Laudato si’: um “guia”
(RV) Este texto oferece um instrumento de suporte para uma primeira
leitura da Encíclica, ajudando a compreender o seu desenrolar na
totalidade e a identificar as linhas principais. As primeiras duas
páginas apresentam a Laudato si’ na sua globalidade; depois, cada página
corresponde a um capítulo, indica seu objetivo e reproduz alguns
trechos significativos. Os números entre parêntesis remetem aos
parágrafos da Encíclica. As últimas duas páginas oferecem o índice
completo.
Um olhar por inteiro
«Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?» (160). Este interrogativo é o âmago da Laudato si’, a
esperada Encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado da casa comum.
Que prossegue: «Esta pergunta não toca apenas o meio ambiente de maneira
isolada, porque não se pode pôr a questão de forma fragmentária», e
isso conduz a interrogar-se sobre o sentido da existência e sobre os
valores que estão na base da vida social: « Para que viemos a esta vida?
Para que trabalhamos e lutamos? Que necessidade tem de nós esta
terra?»: « Se não pulsa nelas esta pergunta de fundo,– diz o Pontífice
– não creio que as nossas preocupações ecológicas possam surtir
efeitos importantes».
O nome da Encíclica foi inspirado na invocação de São Francisco
«Louvado sejas, meu Senhor», que no Cântico das criaturas recorda que a
terra, a nossa casa comum, « se pode comparar ora a uma irmã, com quem
partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus
braços» (1). Nós mesmos «somos terra (cfr Gen 2,7). O nosso corpo é
constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar e a
sua água vivifica-nos e restaura-nos» (2).
Agora, esta terra maltratada e saqueada se lamenta e os seus gemidos
se unem aos de todos os abandonados do mundo. O Papa Francisco convida a
ouvi-los, exortando todos e cada um – indivíduos, famílias,
coletividades locais, nações e comunidade internacional – a uma
«conversão ecológica», segundo a expressão de São João Paulo II, isto é,
a «mudar de rumo», assumindo a beleza e a responsabilidade de um
compromisso para o «cuidado da casa comum». Ao mesmo tempo, o Papa
Francisco reconhece que se nota « uma crescente sensibilidade
relativamente ao meio ambiente e ao cuidado da natureza, e cresce uma
sincera e sentida preocupação pelo que está a acontecer ao nosso
planeta. » (19), legitimando um olhar de esperança que permeia toda a
Encíclica e envia a todos uma mensagem clara e repleta de esperança: « A
humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da
nossa casa comum. » (13); «o ser humano ainda é capaz de intervir de
forma positiva » (58); «nem tudo está perdido, porque os seres humanos,
capazes de tocar o fundo da degradação, podem também superar-se, voltar a
escolher o bem e regenerar-se » (205).
O Papa Francisco se dirige certamente aos fiéis católicos,
retomando as palavras de São João Paulo II: « os cristãos, em
particular, advertem que a sua tarefa no seio da criação e os seus
deveres em relação à natureza e ao Criador fazem parte da sua fé » (64),
mas se propõe « especialmente entrar em diálogo com todos acerca da
nossa casa comum » (3): o diálogo percorre todo o texto, e no
cap. 5 se torna o instrumento para enfrentar e resolver os problemas.
Desde o início, o Papa Francisco recorda que também «outras Igrejas e
Comunidades cristãs – bem como noutras religiões – se tem desenvolvido
uma profunda preocupação e uma reflexão valiosa» sobre o tema da
ecologia (7). Ou melhor, assume explicitamente sua contribuição a partir
do que foi dito pelo «amado Patriarca Ecuménico Bartolomeu» (7),
amplamente citado nos nn. 8‐9. Em vários trechos, o Pontífice agradece
aos protagonistas deste esforço – seja indivíduos, seja associações ou
instituições –, reconhecendo que «a reflexão de inúmeros cientistas,
filósofos, teólogos e organizações sociais que enriqueceram o pensamento
da Igreja sobre estas questões» (7) e convida todos a reconhecer «a
riqueza que as religiões possam oferecer para uma ecologia integral e o
pleno desenvolvimento do género humano» (62).
