Jacinta Marto, que vai ser canonizada brevemente, esteve internada no
Hospital de Dona Estefânia, em Lisboa, onde viria a morrer, a 20 de
fevereiro de 1920. Qual a ligação da pastorinha de Fátima a esta
unidade? O capelão, padre Carlos Azevedo, conduz-nos pelos espaços do
hospital que guardam a memória da (futura) santa da Igreja.
Foram apenas 18 dias que Jacinta esteve internada no Hospital de Dona
Estefânia. Tempo suficiente para criar uma ligação que ainda hoje
perdura. Pelos corredores desta unidade de saúde dirigida às crianças,
diversas fotografias da pastorinha de Fátima lembram aqueles dias de há
quase cem anos. “Esta exposição tem fotografias não só dos pastorinhos
como da mensagem de Fátima, de alguns relatos dos jornais da altura e
também algumas fotos referenciais às pessoas do hospital que
acompanharam a Jacinta durante os dias que ela aqui esteve”, descreve ao
Jornal VOZ DA VERDADE o capelão, padre Carlos Azevedo.
Um dos locais do Hospital de Dona Estefânia mais visitado pelos peregrinos e pelos doentes é o memorial de Jacinta, instalado no 2º piso, o mais perto possível do local onde a pastorinha de Fátima esteve. “Nos anos 50 do século passado, o hospital, que este ano celebra 140 anos, estava em ruínas e com as obras em profundidade passou de dois pisos, com um pé-direito muito alto, para três. Isto fez com que se perdesse o sítio exato onde a Jacinta esteve. Há pessoas que relataram o local onde estava a cama, mas perdemos essa referência ao local exato onde a Jacinta partiu para Deus”, explica o capelão, salientando, contudo, que “o memorial está mesmo muito perto desse local”. “O memorial é um lugar onde as pessoas vêm diariamente rezar e fazer a sua devoção aos pastorinhos”, frisa. A capela, segundo este sacerdote, “é a única parte do hospital que se conserva intacta desde a origem”. Contudo, “não há exatamente a certeza se a Jacinta a terá visitado”. É neste local sagrado que se encontra uma imagem de Jacinta, à esquerda do sacrário, da autoria de Maria Amélia Carvalheira. “Esta imagem estava junto ao memorial e só quando a Jacinta foi beatificada, no ano 2000, veio para a capela”, justifica o capelão.
A capelania conserva também algumas relíquias, “não propriamente da passagem de Jacinta pelo hospital”, referentes à pastorinha de Fátima. “Temos um relicário, cedido pelo padre Kondor [antigo vice-postulador da Causa da Canonização dos Pastorinhos de Fátima, falecido em 2009], com relíquias da Jacinta, do Francisco e da pequena árvore onde Nossa Senhora apareceu, e temos outro relicário com um pedacinho também da azinheira”, conta, destacando igualmente “a estola usada pelo Papa João Paulo II, na celebração de beatificação dos pastorinhos, que foi oferecida à capelania também pelo padre Kondor”.
Peregrinação
Capelão do Hospital de Dona Estefânia há 14 anos, o padre Carlos Azevedo lembra as “muitas conversas e os muitos encontros” que manteve com o padre Luís Kondor para perceber “a importância e o alcance do Hospital de Dona Estefânia dentro da mensagem de Fátima”. “Há uma frase que o padre Kondor nos ensinou: ‘O culto dos santos é feito do sítio de onde eles partem para Deus’. O padre Kondor sempre teve esta sensibilidade, sempre insistiu fortemente nela. Muitas coisas ele nos ensinou acerca da Jacinta, concretamente aqui em Lisboa, e fomos desenvolvendo, cada vez mais, esta atenção à mensagem de Fátima, a partir também da passagem da Jacinta, quer por este hospital, quer também pela casa na Estrela”, manifesta o capelão, referindo “não ter noção” do número de pessoas que se deslocam a esta unidade hospitalar. “São, com certeza, vários milhares de pessoas – mais estrangeiros do que portugueses – que vêm todos os anos a Lisboa como peregrinos”.
Segundo este sacerdote, de 48 anos, “os Movimentos da Mensagem de Fátima, não só de Lisboa mas também do país inteiro, têm tido um crescimento muito significativo e o número de peregrinações e de peregrinos que vêm ao Hospital de Dona Estefânia tem aumentado”. “É gente que vem fazer um itinerário espiritual, no convento na Estrela e depois no hospital”, aponta, sublinhando a “disponibilidade da capelania para acompanhar” os grupos. “Vêm também muitas escolas e é uma experiência riquíssima que os grupos fazem. Há muitos até que repetem a visita quase todos os anos”, assegura o padre Carlos, convidando “as pessoas ou os grupos a contactar o gabinete de comunicação do hospital ou a capelania” para marcar as visitas.
