Foto: João Cláudio Fernandes |
Tantos O esperam, não tardemos nós!
Entramos em Advento, caríssimos irmaõs. Dito doutra maneira, porventura mais certa, deixemos que o Advento entre no nosso coração e na nossa vida. Por isso nos paramentamos de roxo, cor de conversão ao Senhor que vem, como já veio e finalmente virá.
Seguir-se-á o Natal, certíssimo n’Ele, o Emanuel, que quer dizer “Deus Connosco”. Também em nós, se realmente O aceitarmos, como Maria, Senhora do Advento, e com José, que lhe guardou o mistério.
Duma tarefa se trata, em maior correspondência à graça divina. Uma tarefa certamente gostosa, podemos dizer, com o encanto especial desta quadra. Mas necessariamente custosa, de conversão ao Senhor que vem, e nos requer disponibilidade acrescida, para que, também em nós e por nós, chegue a este mundo.
Sim, irmãos, que diferente estaria o mundo, dois milénios depois, se todas as vidas que se disseram e dizem “cristãs” realmente o tivessem sido e o fossem agora! Se a galeria dos santos que temos nos altares se redobrasse na vida de cada batizado e crismado de ontem e de hoje, como filho de Deus e testemunha do Evangelho! Onde Jesus pudesse chegar e repercutir-se pela palavra verdadeiramente ecoada, pelo sacramento inteiramente vivido, pela caridade intensamente praticada!
Um tempo litúrgico não irá sem o outro. Só um Advento sério nos legitimará um Natal feliz. Comprometamo-nos com Deus, como Ele inteiramente se comprometeu connosco, na humanidade de Cristo, agora alargada na humanidade de todos. Caríssimos ordinandos de diácono e presbítero, caríssimos irmãos que esta feliz circunstância hoje aqui congrega: Acabámos de ouvir a Palavra de Deus – “lugar onde nasce a fé”, como insiste a Constituição Sinodal de Lisboa, nesta igreja assinada há um ano quase e agora em plena receção. Ouvimo-la em passagens distintas, mas muito concordes no essencial. E o essencial é o encontro de Cristo que nos bate à porta, como lembra noutro passo: «Olha que Eu estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo» (Ap 3, 20).
O que pretendo partilhar convosco nesta homilia, pode resumir-se assim: O Advento, para nós todos e especialmente para vós, caríssimos ordinandos, é dom e tarefa. Dom de Deus que se encontra connosco, por iniciativa sua e correspondência nossa, que Ele mesmo suscita. Quando recebemos Cristo, Ele assimila-nos a si, para também por nós chegar a todos. Em suma, vivemos o Advento para sermos Advento, como o mundo espera.
Com Isaías clamámos há pouco: «Oh, se rasgásseis os Céus e descêsseis!». Sentimento certamente reforçado em cada um de nós por circunstâncias da vida pessoal, familiar e coletiva, própria ou alheia, que tantas vezes nos sobrepesam. Devemos participar inteiramente nesse apelo, desejando que Deus seja sol por entre as nuvens. Sobretudo por entre aquelas que interiormente nos toldem o espírito e encerrem o coração.
Certos de que Deus responderá, como sempre responde, mas quase dependendo da verdade com que O invocarmos. Porque Deus se aproxima de quem O busca, como que em mútuo “advento”. Lembra-nos a Carta de Tiago, numa passagem tão pedagógica como perentória: «Aproximai-vos de Deus e Ele aproximar-se-á de vós» (Tg 4, 8).
Assim o lembrava também a oração coleta, requerendo a cada um de nós «a vontade firme de se preparar, pela prática das boas obras, para ir ao encontro de Cristo». E não se trata dum mero encontro exterior, em que a presença de Cristo se tornasse patente e irrecusável por si mesma. Trata-se, isso sim, de algo de absolutamente existencial, em que, pela mútua vontade e a graça divina, o seu encontro nos assimila a si e faz de nós sinais e agentes do seu encontro com todos. O profeta que ouvimos acrescentava ainda: «Vós porém, Senhor, sois nosso Pai, e nós o barro de que sois o oleiro». Poderemos imaginar Deus Pai como um oleiro que nos molda com duas mãos: a exterior e visível de Cristo e a interior e invisível do Espírito, que para Cristo nos impele e com Cristo nos configura… Vale o que vale a imagem, mas pode ilustrar o que ouvimos depois a São Paulo: «… já não vos falta nenhum dom da graça – outro modo de indicar o impulso do Espírito -, a vós que esperais a manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo […]. Fiel é Deus, por quem fostes chamados à comunhão com o seu Filho».
