"Como o Senhor transformou Simão em Pedro, assim chama a cada um para
fazer de nós pedras vivas, com as quais construir uma Igreja e uma
humanidade renovadas. Há sempre quem destrua a unidade e quem apague a
profecia, mas o Senhor acredita em nós e pede-te: «Queres ser construtor
de unidade? Queres ser profeta do meu céu na terra?» Deixemo-nos
provocar por Jesus e ganhemos a coragem de Lhe dizer: «Sim, quero»!"
Homilia do Santo Padre
Eucaristia, com a bênção dos pálios,
na Solenidade dos Apóstolos São Pedro e São Paulo
(Basílica de S. Pedro, 29 de junho de 2020)
Na festa dos dois Apóstolos desta cidade, gostaria de partilhar convosco duas palavras-chave: unidade e profecia.
Unidade. Celebramos conjuntamente duas figuras muito
diferentes: Pedro era um pescador que passava os dias entre os remos e
as redes; Paulo, um fariseu culto, que ensinava nas sinagogas. Quando
saíram em missão, Pedro dirigiu-se aos judeus; Paulo, aos pagãos. E,
quando se cruzaram os seus caminhos, discutiram animadamente, como Paulo
não tem vergonha de contar numa carta (cf. Gal 2, 11-14). Enfim,
eram duas pessoas muito diferentes, mas sentiam-se irmãos, como numa
família unida onde muitas vezes se discute mas sem deixar de se amarem.
Contudo a familiaridade, que os unia, não provinha de inclinações
naturais, mas do Senhor. Ele não nos mandou agradar, mas amar. É Ele que
nos une, sem nos uniformizar. Nos une nas diferenças.
A primeira Leitura de hoje leva-nos à fonte desta unidade. Narra que a
Igreja, pouco depois de ter nascido, passava por uma fase crítica:
Herodes não lhe dava paz, a perseguição era violenta, o apóstolo Tiago
fora morto; e agora acabou preso o próprio Pedro. A comunidade parece
decapitada; cada qual teme pela própria vida. Contudo, neste momento
trágico, ninguém foge, ninguém pensa em salvar a pele, ninguém abandona
os outros, mas todos rezam juntos. Da oração, tiram coragem; da
oração, vem uma unidade mais forte do que qualquer ameaça. Diz o texto
que, «enquanto Pedro estava encerrado na prisão, a Igreja orava a Deus,
instantemente, por ele» (At 12, 5). A unidade é um princípio que
se ativa com a oração, porque a oração permite ao Espírito Santo
intervir, abrir à esperança, encurtar as distâncias, manter-nos juntos
nas dificuldades.
Notemos outra coisa: naqueles momentos dramáticos, ninguém se lamenta
do mal, das perseguições, de Herodes. Ninguém insulta Herodes. E nós
estamos muito habituados a insultar os responsáveis. É inútil, e até
chato, que os cristãos percam tempo a lamentar-se do mundo, da
sociedade, daquilo que está errado. As lamentações não mudam nada.
Recordemo-nos de que as lamentações são a segunda porta fechada ao
Espírito Santo, como disse a vocês no dia de Pentecostes: a primeira é o
narcisismo, a segunda o desânimo, a terceira o pessimismo. O narcisismo
te leva ao espelho, para se olhar continuamente; desânimo, as
lamentações. O pessimismo, ao escuro, à escuridão. Essas três atitudes
fecham a porta do Espírito Santo. Aqueles cristãos não culpavam, mas
rezavam. Naquela comunidade, ninguém dizia: «Se Pedro tivesse sido mais
cauteloso, não estaríamos nesta situação». Ninguém. Pedro, humanamente,
tinha motivos para ser criticado; mas ninguém o criticava. Não
murmuravam contra ele, mas rezavam por ele. Não falavam por trás, mas
falavam com Deus. Hoje, podemos interrogar-nos: «Guardamos a nossa
unidade com a oração, nossa unidade da Igreja? Rezamos uns pelos
outros?» Que aconteceria se se rezasse mais e murmurasse menos, com a
língua um pouco mais tranquila? Aquilo que aconteceu a Pedro na prisão:
como então, muitas portas que separam, abrir-se-iam; muitas algemas que
imobilizam, cairiam. E nós ficaríamos maravilhados como aquela jovem que
vendo Pedro na porta, não conseguia abrir a porta, mas ia dentro,
maravilhada de alegria em ver Pedro. Peçamos a graça de saber rezar uns
pelos outros. São Paulo exortava os cristãos a rezar por todos, mas em
primeiro lugar por quem governa (cf. 1 Tim 2, 1-3). Mas este
governante é ...", e os qualificadores são muitos: eu não os direi,
porque este não é o momento nem o lugar para dizer os qualificadores que
são ouvidos contra os governantes. Mas, que Deus os julgue: mas rezemos
pelos governantes. Vamos rezar. Eles precisam de oração. É uma
tarefa que o Senhor nos confia. Temo-la cumprido? Ou limitamo-nos a
falar, insultar e basta? Quando rezamos, Deus espera que nos lembremos
também de quem não pensa como nós, de quem nos bateu a porta na cara,
das pessoas a quem nos custa perdoar. Só a oração desata as algemas,
como a Pedro; só a oração deixa livre o caminho para a unidade.