Vinda para Lisboa
Jacinta, após as aparições, e já no ano de 1918, fica gravemente doente, tal como o seu irmão Francisco e os dois são internados, no hospital de Vila Nova de Ourém. “Foram vítimas da epidemia da época, que era a pneumónica – a Jacinta tinha uma pleurisia purulenta, que a fragilizou imenso. Eles, já de si próprios, pelas fotos que temos acesso, denotam que não seriam crianças muito robustas”, lembra o padre Carlos. Francisco acaba por morrer, em 4 de abril de 1919. Jacinta permanece doente. “Dois anos depois das aparições, um médico de Lisboa, o doutor Eurico, oftalmologista, vai a Fátima, por mediação do cónego Formigão, para ir à procura dos pastorinhos. Recorde-se que todo o movimento à volta de Fátima, e da sua mensagem, já era significativo. Este médico insiste em que Jacinta venha para Lisboa, o que não era nada fácil: desde logo, os médicos já tinham desenganado os pais sobre a possibilidade de a pastorinha sobreviver à doença; por outro lado, naquela altura, todos os cuidados médicos eram pagos e não havia dinheiro na família; além disso, vir de Aljustrel para Lisboa, em termos económicos, era absolutamente assustador”, lembra o sacerdote, recordando que, “após muita insistência do doutor Eurico, e da garantia de prover a todas as necessidades de Jacinta”, a pastorinha acaba por vir para Lisboa. “A 26 de janeiro de 1920, ela vem de comboio para a capital, acompanhada da mãe e de um tio”. No entanto, lembra, “Jacinta não podia ir logo para o hospital devido à questão económica”, tendo sido realizada “uma subscrição pública, ou peditório, para juntar dinheiro”. Nesses dias, até ao internamento hospitalar, “a pastorinha ficou instalada na casa de uma senhora, inspirada por Deus, claramente, a Maria da Conceição Godinho, dona do Orfanato à Estrela”.
Heroicidade no sofrimento
A 2 de fevereiro de 1920, Jacinta entrava no Hospital de Dona Estefânia. “No dia 10 é submetida a uma cirurgia muito exigente e no dia 20 de fevereiro, pelas dez e meia da noite, parte para Deus”, evoca o capelão, sublinhando que “junto a Jacinta estaria uma enfermeira, bem como diversas crianças da enfermaria”. “No próprio dia da sua partida, monsenhor Pereira dos Reis, pároco dos Anjos, vem visitá-la e confessá-la, mas não vinha preparado para lhe dar a comunhão. Mas como achou que Jacinta estava bem – é a chamada ‘melhoras da morte’ – e resistiria, ficou de ir noutro dia”. A pastorinha de Fátima, contudo, viria a falecer nessa noite… Os jornais de Lisboa da época, de acordo com este sacerdote, tinham “alguma sensibilidade em relação à questão de Fátima, de tal maneira que noticiaram que ela tinha vindo para a Estefânia e que tinha morrido”. O corpo de Jacinta vai então para a igreja dos Anjos, onde fica até ao dia 24 de fevereiro. “São muito significativos estes dias, porque foi necessário fazer nova subscrição pública e as pessoas mais abonadas acabaram por prover a que Jacinta pudesse ser trasladada para Ourém”, conta.
O padre Carlos Azevedo explica ainda o que, em seu entender, foi o caminho de santidade dos dois pastorinhos. “Há um aspeto na Estefânia muito significativo e que muito insistimos: costumo dizer, muitas vezes, aos peregrinos que a Jacinta e o Francisco não são agora santos porque viram Nossa Senhora – não é só esse acontecimento que nos faz aferir das virtudes próprias da santidade; é verdade que haveria ali uma belíssima bem-aventurança – pelo menos a pureza de coração tinha de estar presente –, mas os pastorinhos são as primeiras crianças a serem elevadas à glória dos altares sem serem mártires, abrindo um caminho novo na história da Igreja, pela sua heroicidade no sofrimento”.
Lembrando novamente a cirurgia de Jacinta no dia 10 de fevereiro de 1920, “praticamente a sangue frio, porque ela não resistiria a uma anestesia geral devido à sua fragilidade”, o capelão sublinha: “No final da cirurgia, que foi tremenda e contemplou um corte de costelas na zona do peito e a retirada de líquido dos pulmões, o doutor Freire, que não era crente, num desabafo com a enfermeira disse que estava muito espantado com aquela criança, que não gritou nem estrebuchou, e que só disse: ‘Meu Jesus, minha Nossa Senhora’. Foi nessa conversa que o médico soube que aquela criança era a Jacinta”, descreve o padre Carlos. “Esta é a parte que eu acho muito bonita nos pastorinhos: enquanto nós assim que nos dói a barriga Deus deixa logo de existir, com Francisco e Jacinta todo o sofrimento teve uma causalidade, um sentido. A identificação com Jesus na cruz é a plenitude destas crianças”, garante o capelão da Estefânia.
