(RV) Francisco
no Congresso Americano acolhido com grandes aplausos. É a primeira vez
que um Papa põe os pés na casa onde são emanadas as leis nos Estados
Unidos. E Bergoglio considera que o convite lhe foi feito por ser ele
também filho desse grande continente do qual todos nós – disse – “
recebemos muito e em relação ao qual todos partilhamos uma comum
responsabilidade”.
Tendo como refrão no seu discurso o diálogo, a procura do bem comum e
a dignidade para todos, o Papa colheu na própria cultura, história dos
Estados Unidos o exemplo de algumas personalidades do país para
encorajar numa caminhada edificadora para o povo americano e para o
mundo inteiro.
Antes de mais, olhando para os medalhões de rostos importantes e
históricos que ornamentam as paredes da Sala do Congresso, e entre os
quais se distingue o de Moisés, o Papa disse aos Congressistas que
Moisés – patriarca e legislador do povo de Israel – oferece uma boa
síntese do trabalho que lhes é pedido fazer: “proteger com os
instrumentos da lei, a imagem e semelhança modeladas por Deus em cada
rosto humano”.
Mas ao falar aos legisladores, o Papa quis endereçar-se, ao mesmo
tempo, a todo o povo dos Estados Unidos, aos que labutam quotidianamente
e até dão uma mão aos outros; aos anciãos com a sua sageza, aos jovens
que se empenham e que muitas vezes sofrem pela imaturidade de tantos
adultos. Com todos quis dialogar através da memória histórica desse
povo. E neste ano em que se comemoram importantes aniversários de
algumas figuras, como o cento-cinquentenário do assassínio de Abraham
Lincoln, cinquenta anos da marcha conduzida por Martin Luther King, e o
centenário de nascimento de Thomas Merton, o Papa referiu-se a eles, mas
também a Dorothy Day, fundadora do Movimento dos Trabalhadores
Católicos.
Quatro indivíduos, quatro sonhos que devem continuar a orientar os
cidadãos dos Estados Unidos. Lincoln pela sua opção pela liberdade;
Martin Luther King pela liberdade sem exclusão; Dorothy Day, pela
justiça social e os direitos da pessoa; Thomas Merton, pela capacidade
de diálogo e de abertura a Deus.
Falando do Presidente Abraham Lincoln que trabalhou incansavelmente
para que, com a ajuda de Deus, os EUA pudessem ter um novo renascimento
na liberdade, o Papa frisou que “Construir um futuro de liberdade requer
amor pelo bem comum e colaboração num espírito de subsidiariedade e
solidariedade” .
Isto levou-o a recordar que vivemos num mundo dilacerado por ódios e
violências, atrocidades cometidas, por vezes, em nome de Deus e das
religiões. Então há que estar atentos a todas as formas de
fundamentalismos:
“É necessário um delicado equilíbrio para combater a violência
perpetrada em nome duma religião, de uma ideologia ou de um sistema
económico, enquanto se salvaguarda ao mesmo tempo a liberdade religiosa,
a liberdade intelectual e a liberdade individual”.
Mas há que livrar-se da tentação de ver tudo como bem ou mal, justos
ou pecadores, pois sabemos que na tentativa de ser libertados de
inimigos externos podemos alimentar inimigos internos, ou imitar o ódio e
a violência dos tiranos e assassinos para tomarmos o seus lugares. Algo
que o povo americano recusa – disse-lhes o Papa, indicando como
resposta para os males do mundo “a esperança e a atenção para com os
outros, a paz e a justiça”; “coragem e inteligência para resolver as
muitas crises económicas e geopolíticas de hoje”.
O Papa recordou depois o papel das várias denominações religiosas na
construção da sociedade americana, dizendo que é importante também hoje
continuar a escutar a voz da fé, porque é voz de fraternidade e de amor,
elementos necessários na batalha pela eliminação das novas formas
globais de escravatura, fruto de graves injustiças e que requerem novas
políticas e consenso social.
“Se a política deve estar realmente ao serviço da pessoa humana, é
claro que não pode estar submetida ao serviço da economia e da finança” –
frisou Francisco, encorajando a construir, unidos o bem comum.
“Penso também na marcha que Martin Luther King guiou de Selma a
Montgomery há 50 anos como parte da campanha pela realização do seu
“sonho de plenos direitos civis e político para os Afro-americanos.
Aquele sonho continua a inspirar-nos” .
A América continua ainda hoje a ser terra de sonhos, onde não se tem
medo dos estrangeiros, até porque muitos de nós eramos estrangeiros e
somos descendentes de imigrados – disse o Papa, manifestando toda a sua
solidariedade para com os povos indígenas que sofreram com a chegada
desses estrangeiros. Exprimindo o desejo de que erros do passado não se
repitam, encorajou a educar os jovens a não voltar as costas ao próximo.