Caríssimos ordinandos, caríssimos irmãos que connosco iniciais este tempo: O que importa sempre e especialmente agora é estarmos inteiramente disponíveis para que o Advento de Cristo seja realidade em nós e por nós no mundo. Mais para diante, a Liturgia há de evocar-nos os acontecimentos mais próximos do seu Natal. Mas este mesmo aconteceu no termo dum longo “advento”, como podemos considerar todo o Antigo Testamento. Também este mais depressa se concluiria, se a expetativa messiânica tivesse sido o que devia e não demorasse tanto a encontrar a pleníssima concretização que finalmente teve na Virgem de Nazaré… O Advento de hoje adianta-se em cada momento em que acolhemos a Cristo que nos chega pela Palavra, pelos Sacramentos e pelos outros. E em que somos sinal de Cristo, que por nós se quer aproximar de todos, em especial dos mais pobres e frágeis.
Alertou-nos o Evangelho: «Acautelai-vos e vigiai, porque não sabeis quando chegará o momento…». Pois bem, sejamos nós, sejamos muito mais e para todos, o “momento”, o sinal e o gesto do Advento de Cristo, em nós para todos e da Igreja para o mundo.
Onde esteja um cristão, há de ser mais ativado o Advento d’Aquele que já veio, como continua a vir e finalmente virá. Nisto aplicaremos a exortação da Segunda Carta de Pedro: «… como deve ser santa a vossa vida e a vossa piedade, enquanto esperais e apressais a chegada do dia de Deus […]. Nós, segundo a sua promessa, esperamos uns novos céus e uma nova terra, onde habite a justiça» (2 Pe 3, 11-13).
Todo o mistério de Cristo seja ministério da Igreja para a salvação do mundo. Quando quem foi batizado manifesta em si mesmo a filiação divina que recebeu pelo Espírito e o uniu a Cristo; quando um confirmado se torna Evangelho vivo na comunidade cristã e na sociedade de todos; quando os esposos cristãos testemunham, no seu modo próprio, o amor de Cristo e da Igreja, uno, indissolúvel e fecundo; quando as Ordens Sacras transformam alguém em sacramento pastoral de Cristo, Sacerdote e Servo; quando a consagração secular ou religiosa profetiza pela castidade, a pobreza e a obediência a qualidade definitiva do Reino dos Céus… Quando o Advento de Cristo se partilha assim na vida de tantos irmãos e irmãs, a Igreja realiza-se como Povo de Deus, Corpo de Cristo e Templo do Espírito - e o Natal de há dois milénios assinalará o tempo todo.
- Tantos O esperam, não tardemos nós!
Lisboa, Santa Maria de Belém, 3 de dezembro de 2017, 1º Domingo do Advento
+ Manuel, Cardeal-Patriarca
Entramos em Advento, caríssimos irmaõs. Dito doutra maneira, porventura mais certa, deixemos que o Advento entre no nosso coração e na nossa vida. Por isso nos paramentamos de roxo, cor de conversão ao Senhor que vem, como já veio e finalmente virá.
Seguir-se-á o Natal, certíssimo n’Ele, o Emanuel, que quer dizer “Deus Connosco”. Também em nós, se realmente O aceitarmos, como Maria, Senhora do Advento, e com José, que lhe guardou o mistério.
Duma tarefa se trata, em maior correspondência à graça divina. Uma tarefa certamente gostosa, podemos dizer, com o encanto especial desta quadra. Mas necessariamente custosa, de conversão ao Senhor que vem, e nos requer disponibilidade acrescida, para que, também em nós e por nós, chegue a este mundo.
Sim, irmãos, que diferente estaria o mundo, dois milénios depois, se todas as vidas que se disseram e dizem “cristãs” realmente o tivessem sido e o fossem agora! Se a galeria dos santos que temos nos altares se redobrasse na vida de cada batizado e crismado de ontem e de hoje, como filho de Deus e testemunha do Evangelho! Onde Jesus pudesse chegar e repercutir-se pela palavra verdadeiramente ecoada, pelo sacramento inteiramente vivido, pela caridade intensamente praticada!
Um tempo litúrgico não irá sem o outro. Só um Advento sério nos legitimará um Natal feliz. Comprometamo-nos com Deus, como Ele inteiramente se comprometeu connosco, na humanidade de Cristo, agora alargada na humanidade de todos. Caríssimos ordinandos de diácono e presbítero, caríssimos irmãos que esta feliz circunstância hoje aqui congrega: Acabámos de ouvir a Palavra de Deus – “lugar onde nasce a fé”, como insiste a Constituição Sinodal de Lisboa, nesta igreja assinada há um ano quase e agora em plena receção. Ouvimo-la em passagens distintas, mas muito concordes no essencial. E o essencial é o encontro de Cristo que nos bate à porta, como lembra noutro passo: «Olha que Eu estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo» (Ap 3, 20).
O que pretendo partilhar convosco nesta homilia, pode resumir-se assim: O Advento, para nós todos e especialmente para vós, caríssimos ordinandos, é dom e tarefa. Dom de Deus que se encontra connosco, por iniciativa sua e correspondência nossa, que Ele mesmo suscita. Quando recebemos Cristo, Ele assimila-nos a si, para também por nós chegar a todos. Em suma, vivemos o Advento para sermos Advento, como o mundo espera.
