29 dezembro, 2017

Card. Tauran: o amor, única força capaz de tornar o mundo um lugar melhor

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Papa presenteia budistas com escultura da pomba da paz  (AFP or licensors)
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À frente do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso desde 2007, o purpurado ressalta que os vários encontros inter-religiosos realizados em 2017 demonstram a importância para nós cristãos de permanecermos ancorados com coerência à nossa fé, nas dificuldades de um mundo tão plural, sem ceder ao desânimo, para testemunhar que a convergência é possível.
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Cidade do Vaticano

O diálogo é sempre um caminho a ser percorrido, por esta razão deve ser promovido, “apesar de tudo”. Pois o cristão, é chamado a dar um testemunho coerente também nas dificuldades, sobretudo no mundo em que mais violências são cometidas em nome de Deus ou da religião.

Disto não tem dúvidas o presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso, cardeal Jean-Louis Tauran, ao fazer um balanço das atividades do dicastério que preside, no ano que está a concluir-se.

Justamente nestes dias em que os refletores da mídia, dirigem-se à “questão Jerusalém”, o purpurado  reitera ao L’Osservatore Romano a sua firme posição contra qualquer tentativa de instrumentalizar a religião com fins políticos.

As recentes escolhas da administração Trump reacenderam tensões na Cidade Santa. Ainda existem esperanças de uma paz estável no Médio Oriente ?

“Penso que sim. O diálogo deve prosseguir a todos os níveis. Basta pensar no que ocorreu por uma significativa coincidência a seis de dezembro, quando foi anunciada a decisão da Casa Branca. Naquela mesma manhã, o Papa recebeu antes da Audiência Geral, os participantes de uma reunião entre o nosso dicastério e a comissão para o diálogo inter-religioso do Estado da Palestina.

Na delegação de alto nível, guiada pelo Xeique Mahmoud Al-Habbash, juiz supremo, o Pontífice fez uma exortação à colaboração, que encontrou resposta na assinatura de um memorandum de intenções para a criação de um grupo de trabalho permanente. Enfim, tratou-se de um exemplo de testemunho inter-religioso muito relevante, uma prudente aproximação no sinal da amizade, na direção oposta ao incendiário propagar-se do ódio e da ira”.

Portanto, encontrando-se  e dialogando tudo é possível?

“Nós acreditamos nisto: no fundo, não obstante as posições que por vezes possam parecer distantes, é necessário promover espaços de diálogo sincero. Malgré tout [apesar de tudo], nós estamos muito convencidos de que se pode viver juntos, como demonstra o Papa que cotidianamente continua a sublinhar a importância do respeito recíproco com os fiéis de outras tradições. E não somente com o islã, mas também por exemplo com os budistas, como fez durante a recente viagem à Ásia”.

Ou como faz nos encontros que às vezes precedem as Audiências Gerais das quartas-feiras?

“Está a tornar-se uma espécie de hábito: Francisco recebe pequenas delegações que nós acompanhamos. Recordo o encontro de março com as superintendências iraquianas para xiitas e sunitas e aquela para cristãos, yazidis, sabeus/mandeus: “Todos somos irmãos, e onde há fraternidade, há paz”, disse Francisco naquela ocasião, recorrendo à imagem dos dedos de uma mão: “são cinco, mas todos diferentes”.

Mais recentemente, houve em setembro a audiência ao secretário geral da Liga muçulmana mundial, Muhammad Al-Issa, e em outubro à World Conference os religions of Peace, durante a qual o Papa reiterou a importância “da cooperação inter-religiosa para contrapor-se aos conflitos e fazer avançar o desenvolvimento”. Que é o que faz o nosso dicastério por meio da organização de seminários em Roma ou a participação em conferências internacionais”.

Quais foram os encontros mais importantes deste ano?