O itinerário da Encíclica é traçado no n. 15 e se desenvolve em
seis capítulos. Passa-se de uma análise da situação a partir das
melhores aquisições científicas hoje disponíveis (cap. 1), ao confronto
com a Bíblia e a tradição judaico-cristã (cap. 2), identificando a raiz
dos problemas (cap. 3) na tecnocracia e num excessivo fechamento
autorreferencial do ser humano. A proposta da Encíclica (cap. 4) é a de
uma «ecologia integral, que inclua claramente as dimensões humanas e
sociais» (137), indissoluvelmente ligadas com a questão ambiental.
Nesta perspectiva, o Papa Francisco propõe (cap. 5) empreender em todos
os níveis da vida social, econômica e política um diálogo honesto, que
estruture processos de decisão transparentes, e recorda (cap. 6) que
nenhum projeto pode ser eficaz se não for animado por uma consciência
formada e responsável, sugerindo ideias para crescer nesta direção em
nível educativo, espiritual, eclesial, político e teológico. O texto se
conclui com duas orações, uma oferecida à partilha com todos os que
acreditam num «Deus Criador Omnipotente» (246), e outra proposta aos que
professam a fé em Jesus Cristo, ritmada pelo refrão «Laudato si’», com o
qual a Encíclica se abre e se conclui.
O texto é atravessado por alguns eixos temáticos, analisados por uma
variedade de perspectivas diferentes, que lhe conferem uma forte
unidade: «a relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta, a
convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a
crítica do novo paradigma e das formas de poder que derivam da
tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de entender a economia e
o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da
ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave
responsabilidade da política internacional e local, a cultura do
descarte e a proposta dum novo estilo de vida » (16).
Primeiro Capítulo – O que está a acontecer à nossa casa
O capítulo apresenta as mais recentes
aquisições científicas em matéria ambiental como modo de ouvir o grito
da criação, « transformar em sofrimento pessoal aquilo que acontece ao
mundo e, assim, reconhecer a contribuição que cada um lhe pode dar »
(19). Enfrentam-se assim «vários aspectos da actual crise ecológica»
(15).
As mudanças climáticas: « As mudanças climáticas são um problema
global com graves implicações ambientais, sociais, económicas,
distributivas e políticas, constituindo actualmente um dos principais
desafios para a humanidade» (25). Se « o clima é um bem comum, um bem de
todos e para todos » (23), o impacto mais pesado da sua alteração recai
sobre os mais pobres, mas muitos «daqueles que detêm mais recursos e
poder económico ou político parecem concentrar-se sobretudo em mascarar
os problemas ou ocultar os seus sintomas » (26): «a falta de reacções
diante destes dramas dos nossos irmãos e irmãs é um sinal da perda do
sentido de responsabilidade pelos nossos semelhantes, sobre o qual se
funda toda a sociedade civil » (25).
A questão da água: O Pontífice afirma claramente que « o acesso à
água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e
universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é
condição para o exercício dos outros direitos humanos ». Privar os
pobres do acesso à água significa « negar-lhes o direito à vida radicado
na sua dignidade inalienável » (30).
A preservação da biodiversidade: « Anualmente, desaparecem
milhares de espécies vegetais e animais que já não poderemos conhecer
mais, que os nossos filhos não poderão ver, perdidas para sempre»
(33). Não são somente eventuais “recursos” exploráveis, mas têm um
valor em si mesmos. Nesta perspectiva, « são louváveis e, às vezes,
admiráveis os esforços de cientistas e técnicos que procuram dar solução
aos problemas criados pelo ser humano », mas a intervenção humana,
quando se coloca a serviço da finança e do consumismo, « faz com que
esta terra onde vivemos se torne realmente menos rica e bela, cada vez mais limitada e cinzenta » (34).
A dívida ecológica: no âmbito de uma ética das relações
internacionais, a Encíclica indica que existe «uma verdadeira “dívida
ecológica”» (51), sobretudo do Norte em relação ao Sul do mundo.
