“Abraão parte.
Escuta a voz de Deus e confia na sua palavra. Isto é importante: confia
na palavra de Deus”, reiterou Francisco, afirmando que “com esta partida
nasce uma nova maneira de compreender a relação com Deus".
Mariangela Jaguraba - Vatican News
“A oração de Abraão” foi o tema da catequese do Papa Francisco na Audiência Geral, desta quarta-feira (03/06), na Biblioteca do Palácio Apostólico.
“Há uma voz que ressoa improvisadamente na vida de Abraão. Uma voz que o
convida a empreender um caminho que parece absurdo: uma voz que o
encoraja a sair da sua pátria, das raízes da sua família, para ir em
direção a um futuro novo, um futuro diferente. Tudo isto baseado numa
promessa, na qual apenas é preciso confiar. Confiar numa promessa não é
fácil, é preciso coragem. E Abraão confiou”, disse o Pontífice no início
de sua catequese.
A Bíblia cala-se sobre o passado do primeiro patriarca. A lógica faz
pensar que ele adorasse outras divindades, “talvez fosse um homem sábio,
acostumado a examinar o céu e as estrelas. O Senhor promete-lhe que
a sua descendência será numerosa como as estrelas que pontilham o céu”.
Abraão é o homem da palavra
“Abraão parte. Escuta a voz de Deus e confia na sua palavra. Isto é
importante: confia na palavra de Deus”, reiterou Francisco, afirmando
que “com esta partida nasce uma nova maneira de compreender a relação
com Deus. É por este motivo que o patriarca Abraão está presente nas
grandes tradições espirituais judaica, cristã e islâmica como o homem
perfeito de Deus, capaz de se submeter a Ele, mesmo quando a sua vontade
se revela árdua, se não até mesmo incompreensível”.
Abraão é o homem da Palavra. Quando Deus fala, o homem torna-se
receptor dessa Palavra e a sua vida o lugar onde ela pede para se
encarnar. Esta é uma grande novidade no caminho religioso do homem: a
vida do fiel começa a ser entendida como uma vocação, ou seja, chamado,
como um lugar onde uma promessa se realiza; e ele move-se no mundo não
tanto sob o peso de um enigma, mas com a força dessa promessa, que um
dia se realizará. Abraão acreditou na promessa de Deus. Acreditou e foi,
sem saber para onde ia, assim diz a Carta aos Hebreus. Mas ele confiou.
A fé torna-se história na vida de Abraão
Quando lemos o Livro do Gênesis, “descobrimos como Abraão viveu a
oração em contínua fidelidade a essa Palavra, que periodicamente
aparecia ao longo do seu caminho”, disse o Papa, acrescentando:
Em síntese, podemos dizer que, na vida de Abraão, a fé torna-se
história. A fé torna-se história. De facto, Abraão, com a sua vida, com o seu
exemplo, ensina-nos esse caminho, esse caminho no qual a fé se torna
história. Deus não é mais visto apenas nos fenómenos cósmicos, como um
Deus distante, que pode incutir terror. O Deus de Abraão torn-se o “meu
Deus”, o Deus da minha história pessoal, que guia os meus passos, que
não me abandona, o Deus dos meus dias, o companheiro das minhas
aventuras, o Deus Providência. Eu questiono-me e a vós também:
nós temos esta experiência de Deus, o “meu Deus”, o Deus que me
acompanha, o Deus da minha história pessoal, o Deus que guia os meus
passos, que não me abandona, o Deus dos meus dias? Temos esta
experiência? Pensemos um pouco...
O Deus que é certeza
Segundo o Papa, esta experiência de Abraão também é testemunhada por
um dos textos mais importantes da história da espiritualidade: o Memorial de Blaise Pascal que
começa assim: «Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacó, não dos
filósofos e dos sábios. Certeza, certeza. Sentimento. Alegria. Paz. Deus
de Jesus Cristo».
“Este memorial, escrito num pequeno pergaminho, e encontrado depois
da sua morte, costurado dentro de um traje do filósofo, não expressa uma
reflexão intelectual que um homem sábio como ele pode entender sobre
Deus, mas o sentido vivido e experimentado da sua presença. Pascal anota
o momento preciso em que sentiu essa realidade, finalmente encontrada,
na noite de 23 de novembro de 1654. Não é o Deus abstrato ou o Deus
cósmico: não. Ele é o Deus de uma pessoa, de um chamado, o Deus de
Abraão, de Isaac, de Jacó. O Deus que é certeza, que é sentimento, que é
alegria”, disse ainda Francisco.
«A oração de Abraão expressa-se, primeiramente, com ações: homem de
silêncio, em cada etapa constrói um altar ao Senhor», frisou o
Pontífice, citando um trecho do Catecismo da Igreja Católica.
“Abraão não edifica um templo, mas espalha o caminho de pedras que
recordam o trânsito de Deus, um Deus surpreendente, como quando o visita
na figura de três hóspedes, que ele e Sara acolhem com zelo e que
anunciam o nascimento do seu filho Isaac. Abraão tinha 100 anos e a sua
esposa 90, mais ou menos. E eles acreditaram. Confiaram em Deus e Sara,
sua esposa, concebeu. Com aquela idade! Este é o Deus de Abraão, o nosso
Deus, que nos acompanha”, sublinhou o Papa.
Deste modo, “Abraão familiariza-se com Deus, discute com Ele, mas
sempre fiel. Fala com Deus e discute. Até à provação final, quando Deus
pede que ele sacrifique o seu próprio filho Isaac, o filho da velhice, o
único, o herdeiro. Abraão vive a fé como um drama, como um caminhar
tateando à noite, sob um céu desta vez sem estrelas. Muitas vezes
acontece connosco também, de caminhar no escuro, mas com fé. Deus detém a
mão de Abraão pronta para golpear, pois viu a sua disponibilidade
realmente total”.
Aprendamos com Abraão a rezar com fé
O Papa concluiu a sua catequese, convidando-nos a "aprender com Abraão a
rezar com fé: ouvir o Senhor, caminhar, dialogar até discutir”, e
acrescentou:
Não tenhamos medo de discutir com Deus. Direi uma coisa que pode
parecer uma heresia. Muitas vezes ouvi pessoas dizerem-me: “Mas o senhor
sabe, aconteceu-me isso e eu fiquei bravo com Deus”. “Mas teve a
coragem de ficar bravo com Deus?”. “Sim, fiquei bravo!” Esta é uma forma
de oração, porque apenas um filho é capaz de ficar zangado com seu pai e
depois reencontrá-lo. Aprendamos com Abraão a rezar com fé, a dialogar,
a discutir, mas sempre dispostos a acolher a palavra de Deus e
colocá-la em prática. Com Deus, aprendemos a falar como um filho ao seu
pai. Ouvi-lo, responder e discutir, mas transparente, como um filho com o
pai. Assim, Abraão nos ensina a rezar.
VN
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