“2017 foi aberto com o anual encontro com os membros do Departamento para o diálogo inter-religioso e a cooperação do Conselho ecuménico das Igrejas (Wcc, sigla em inglês), realizado na nossa sede após a semana de oração para a unidade dos cristãos. Em fevereiro fui ao Cairo para um simpósio organizado pela universidade de al-Azhar sobre o papel do Grão Imã e do Vaticano para combater os fenomenos do fanatismo e do extremismo em nome da religião.

E em maio fui a Rabat para um dia de estudos promovido pela Academia real do Marrocos. Por fim, em novembro, realizou-se em Taiwan o sexto colóquio budista-cristão sobre o tema da não-violência: nos trabalhos pronunciou-se o subsecretário Mons. Indunil Kodithuwakku, enquanto eu proferi a conferência conclusiva.

Por fim, a ser recordada a minha participação - a convite da comunidade Santo Egídio - na conferência « Caminhos de paz »,  que em 6 de novembro deu-me a ocasião de compartilhar momentos de fraternidade com o Grão Imã de al-Azhar.

Viajou muito o bispo secretário Miguel Ángel Ayuso Guixot: em março ao Catar para a quinta conferência do Research center for islamic legislation and ethics sobre o tema «Conflito e resistência ética: para uma compreensão crítica da jihad e da “guerra justa”» e em julho inicialmente ao Egito, onde na sede da nunciatura apostólica foi estudado um documento de intenções com al-Azhar para uma futura colaboração comum, e então à República dos Camarões para a 11ª assembleia plenária da Associação das conferências episcopais da região da África Central (Acerac).

Em agosto, o missionário comboniano foi até o Japão para o 30º encontro de oração pela paz realizado no monte Hiei, em Kyoto, e então ao Chile para a segunda conferência “América em diálogo. Nossa casa comum”. Por fim, foi a Berkeley, Califórnia, com Mons. Khaled Akashed, responsável pelo islã, ao quarto fórum católico-muçulmano, nascido da famosa Carta dos 138 «Uma Palavra Comum»”.

E na metade no ano, a assembleia plenária do Pontifício Conselho dedicada ao papel das mulheres na educação à fraternidade universal. Um tema inovador?

É uma chave de leitura que se inspira no magistério pontifício. Francisco sempre pediu para valorizar a presença feminina dando a ela maior espaço. E recebendo-nos no final dos trabalhos reiterou que “a mulher, possuindo características peculiares pode oferecer uma importante contribuição ao diálogo com a sua capacidade de escutar, de acolher e de abrir-se generosamente aos outros”.

Qual o significado das mensagens enviadas pelas festas de outras religiões?

Trata-se de gestos de cortesia, nos quais nos unimos aos momentos de alegria vividos pelos fiéis em várias partes do mundo. Basta pensar na mensagem que há cinquenta anos dirigimos aos muçulmanos no mês do Ramadã, focada este ano de 2017 no cuidado pela casa comum. Pelo Vesakh/Hanamatsuri pedimos aos budistas para percorrer juntos o caminho da não-violência, enquanto que, para o Diwali exortamos os hinduístas a irem contra a intolerância. Além disso também escrevi uma carta aos trabalhos da Christian-Confucian consultation realizada na Coreia”.

Existe uma imagem que poderia simbolizar os trabalhos realizados ao longo deste ano?

Talvez justamente aquela publicada no L’Osservatore Romano na primeira página por ocasião da audiência pontifícia de 7 de novembro ao Grão Imã de al-Azhar, Ahmed Muhammad al-Tayyib. No final Francisco convidou o Xeique para o almoço em Santa Marta, para onde os dois foram a pé, conversando durante o percurso. Portanto, os esforços do Papa e os nossos concretizaram-se nesta frutuosa visita do líder religioso do islã sunita realizada numa atmosfera de simpática familiaridade.

Tudo isto demonstra a importância para nós cristãos de permanecer ancorados com coerência à nossa fé, nas dificuldades de um mundo tão plural, sem ceder ao desânimo: por uma melhor compreensão dos desafios característicos de uma realidade multicultural e para testemunhar que é possível conviver, na convicção de que o amor é a única força capaz de tornar o mundo um lugar melhor”.

(L'Osservatore Romano)

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