Diante das mudanças climáticas, existem «responsabilidades
diversificadas» (52), e as dos países desenvolvidos são maiores.
Consciente das profundas divergências quanto a essas problemáticas, o
Papa Francisco se mostra profundamente impressionado com a
«fraqueza das reacções» diante dos dramas de tantas pessoas e
populações. Embora não faltem exemplos positivos (58), sinaliza «um
certo torpor e uma alegre irresponsabilidade » (59). Faltam uma
cultura adequada (53) e a disponibilidade em mudar estilos de vida,
produção e consumo (59), enquanto é urgente «criar um sistema normativo
[...] que inclua limites invioláveis e assegure a protecção dos
ecossistemas » (53).
Segundo capítulo – O Evangelho da criação
Para enfrentar as problemáticas
ilustradas no capítulo precedente, o Papa Francisco relê as narrações da
Bíblia, oferece uma visão global oriunda da tradição judaico-cristã e
articula a «tremenda responsabilidade» (90) do ser humano diante da
criação, o elo íntimo entre todas as criaturas e o fato de que «o meio
ambiente é um bem colectivo, património de toda a humanidade e
responsabilidade de todos» (95).
Na Bíblia, «o Deus que liberta e salva é o mesmo que criou o
universo. [...] n’Ele se conjugam o carinho e a força » (73). A
narração da criação é central para refletir sobre a relação entre o ser
humano e as outras criaturas e sobre como o pecado rompe o equilíbrio de
toda a criação no seu conjunto: «Essas narrações sugerem que a
existência humana se baseia sobre três relações fundamentais intimamente
ligadas: as relações com Deus, com o próximo e com a terra. Segundo a
Bíblia, essas três relações vitais romperam-se não só exteriormente, mas
também dentro de nós. Esta ruptura é o pecado» (66).
Por isso, mesmo que nós « cristãos, algumas vezes interpretámos de
forma incorrecta as Escrituras, hoje devemos decididamente rejeitar que,
do facto de ser criados à imagem de Deus e do mandato de dominar a
terra, se deduza um domínio absoluto sobre as outras criaturas» (67). Ao
ser humano cabe a responsabilidade de «“cultivar e guardar” o jardim
do mundo (cfr Gen 2,15)» (67), sabendo que «o fim último das
restantes criaturas não somos nós. Mas todas avançam, juntamente
connosco e através de nós, para a meta comum, que é Deus » (83).
Que o ser humano não seja o dono do universo, «não significa igualar
todos os seres vivos e tirar ao ser humano aquele seu valor peculiar »
que o caracteriza; « também não requer uma divinização da terra, que nos
privaria da nossa vocação de colaborar com ela e proteger a sua
fragilidade » (90). Nesta perspectiva, « todo o encarniçamento contra
qualquer criatura «é contrário à dignidade humana» » (92), mas « não
pode ser autêntico um sentimento de união íntima com os outros seres da
natureza, se ao mesmo tempo não houver no coração ternura, compaixão e
preocupação pelos seres humanos » (91). Necessita-se da consciência de
uma comunhão universal: « criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por
laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, […]que nos
impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde » (89).
O coração da revelação cristã conclui o Capítulo: «Jesus terreno»
com a «sua relação tão concreta e amorosa com o mundo»
«ressuscitado e glorioso», está «presente em toda a criação com o seu
domínio universal » (100).
Terceiro capítulo – A raiz humana da crise ecológica
Este capítulo apresenta uma análise
da situação atual, «de modo a individuar não apenas os seus sintomas,
mas também as causas mais profundas» (15), em um diálogo com a filosofia
e as ciências humanas.
Um primeiro fulcro do capítulo são as reflexões sobre a tecnologia: é
reconhecida, com gratidão, a sua contribuição para o melhoramento das
condições de vida (102-103); todavia ela oferece «àqueles que detêm o
conhecimento e sobretudo o poder económico para o desfrutar, um domínio
impressionante sobre o conjunto do género humano e do mundo inteiro»
(104). São precisamente as lógicas de domínio tecnocrático que levam a
destruir a natureza e explorar as pessoas e as populações mais
vulneráveis. «O paradigma tecnocrático tende a exercer o seu domínio
também sobre a economia e a política» (109), impedindo reconhecer que «o
mercado, por si mesmo[...] não garante o desenvolvimento humano
integral nem a inclusão social» (109).