O Papa recordou que a crise de refugiados que se está a viver
actualmente requer que não se vejam neles números que assustam, mas
pessoas, cujos histórias devemos ouvir, e responder de forma sempre
humana, justa, fraterna. A regra de ouro – insistiu - é “não faças aos
outros o que não gostarias que te fizessem a ti”. Esta regra de ouro
põe-nos “perante a responsabilidade de defender a vida em todas as suas
fazes de desenvolvimento”.
Nesta linha, o Papa recordou que é contra a pena de morte e apoia a
todos nesta opção, pois, tudo embora dando a justa punição, não se deve
“nunca excluir a dimensão da esperança e o objectivo da reabilitação”´
E nesta época de grandes desafios sociais, o Papa passou depois a
falar da serva de “Deus Dorothy Day, fundadora do Movimento dos
Trabalhadores Católicos.”
Francisco enalteceu o seu empenho social, inspirado no Evangelho,
para recordar os milhões de pessoas encravadas ainda hoje na pobreza e
que precisam de esperança:
“A luta contra a pobreza e a fome deve ser combatida constantemente
em muitas frentes, especialmente nas suas causas. Sei que muitos
americanos hoje, como no passado estão a trabalhar para enfrentar este
problema”.
Isto requer criação e distribuição de riquezas, o correcto uso dos
recursos naturais, a criação de postos de trabalho, e cuidados
ecológicos – sublinhou o Papa, citando a sua encíclica nesta matéria em
que incita a mudar de rota e a criar uma “cultura do cuidado” ambiental.
Finalmente, referindo-se a Thomas Merton, nascido nos Estados Unidos,
há um século, quando iniciava a Grande Guerra, o Papa disse que ele
“permanece uma fonte de inspiração espiritual e uma guia”, pois embora
ele tivesse vivido num contexto de ódio praticado mesmo por pessoas que
diziam amar a Deus, ele tomou consciência disso, tornando-se no homem
que foi:
“Merton era antes de mais um homem de oração, um pensador que
desafiou as certezas desse tempo e abriu novos horizontes para as almas e
para a Igreja. Foi um homem de diálogo, um promotor de paz entre os
povos e religiões”.
Tendo em mente esta figura e sentindo-se no dever de construir
pontes, o Papa recordou que quando há desacordo é preciso diálogo e
colher com coragem, audácia e responsabilidade as oportunidades de
abertura.
“Um bom líder político é aquele que, tendo presente os interesses de
todos, colhe o momento com espírito de abertura e sentido prático. Um
bom líder político opta sempre por “iniciar processos mais que possuir
espaços”.
Estar ao serviço do diálogo e da paz é estar determinados a pôr termo
a conflitos armados em todo o mundo – sublinhou – mas então porque é
que “se vendem armas mortais aqueles que planificam infligir indizíveis
sofrimentos a indivíduos e sociedades»? – simplesmente pelo dinheiro,
dinheiro permeado de sangue dos inocentes – respondeu o Papa,
denunciando o silêncio perante isto e o enaltecendo o “dever enfrentar o
problema e travar o comercio de armas”.
O Papa terminou o seu discurso chamando a atenção para o Encontro
Mundial das Famílias em Filadélfia, dizendo querer que a família seja o
tema recorrente desta sua visita. Família que tem sido importante para
construção dos Estados Unidos e que continua a merecer todo o apoio e
encorajamento – referiu, dizendo-se preocupado com a família tão
ameaçada nos dias de hoje, tanto interna como externamente. Relações
fundamentais e a própria base matrimonial da família são postas em
questão. E perante isto o Papa “não pode senão repropor a importância, e
sobretudo, a riqueza e a beleza da vida familiar”
Francisco chamou a atenção sobretudo para os jovens, membros mais
vulneráveis da família, recordando que os seus problemas são os nossos e
que é necessário enfrentá-los juntos para encontrar soluções eficazes
em vez de permanecer empantanados nas discussões”.
E, resumindo, deixou mais esta mensagem:
“Uma nação pode ser considerada grande quando defende a liberdade,
como fez Lincoln; quando promove uma cultura que consente às pessoas
“sonhar” plenos direitos para todos os próprios irmãos e irmãs, como
Martin Luther King procurou fazer; quando a luta contra a justiça e a
causa dos oprimidos, como Dorothy Day fez com o seu incansável trabalho,
fruto de uma fé que se torna diálogo e semea paz no estilo
contemplativo de Thomas Merton.”
E concluiu auspiciando que o espírito do povo americano marcado pela
riqueza cultural de que estas figuras são alguns exemplos, “continue a
desenvolver-se e a crescer, de modo a que o maior número possível de
jovens possa herdar e viver numa terra que inspirou um tão grande número
de pessoas a sonhar”. Deus bendiga a América!
(DA)
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