(RV) O Padre Raniero Cantalamessa, Pregador oficial da Casa Pontifícia, fez, na manhã desta sexta-feira, (07/04), na Capela Redemptoris Mater, no Vaticano, a sua Quinta e última pregação da Quaresma 2017. “Manifestou-se a Justiça de Deus” - Como fazer do V centenário da Reforma protestante uma ocasião de graça e de reconciliação para toda a Igreja, foi o tema da meditação da qual participou o Papa Francisco e membro da Cúria.
O Espírito Santo que – vimos nas meditações anteriores – nos insere
na plena verdade da pessoa de Cristo e no seu mistério pascal, nos
ilumina também sobre um aspecto crucial da nossa fé em Cristo, ou seja,
sobre a maneira pela qual a salvação alcançada por ele chega a nós hoje
na Igreja. Em outras palavras, sobre o grande problema da justificação
do homem pecador por meio da fé. Acredito – disse o pregador - que
tentar lançar luz sobre a história e sobre o estado actual deste debate
seja a melhor forma para fazer do acontecimento do V centenário da
Reforma protestante uma ocasião de graça e de reconciliação para toda a
Igreja.
Ainda hoje, na pessoa religiosa mediana, em certos países do Norte da
Europa, tal doutrina é o divisor de águas entre catolicismo e
protestantismo. Eu mesmo ouvi de vários fieis leigos luteranos a
pergunta: "Você crê na justificação pela fé?", como a condição para
poder ouvir aquilo que eu dizia. Esta doutrina é definida pelos próprios
iniciadores da Reforma “o artigo com o qual a Igreja está em pé ou
cai".
É importante recordar que a tese da justificação pela fé e não pelas
obras, não foi o resultado da polémica com a Igreja da época, mas a sua
causa. Foi uma verdadeira iluminação do alto, uma “experiência Erlebnis,
tal como foi definida por ele próprio.
Então, a Reforma Protestante foi um caso de "muito barulho por nada"?
Fruto de um equívoco? Devemos responder com firmeza: não! As
revoluções, no entanto, não surgem pelas ideias ou pelas teorias
abstractas, mas por situações históricas concretas, e a situação da
Igreja, há tempo, não reflectia realmente aquelas convicções. A vida, a
catequese, a piedade cristã, a direcção espiritual, por não falar depois
da pregação popular: tudo parecia afirmar o contrário, ou seja, que o
que conta são as obras, o esforço humano.
Depois que o cristianismo se tornou religião do Estado, a fé era
absorvida naturalmente através da família, da escola, da sociedade. Não
era tão importante insistir no momento em que se chega à fé e na decisão
pessoal com a qual se torna crentes, mas insistir nas exigências
práticas da fé, em outras palavras, na moral, nos costumes.
A doutrina da justificação gratuita pela fé - disse Frei
Cantalamessa - não é uma invenção do Apóstolo Paulo, mas a mensagem
central do Evangelho de Cristo, independente da forma que tenha sido
conhecida pelo Apóstolo: se por revelação directa do ressuscitado, ou
pela "tradição", que ele diz ter recebido e que não era certamente
limitada às poucas palavras do kerygma. Se não fosse assim, teriam razão
aqueles que dizem que Paulo, não Jesus, é o verdadeiro fundador do
cristianismo.
O núcleo da doutrina está contido já na palavra “Evangelho”, boa notícia, que Paulo com certeza não inventou do nada.
Falando ainda Reforma, o pregador disse que é vital que o centenário
da Reforma não seja desperdiçado permanecendo prisioneiros do passado,
procurando ver quem errou ou quem tem razão, talvez em um tom mais
conciliador do que no passado. Devemos, pelo contrário, dar um passo à
frente, como quando um rio chega a um estreitamente de leito e retoma o
seu curso em um nível mais alto.
A situação mudou desde então. Os problemas que causaram a separação
entre a Igreja de Roma e a Reforma foram particularmente as indulgências
e o modo como ocorre a justificação do ímpio. Mas podemos dizer que
estes são os problemas que levantam ou derrubam a fé do homem de hoje?
Em uma ocasião recordo que o cardeal Kasper fez esta observação: para
Lutero o problema existencial número um era como superar o sentido de
culpa e obter um Deus benevolente; hoje o problema é exactamente o
oposto: como dar novamente ao homem o sentido do pecado que desapareceu
totalmente.
A justificação gratuita por meio da fé em Cristo deveria ser pregada
hoje por toda a Igreja e com mais vigor do que nunca. Não, no entanto,
em oposição às “obras” mencionadas no Novo Testamento, mas em contraste
com a pretensão do homem pós-moderno de salvar-se sozinho com a sua
ciência e tecnologia ou com espiritualidades improvisadas e
tranquilizantes. Estas são as "obras" em que o homem moderno confia.
Estou convencido de que, se Lutero voltasse à vida, esta seria a maneira
pela qual ele também pregaria hoje a justificação pela fé.
Outra coisa importante devemos aprender todos, luteranos e católicos,
do iniciador da Reforma. Para ele a justificação gratuita pela fé era
acima de tudo uma experiência vivida e só mais tarde teorizada.
Nunca devemos perder de vista o ponto principal da mensagem paulina.
Aquilo que o Apóstolo quer por acima de tudo afirmar em Romanos 3 não é
que somos justificados pela fé , mas que somos justificados pela fé em
Cristo; não é tanto que somos justificados pela graça, mas que somos
justificados pela graça de Cristo. É Cristo o coração da mensagem, antes
mesmo que a graça e a fé. É ele, hoje, o artigo com o qual a Igreja
está em pé ou cai: uma pessoa, não uma doutrina. (BS/SP)
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