Na raiz se diagnostica na época moderna um excesso de
antropocentrismo (116): o ser humano não reconhece mais sua correta
posição em relação ao mundo e assume uma posição autorreferencial,
centrada exclusivamente em si mesmo e no próprio poder. Deriva então uma
lógica do «descartável» que justifica todo tipo de descarte, ambiental
ou humano que seja, que trata o outro e a natureza como um simples
objeto e conduz a uma miríade de formas de dominação. É a lógica que
leva a explorar as crianças, a abandonar os idosos, a reduzir os outros à
escravidão, a superestimar a capacidade do mercado de se autorregular, a
praticar o tráfico de seres humanos, o comércio de peles de animais em
risco de extinção e de “diamantes ensanguentados”. É a mesma lógica de
muitas máfias, dos traficantes de órgãos, do tráfico de drogas e do
descarte de crianças porque não correspondem ao desejo de seus pais.
(123)
Nesta luz, a encíclica aborda duas questões cruciais para o mundo de
hoje. Antes de tudo, o trabalho: «Em qualquer abordagem de ecologia
integral que não exclua o ser humano, é indispensável incluir o valor do
trabalho» (124), bem como «renunciar a investir nas pessoas para se
obter maior receita imediata é um péssimo negócio para a sociedade»
(128).
A segunda diz respeito aos limites do progresso científico, com clara
referência aos OGM (132-136), que são «uma questão de carácter
complexo» (135). Embora «nalgumas regiões, a sua utilização ter
produzido um crescimento económico que contribuiu para resolver
determinados problemas, há dificuldades importantes que não devem ser
minimizadas» (134), a partir da «concentração de terras produtivas nas
mãos de poucos» (134). O Papa Francisco pensa em particular nos pequenos
produtores e trabalhadores rurais, na biodiversidade, na rede de
ecossistemas. É, portanto, preciso assegurar «um debate científico e
social que seja responsável e amplo, capaz de considerar toda a
informação disponível e chamar as coisas pelo seu nome» a partir de
«linhas de pesquisa autónomas e interdisciplinares que possam trazer
nova luz» (135).
Quarto capítulo – Uma ecologia integral
O coração da proposta da Encíclica é a
ecologia integral como novo paradigma de justiça; uma ecologia «que
integre o lugar específico que o ser humano ocupa neste mundo e as suas
relações com a realidade que o circunda» (15). De fato, «isto impede-nos
de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma mera
moldura da nossa vida» (139). Isto vale, por mais que vivemos em
diferentes campos: na economia e na política, nas diversas culturas, em
particular modo nas mais ameaçadas, e até mesmo em cada momento da nossa
vida cotidiana.
A perspectiva integral põe em jogo também uma ecologia das
instituições: « Se tudo está relacionado, também o estado de saúde das
instituições de uma sociedade tem consequências no ambiente e na
qualidade de vida humana: “toda a lesão da solidariedade e da amizade
cívica provoca danos ambientais” » (142). Com muitos exemplos concretos,
o Papa Francisco reafirma o seu pensamento: há uma ligação entre
questões ambientais e questões sociais e humanas que nunca pode ser
rompida. Assim, « a análise dos problemas ambientais é inseparável da
análise dos contextos humanos, familiares, laborais, urbanos, e da
relação de cada pessoa consigo mesma » (141), enquanto «Não há duas
crises separadas, uma ambiental e outra social, mas uma única e complexa
crise sócio-ambiental» (139).