Um dos locais do Hospital de Dona Estefânia mais visitado pelos peregrinos e pelos doentes é o memorial de Jacinta, instalado no 2º piso, o mais perto possível do local onde a pastorinha de Fátima esteve. “Nos anos 50 do século passado, o hospital, que este ano celebra 140 anos, estava em ruínas e com as obras em profundidade passou de dois pisos, com um pé-direito muito alto, para três. Isto fez com que se perdesse o sítio exato onde a Jacinta esteve. Há pessoas que relataram o local onde estava a cama, mas perdemos essa referência ao local exato onde a Jacinta partiu para Deus”, explica o capelão, salientando, contudo, que “o memorial está mesmo muito perto desse local”. “O memorial é um lugar onde as pessoas vêm diariamente rezar e fazer a sua devoção aos pastorinhos”, frisa. A capela, segundo este sacerdote, “é a única parte do hospital que se conserva intacta desde a origem”. Contudo, “não há exatamente a certeza se a Jacinta a terá visitado”. É neste local sagrado que se encontra uma imagem de Jacinta, à esquerda do sacrário, da autoria de Maria Amélia Carvalheira. “Esta imagem estava junto ao memorial e só quando a Jacinta foi beatificada, no ano 2000, veio para a capela”, justifica o capelão.
A capelania conserva também algumas relíquias, “não propriamente da passagem de Jacinta pelo hospital”, referentes à pastorinha de Fátima. “Temos um relicário, cedido pelo padre Kondor [antigo vice-postulador da Causa da Canonização dos Pastorinhos de Fátima, falecido em 2009], com relíquias da Jacinta, do Francisco e da pequena árvore onde Nossa Senhora apareceu, e temos outro relicário com um pedacinho também da azinheira”, conta, destacando igualmente “a estola usada pelo Papa João Paulo II, na celebração de beatificação dos pastorinhos, que foi oferecida à capelania também pelo padre Kondor”.
Peregrinação
Capelão do Hospital de Dona Estefânia há 14 anos, o padre Carlos Azevedo lembra as “muitas conversas e os muitos encontros” que manteve com o padre Luís Kondor para perceber “a importância e o alcance do Hospital de Dona Estefânia dentro da mensagem de Fátima”. “Há uma frase que o padre Kondor nos ensinou: ‘O culto dos santos é feito do sítio de onde eles partem para Deus’. O padre Kondor sempre teve esta sensibilidade, sempre insistiu fortemente nela. Muitas coisas ele nos ensinou acerca da Jacinta, concretamente aqui em Lisboa, e fomos desenvolvendo, cada vez mais, esta atenção à mensagem de Fátima, a partir também da passagem da Jacinta, quer por este hospital, quer também pela casa na Estrela”, manifesta o capelão, referindo “não ter noção” do número de pessoas que se deslocam a esta unidade hospitalar. “São, com certeza, vários milhares de pessoas – mais estrangeiros do que portugueses – que vêm todos os anos a Lisboa como peregrinos”.
Segundo este sacerdote, de 48 anos, “os Movimentos da Mensagem de Fátima, não só de Lisboa mas também do país inteiro, têm tido um crescimento muito significativo e o número de peregrinações e de peregrinos que vêm ao Hospital de Dona Estefânia tem aumentado”. “É gente que vem fazer um itinerário espiritual, no convento na Estrela e depois no hospital”, aponta, sublinhando a “disponibilidade da capelania para acompanhar” os grupos. “Vêm também muitas escolas e é uma experiência riquíssima que os grupos fazem. Há muitos até que repetem a visita quase todos os anos”, assegura o padre Carlos, convidando “as pessoas ou os grupos a contactar o gabinete de comunicação do hospital ou a capelania” para marcar as visitas.