Neste dia, benzem-se os pálios que serão entregues ao Decano do
Colégio Cardinalício e aos Arcebispos Metropolitas nomeados no decorrer
do último ano. O pálio recorda a unidade entre as ovelhas e o Pastor
que, como Jesus, carrega a ovelha aos ombros e nunca mais a larga. Além
disso, segundo uma bela tradição, hoje unimo-nos de maneira especial ao
Patriarcado Ecuménico de Constantinopla. Pedro e André eram irmãos; e
entre nós, quando é possível, trocamos uma visita fraterna nas
respetivas festas; não tanto por gentileza, mas para caminhar juntos
rumo à meta que o Senhor nos indica: a unidade plena. Hoje, eles não
conseguiram vir por causa do coronavírus, mas quando desci para venerar
os restos mortais de Pedro, sentia no coração ao meu lado meu amado
irmão Bartolomeu. Eles estão aqui, conosco.
A segunda palavra: profecia. Unidade e profecia. Os nossos Apóstolos foram provocados por Jesus. Pedro ouviu-O perguntar-lhe: «Tu, quem dizes que Eu sou?» (cf. Mt
16, 15). Naquele momento, compreendeu que, ao Senhor, não Lhe
interessam as opiniões gerais, mas a opção pessoal de O seguir. Também a
vida de Paulo mudou depois duma provocação de Jesus: «Saulo, Saulo,
porque Me persegues?» (At 9, 4). O Senhor abalou-o dentro: mais
do que fazê-lo cair por terra no caminho de Damasco, derrubou a sua
presunção de homem religioso e bom. Assim um Saulo altivo tornou-se
Paulo. Paulo que significa «pequeno». A estas provocações, a estas
inversões da vida seguem as profecias: «Tu és Pedro, e sobre esta pedra
edificarei a minha Igreja» (Mt 16, 18); e a Paulo: «É instrumento da minha escolha, para levar o meu nome perante os pagãos» (At
9, 15). Assim, a profecia nasce quando nos deixamos provocar por Deus:
não quando gerimos a própria tranquilidade, mantendo tudo sob controle.
Não nasce de meus pensamentos, não nasce de meu coração coração. Nasce
se nós nos deixamos provocar por Deus. Quando o Evangelho inverte as
certezas, brota a profecia. Só quem se abre às surpresas de Deus é que
se torna profeta. Vemo-lo em Pedro e Paulo, profetas que enxergam mais
além: Pedro é o primeiro a proclamar que Jesus é «o Messias, o Filho de
Deus vivo» (Mt 16, 16); Paulo antecipa a conclusão da sua vida: «Já me aguarda a merecida coroa, que me entregará, naquele dia, o Senhor» (2 Tim 4, 8).
Hoje precisamos de profecia, de verdadeira profecia: não discursos
que prometem o impossível, mas testemunhos de que o Evangelho é
possível. Não são necessárias manifestações miraculosas. Me dói
quando ouço "mas, queremos uma Igreja profética"... Bem. O que fazes
para que a Igreja seja profética? Queremos a profecia. É preciso
vidas que manifestam o milagre do amor de Deus. Não potência, mas
coerência; não palavras, mas oração; não proclamações, mas serviço. Tu
queres uma Igreja profética? Comece a servir, fique calado. Não teoria,
mas testemunho. Precisamos não de ser ricos, mas de amar os pobres; não
de ganhar para nós, mas de nos gastarmos pelos outros; não do consenso
do mundo, o de estar bem com todos. Costumamos dizer: “estar bem com
Deus e com o diabo”...estar bem com todos. Não. Isso não é profecia. Mas
precisamos da alegria pelo mundo que virá; não de projetos pastorais,
estes projetos que parecem ter a própria eficiência, como se fossem
sacramentos, projetos pastorais eficientes: não; mas precisamos de
pastores que ofereçam a vida: de enamorados de Deus. Foi assim,
como enamorados, que Pedro e Paulo anunciaram Jesus. Pedro, antes de ser
colocado na cruz, não pensa em si mesmo, mas no seu Senhor e,
considerando-se indigno de morrer como Ele, pede para ser crucificado de
cabeça para baixo. Paulo está para ser decapitado e pensa só em dar a
vida, escrevendo que quer ser «oferecido como sacrifício» (2 Tim 4, 6). Esta é a profecia. Não palavras. E esta é profecia, a profecia que muda a história.
Amados irmãos e irmãs, Jesus profetizou a Pedro: «Tu és Pedro, e
sobre esta pedra edificarei a minha Igreja». Existe, também para nós,
uma profecia semelhante; encontra-se no último livro da Bíblia, quando
Jesus promete às suas testemunhas fiéis «uma pedra branca», na qual
«estará gravado um novo nome» (Ap 2, 17). Como o Senhor
transformou Simão em Pedro, assim chama a cada um para fazer de nós
pedras vivas, com as quais construir uma Igreja e uma humanidade
renovadas. Há sempre quem destrua a unidade e quem apague a profecia,
mas o Senhor acredita em nós e pede-te: «Tu, tu, tu, tu: queres ser
construtor de unidade? Queres ser profeta do meu céu na terra?» Irmãos e
irmãs, deixemo-nos provocar por Jesus e ganhemos a coragem de Lhe
dizer: «Sim, quero»!
VN
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