Esta ecologia integral «é inseparável da noção de bem comum» (156), a
ser entendida, no entanto, de modo concreto: no contexto de hoje, no
qual «há tantas desigualdades e são cada vez mais numerosas as pessoas
descartadas, privadas dos direitos humanos fundamentais» comprometer-se
pelo bem comum significa fazer escolhas solidárias com base em «uma
opção preferencial pelos mais pobres» (158). Esta é também a melhor
maneira para deixar um mundo sustentável às gerações futuras, não com
proclamas, mas através de um compromisso de cuidado dos pobres de hoje,
como já havia sublinhado Bento XVI: «para além da leal solidariedade
entre as gerações, há que reafirmar a urgente necessidade moral de uma
renovada solidariedade entre os indivíduos da mesma geração» (162).
A ecologia integral envolve também a vida diária, para a qual a
Encíclica reserva uma atenção específica em particular em ambiente
urbano. O ser humano tem uma grande capacidade de adaptação e «admirável
é a criatividade e generosidade de pessoas e grupos que são capazes de
dar a volta às limitações do ambiente, [...] aprendendo a orientar a sua
existência no meio da desordem e precariedade» (148). No entanto, um
desenvolvimento autêntico pressupõe um melhoramento integral na
qualidade da vida humana: espaços públicos, moradias, transportes, etc.
(150-154).
Também «o nosso corpo nos coloca em uma relação direta com o meio
ambiente e com os outros seres vivos. A aceitação do próprio corpo como
dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o mundo inteiro como dom
do Pai e casa comum; pelo contrário, uma lógica de domínio sobre o
próprio corpo transforma-se numa lógica, por vezes subtil, de domínio
sobre a criação» (155).
Quinto capítulo – Algumas linhas de orientação e acção
Este capítulo aborda a pergunta sobre
o que podemos e devemos fazer. As análises não podem ser suficientes:
são necessárias propostas «de diálogo e de acção que envolvam seja cada
um de nós seja a política internacional» (15), e « que nos ajudem a sair
da espiral de autodestruição onde estamos a afundar» (163). Para o Papa
Francisco é imprescindível que a construção de caminhos concretos não
seja enfrentada de modo ideológico, superficial ou reducionista. Por
isso, é indispensável o diálogo, termo presente no título de cada seção
deste capítulo: «Há discussões sobre questões relativas ao meio
ambiente, onde é difícil chegar a um consenso. [...] a Igreja não
pretende definir as questões científicas, nem substituir-se à política,
mas [eu] convido a um debate honesto e transparente para que as
necessidades particulares ou as ideologias não lesem o bem comum» (188).
Com esta base o Papa Francisco não tem medo de fazer um julgamento
severo sobre as dinâmicas internacionais recentes: «as cimeiras mundiais
sobre o meio ambiente dos últimos anos não corresponderam às
expectativas, porque não alcançaram, por falta de decisão política,
acordos ambientais globais realmente significativos e eficazes» (166). E
se pergunta: «Para que se quer preservar hoje um poder que será
recordado pela sua incapacidade de intervir quando era urgente e
necessário fazê-lo?» (57). Servem, em vez disso, como os Pontífices
repetiram várias vezes, a partir da Pacem in Terris, formas e
instrumentos eficazes de governança global (175): «precisamos de um
acordo sobre os regimes de governança para toda a gama dos chamados bens
comuns globais» (174), já que «”a protecção ambiental não pode ser
assegurada apenas com base no cálculo financeiro de custos e benefícios.
O ambiente é um dos bens que os mecanismos de mercado não estão aptos a
defender ou a promover adequadamente”» (190), que retoma as palavras do
Compêndio da Doutrina Social da Igreja).
Sempre neste capítulo, o Papa Francisco insiste sobre o
desenvolvimento de processos de decisão honestos e transparentes, para
poder «discernir» quais políticas e iniciativas empresariais poderão
levar «a um desenvolvimento verdadeiramente integral» (185). Em
particular, o estudo do impacto ambiental de um novo projeto «requer
processos políticos transparentes e sujeitos a diálogo, enquanto a
corrupção, que esconde o verdadeiro impacto ambiental dum projecto em
troca de favores, frequentemente leva a acordos ambíguos que fogem ao
dever de informar e a um debate profundo» (182).