Vinda para Lisboa
Jacinta, após as aparições, e já no ano de 1918, fica gravemente doente, tal como o seu irmão Francisco e os dois são internados, no hospital de Vila Nova de Ourém. “Foram vítimas da epidemia da época, que era a pneumónica – a Jacinta tinha uma pleurisia purulenta, que a fragilizou imenso. Eles, já de si próprios, pelas fotos que temos acesso, denotam que não seriam crianças muito robustas”, lembra o padre Carlos. Francisco acaba por morrer, em 4 de abril de 1919. Jacinta permanece doente. “Dois anos depois das aparições, um médico de Lisboa, o doutor Eurico, oftalmologista, vai a Fátima, por mediação do cónego Formigão, para ir à procura dos pastorinhos. Recorde-se que todo o movimento à volta de Fátima, e da sua mensagem, já era significativo. Este médico insiste em que Jacinta venha para Lisboa, o que não era nada fácil: desde logo, os médicos já tinham desenganado os pais sobre a possibilidade de a pastorinha sobreviver à doença; por outro lado, naquela altura, todos os cuidados médicos eram pagos e não havia dinheiro na família; além disso, vir de Aljustrel para Lisboa, em termos económicos, era absolutamente assustador”, lembra o sacerdote, recordando que, “após muita insistência do doutor Eurico, e da garantia de prover a todas as necessidades de Jacinta”, a pastorinha acaba por vir para Lisboa. “A 26 de janeiro de 1920, ela vem de comboio para a capital, acompanhada da mãe e de um tio”. No entanto, lembra, “Jacinta não podia ir logo para o hospital devido à questão económica”, tendo sido realizada “uma subscrição pública, ou peditório, para juntar dinheiro”. Nesses dias, até ao internamento hospitalar, “a pastorinha ficou instalada na casa de uma senhora, inspirada por Deus, claramente, a Maria da Conceição Godinho, dona do Orfanato à Estrela”.
Heroicidade no sofrimento
A 2 de fevereiro de 1920, Jacinta entrava no Hospital de Dona Estefânia. “No dia 10 é submetida a uma cirurgia muito exigente e no dia 20 de fevereiro, pelas dez e meia da noite, parte para Deus”, evoca o capelão, sublinhando que “junto a Jacinta estaria uma enfermeira, bem como diversas crianças da enfermaria”. “No próprio dia da sua partida, monsenhor Pereira dos Reis, pároco dos Anjos, vem visitá-la e confessá-la, mas não vinha preparado para lhe dar a comunhão. Mas como achou que Jacinta estava bem – é a chamada ‘melhoras da morte’ – e resistiria, ficou de ir noutro dia”. A pastorinha de Fátima, contudo, viria a falecer nessa noite… Os jornais de Lisboa da época, de acordo com este sacerdote, tinham “alguma sensibilidade em relação à questão de Fátima, de tal maneira que noticiaram que ela tinha vindo para a Estefânia e que tinha morrido”. O corpo de Jacinta vai então para a igreja dos Anjos, onde fica até ao dia 24 de fevereiro. “São muito significativos estes dias, porque foi necessário fazer nova subscrição pública e as pessoas mais abonadas acabaram por prover a que Jacinta pudesse ser trasladada para Ourém”, conta.
O padre Carlos Azevedo explica ainda o que, em seu entender, foi o caminho de santidade dos dois pastorinhos. “Há um aspeto na Estefânia muito significativo e que muito insistimos: costumo dizer, muitas vezes, aos peregrinos que a Jacinta e o Francisco não são agora santos porque viram Nossa Senhora – não é só esse acontecimento que nos faz aferir das virtudes próprias da santidade; é verdade que haveria ali uma belíssima bem-aventurança – pelo menos a pureza de coração tinha de estar presente –, mas os pastorinhos são as primeiras crianças a serem elevadas à glória dos altares sem serem mártires, abrindo um caminho novo na história da Igreja, pela sua heroicidade no sofrimento”.
Lembrando novamente a cirurgia de Jacinta no dia 10 de fevereiro de 1920, “praticamente a sangue frio, porque ela não resistiria a uma anestesia geral devido à sua fragilidade”, o capelão sublinha: “No final da cirurgia, que foi tremenda e contemplou um corte de costelas na zona do peito e a retirada de líquido dos pulmões, o doutor Freire, que não era crente, num desabafo com a enfermeira disse que estava muito espantado com aquela criança, que não gritou nem estrebuchou, e que só disse: ‘Meu Jesus, minha Nossa Senhora’. Foi nessa conversa que o médico soube que aquela criança era a Jacinta”, descreve o padre Carlos. “Esta é a parte que eu acho muito bonita nos pastorinhos: enquanto nós assim que nos dói a barriga Deus deixa logo de existir, com Francisco e Jacinta todo o sofrimento teve uma causalidade, um sentido. A identificação com Jesus na cruz é a plenitude destas crianças”, garante o capelão da Estefânia.
- Leia a reportagem completa na edição do dia 2 de abril do Jornal VOZ DA VERDADE.
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