Com Isaías clamámos há pouco: «Oh, se rasgásseis os Céus e descêsseis!». Sentimento certamente reforçado em cada um de nós por circunstâncias da vida pessoal, familiar e coletiva, própria ou alheia, que tantas vezes nos sobrepesam. Devemos participar inteiramente nesse apelo, desejando que Deus seja sol por entre as nuvens. Sobretudo por entre aquelas que interiormente nos toldem o espírito e encerrem o coração.
Certos de que Deus responderá, como sempre responde, mas quase dependendo da verdade com que O invocarmos. Porque Deus se aproxima de quem O busca, como que em mútuo “advento”. Lembra-nos a Carta de Tiago, numa passagem tão pedagógica como perentória: «Aproximai-vos de Deus e Ele aproximar-se-á de vós» (Tg 4, 8).
Assim o lembrava também a oração coleta, requerendo a cada um de nós «a vontade firme de se preparar, pela prática das boas obras, para ir ao encontro de Cristo». E não se trata dum mero encontro exterior, em que a presença de Cristo se tornasse patente e irrecusável por si mesma. Trata-se, isso sim, de algo de absolutamente existencial, em que, pela mútua vontade e a graça divina, o seu encontro nos assimila a si e faz de nós sinais e agentes do seu encontro com todos. O profeta que ouvimos acrescentava ainda: «Vós porém, Senhor, sois nosso Pai, e nós o barro de que sois o oleiro». Poderemos imaginar Deus Pai como um oleiro que nos molda com duas mãos: a exterior e visível de Cristo e a interior e invisível do Espírito, que para Cristo nos impele e com Cristo nos configura… Vale o que vale a imagem, mas pode ilustrar o que ouvimos depois a São Paulo: «… já não vos falta nenhum dom da graça – outro modo de indicar o impulso do Espírito -, a vós que esperais a manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo […]. Fiel é Deus, por quem fostes chamados à comunhão com o seu Filho».
Caríssimos ordinandos, caríssimos irmãos que connosco iniciais este tempo: O que importa sempre e especialmente agora é estarmos inteiramente disponíveis para que o Advento de Cristo seja realidade em nós e por nós no mundo. Mais para diante, a Liturgia há de evocar-nos os acontecimentos mais próximos do seu Natal. Mas este mesmo aconteceu no termo dum longo “advento”, como podemos considerar todo o Antigo Testamento. Também este mais depressa se concluiria, se a expetativa messiânica tivesse sido o que devia e não demorasse tanto a encontrar a pleníssima concretização que finalmente teve na Virgem de Nazaré… O Advento de hoje adianta-se em cada momento em que acolhemos a Cristo que nos chega pela Palavra, pelos Sacramentos e pelos outros. E em que somos sinal de Cristo, que por nós se quer aproximar de todos, em especial dos mais pobres e frágeis.
Alertou-nos o Evangelho: «Acautelai-vos e vigiai, porque não sabeis quando chegará o momento…». Pois bem, sejamos nós, sejamos muito mais e para todos, o “momento”, o sinal e o gesto do Advento de Cristo, em nós para todos e da Igreja para o mundo.
Onde esteja um cristão, há de ser mais ativado o Advento d’Aquele que já veio, como continua a vir e finalmente virá. Nisto aplicaremos a exortação da Segunda Carta de Pedro: «… como deve ser santa a vossa vida e a vossa piedade, enquanto esperais e apressais a chegada do dia de Deus […]. Nós, segundo a sua promessa, esperamos uns novos céus e uma nova terra, onde habite a justiça» (2 Pe 3, 11-13).
Todo o mistério de Cristo seja ministério da Igreja para a salvação do mundo. Quando quem foi batizado manifesta em si mesmo a filiação divina que recebeu pelo Espírito e o uniu a Cristo; quando um confirmado se torna Evangelho vivo na comunidade cristã e na sociedade de todos; quando os esposos cristãos testemunham, no seu modo próprio, o amor de Cristo e da Igreja, uno, indissolúvel e fecundo; quando as Ordens Sacras transformam alguém em sacramento pastoral de Cristo, Sacerdote e Servo; quando a consagração secular ou religiosa profetiza pela castidade, a pobreza e a obediência a qualidade definitiva do Reino dos Céus… Quando o Advento de Cristo se partilha assim na vida de tantos irmãos e irmãs, a Igreja realiza-se como Povo de Deus, Corpo de Cristo e Templo do Espírito - e o Natal de há dois milénios assinalará o tempo todo.
- Tantos O esperam, não tardemos nós!
Lisboa, Santa Maria de Belém, 3 de dezembro de 2017, 1º Domingo do Advento
+ Manuel, Cardeal-Patriarca
Patriarcado de Lisboa
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