Particularmente significativo é o apelo dirigido àqueles que detêm
cargos políticos, para que se distanciem da lógica «eficientista e
imediatista» (181) hoje dominante: «se ele tiver a coragem de o fazer,
poderá novamente reconhecer a dignidade que Deus lhe deu como pessoa e
deixará, depois da sua passagem por esta história, um testemunho de
generosa responsabilidade» (181).
Sexto capítulo - Educação e espiritualidade ecológicas
O último capítulo vai ao cerne da conversão ecológica à qual a
Encíclica convida. As raízes da crise cultural agem em profundidade e
não é fácil reformular hábitos e comportamentos. A educação e a formação
continuam sendo desafios centrais: «toda mudança tem necessidade de
motivações e dum caminho educativo» (15); estão envolvidos todos os
ambientes educacionais, por primeiro « a escola, a família, os meios de
comunicação, a catequese» (213).
O início é apostar «em uma mudança nos estilos de vida» (203-208),
que também abre à possibilidade de “exercer uma pressão salutar sobre
quantos detêm o poder político, económico e social» (206). Isso é o que
acontece quando as escolhas dos consumidores conseguem «a mudança do
comportamento das empresas, forçando-as a reconsiderar o impacto
ambiental e os modelos de produção» (206).
Não se pode subestimar a importância de percursos de educação ambiental
capazes de incidir sobre gestos e hábitos cotidianos, da redução do
consumo de água, à diferenciação do lixo até «apagar as luzes
desnecessárias» (211): «Uma ecologia integral é feita também de simples
gestos quotidianos, pelos quais quebramos a lógica da violência, da
exploração, do egoísmo» (230). Tudo isto será mais fácil a partir de um
olhar contemplativo que vem da fé: «O crente contempla o mundo, não como
alguém que está fora dele, mas dentro, reconhecendo os laços com que o
Pai nos uniu a todos os seres. Além disso a conversão ecológica, fazendo
crescer as peculiares capacidades que Deus deu a cada crente, leva-o a
desenvolver a sua criatividade e entusiasmo» (220).
Retorna à linha proposta na Evangelii Gaudium: « A sobriedade, vivida
livre e conscientemente, é libertadora» (223), bem como «A felicidade
exige saber limitar algumas necessidades que nos entorpecem,
permanecendo assim disponíveis para as muitas possibilidades que a vida
oferece» (223); desta forma torna-se possível « voltar a sentir que
precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os
outros e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos» (229).
Os santos acompanham-nos neste caminho. São Francisco, muitas vezes
mencionado, é «o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e
por uma ecologia integral, vivida com alegria» (10), modelo de como «são
inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres,
o empenhamento na sociedade e a paz interior (10). Mas a encíclica
recorda também São Bento, Santa Teresa de Lisieux e o Beato Charles de
Foucauld.
Após a Laudato si, o exame de consciência, o instrumento que a Igreja
sempre recomendou para orientar a própria vida à luz da relação com o
Senhor, deverá incluir uma nova dimensão, considerando não apenas como
se vive a comunhão com Deus, com os outros, consigo mesmo, mas também
com todas as criaturas e a natureza.
