneditino, que nas comunidades eclesiais os jovens “sintam uma tradição que os encaminha à vida, com estas belíssimas perspectivas nas quais não estamos mais sozinhos”. 

O único evento é a Páscoa do Senhor

Hoje, recorda o abade, “qualquer facto que aconteça ou qualquer manifestação é um evento”. Mas nesta perspectiva, adverte, perde-se de vista o que seja um verdadeiro Evento:

Voltar à grande experiência da traditio, vivificada por uma memória viva e criativa e principalmente importantíssima experiência para nós, diria irrenunciável, fonte e ápice da nossa vida que é a liturgia e de modo particular a Eucaristia, deveria deixar-nos desconfiados do uso excessivo da palavra evento, porque para nós, de facto, o único evento é realmente a Páscoa do Senhor Jesus. 

A memória cotidiana

O abade Bernardo conclui a sua meditação com um pensamento que tem o sabor de oração:

Que este nosso exercício cotidiano de memória através da escuta da Palavra de Deus, a celebração litúrgica, a liturgia das horas, torne a nossa existência officium laudis, para que o nosso testemunho  volte realmente a unir o homem e a mulher do nosso tempo numa nova aliança com o presente que Deus nos doa e assim conduzir toda a humanidade sem medo, sem nostalgias e sem hesitações para aquele futuro que o Senhor prepara para nós.

VN

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