ÍNDICE
L AUDATO SI’, mi’ Signore [1-2] . . . . . . 3
Nada deste mundo nos é indiferente [3-6] . . . . 4
Unidos por uma preocupação comum [7-9] . . . . 7
São Francisco de Assis [10-12] . . . . . . . 10
O meu apelo [13-16] . . . . . . . . . . . 12
CAPÍTULO I
O QUE ESTÁ A ACONTECER À NOSSA CASA
1. P OLUIÇÃO E MUDANÇAS CLIMÁTICAS . . 18
Poluição, resíduos e cultura do descarte
[20-22] . . . . . . . . . . . . 18
O clima como bem comum [23-26] . . . . 20
2. A QUESTÃO DA ÁGUA [27-31] . . . . . 24
3. P ERDA DE BIODIVERSIDADE [32-42]. . . 27
4. D ETERIORAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA
HUMANA E DEGRADAÇÃO SO CIAL [43-47] 34
5. D ESIGUALDADE PLANETÁRIA [48-52] . . 37
6. A FRAQUEZA DAS REACÇÕES [53-59] . . 43
7. D IVERSIDADE DE O PINIÕES [60-61] . . . 47
CAPÍTULO II
O EVANGELHO DA CRIAÇÃO
1. A LUZ QUE A FÉ OFERE CE [63-64] . . . 49
2. A SABEDORIA DAS NARRAÇÕES BÍBLICAS
[65-75] . . . . . . . . . . . . 51
3. O MISTÉRIO DO UNIVERSO [76-83] . . . 60
4. A MENSAGEM DE CADA CRIATURA NA HARMONIA DE TODA A CRIAÇÃO [84-88] . . 66
5. U MA COMUNHÃO UNIVERSAL [89-92] . . 70
190
6. O DESTINO COMUM DOS BENS [93-95] . . 73
7. O OLHAR DE JESUS [96-100] . . . . . 75
CAPÍTULO III
A RAIZ HUMANA DA CRISE ECOLÓGICA
1. A TE CNOLOGIA: CRIATIVIDADE E PODER
[102-105] . . . . . . . . . . . 79
2. A GLO BALIZAÇÃO DO PARADIGMA TE CNO CRÁTICO [106-114] . . . . . . . . 82
3. CRISE DO ANTRO PO CENTRISMO MODERNO
E SUAS CONSEQUÊN CIAS [115-121] . . 90
O relativismo prático [122-123] . . . . . 94
A necessidade de defender o trabalho [124-129] 96
A inovação biológica a partir da pesquisa
[130-136] . . . . . . . . . . . 101
CAPÍTULO IV
UMA ECOLOGIA INTEGRAL
1. E COLOGIA AMBIENTAL, E CONÓMICA E SO CIAL [138-142] . . . . . . . . . 107
2. E COLOGIA CULTURAL [143-146] . . . . 112
3. E COLOGIA DA VIDA QUOTIDIANA [147-155] 114
4. O PRIN CÍPIO DO BEM COMUM [156-158] 120
5. A JUSTIÇA INTERGENERACIONAL [159-162] 122
CAPÍTULO V
ALGUMAS LINHAS DE ORIENTAÇÃO E ACÇÃO
1. O DIÁLOGO SO BRE O MEIO AMBIENTE NA
POLÍTICA INTERNACIONAL [164-175] . 127
2. O DIÁLOGO PARA NOVAS POLÍTICAS NACIONAIS E LO CAIS [176-181] . . . . 135
3. D IÁLOGO E TRANSPARÊN CIA NOS PRO CESSOS DE CISÓRIOS [182-188] . . . . . 140
4. P OLÍTICA E E CONOMIA EM DIÁLOGO PARA
A PLENITUDE HUMANA [189-198]. . . 144
5. A S RELIGIÕES NO DIÁLOGO COM AS CIÊN CIAS [199-201] . . . . . . . . . 152
CAPÍTULO VI
EDUCAÇÃO E ESPIRITUALIDADE ECOLÓGICAS
1. A PONTAR PARA OUTRO ESTILO DE VIDA
[203-208] . . . . . . . . . . . 155
2. E DUCAR PARA A ALIANÇA ENTRE A HUMANIDADE E O AMBIENTE [209-215] . . 159
3. A CONVERSÃO E COLÓGICA [216-221] . . 164
4. A LEGRIA E PAZ [222-227] . . . . . . 168
5. A MOR CIVIL E POLÍTICO [228-232] . . . 172
6. O S SINAIS SACRAMENTAIS E O DESCANSO
CELE BRATIVO [233-237] . . . . . . 175
7. A TRINDADE E A RELAÇÃO ENTRE AS CRIATURAS [238-240] . . . . . . . . . 180
8. A RAINHA DE TODA A CRIAÇÃO [241-242] 182
9. P ARA ALÉM DO SOL [243-246] . . . . . 183
Oração pela nossa terra . . . . . . . . . . 184
Oração cristã com a criação . . . . . . . . . 185
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