RV) O
Papa denunciou os males que perturbam o mundo, mas exprimiu também o
seu apreço por diversas situações que deixam esperar num mundo de paz e
agradeceu a Deus por isso, convidando a evitar “que o nosso olhar seja
dominado pelo pessimismo”.
Logo depois de ter saudado e agradecido os Embaixadores pelo seu
empenho no sentido de “favorecer e incrementar, com espírito de mútua
colaboração” , as relações com a Santa Sé, o Papa fez ressoar fortemente
a palavra paz que é um dom de Deus, mas também um convite à
responsabilidade individual e social.
O Papa evocou o presépio, símbolo dessa paz, mas também da rejeição,
do drama do desprezo até à morte na cruz de que Jesus foi objecto.
“E, se assim foi tratado o Filho de Deus, ainda pior o são muitos dos nossos irmãos e irmãs”
Há uma índole da rejeição – frisou o Papa - que nos leva a deixar de
fora o outro, transformando-o num súbdito a dominar. É uma mentalidade
que gera aquela cultura de descarte, cultura da qual nasce “uma
humanidade ferida, continuamente dilacerada por tensões e conflitos de
toda a espécie”
Exemplo disso foi o rei Herodes que, vendo em Jesus uma ameaça ao seu
poder, mandou matar todos os meninos de Belém, algo que traz ao
pensamento – disse o Papa – as mais de cem crianças trucidadas no
Paquistão.
A dimensão social da cultura do descarte – continuou – desabrocha na
desagregação da sociedade, acabando por gerar violência e morte, como o
“trágico massacre que há dias sucedeu em Paris". Os outros “deixam de
ser sentidos como seres de igual dignidade, como irmãos e irmãs em
humanidade, passando a ser vistos como objectos”, como escravos de
modas, poder, formas equivocadas de religião. Escravaturas que nascem
“dum coração corrupto, incapaz de ver e fazer o bem, de buscar a paz”.
“É uma guerra mundial combatida por pedaços” voltou a dizer
Francisco, recordando que “tais conflitos embora de forma diferente
tocam várias partes do mundo”, para as quais o Papa invocou sempre o
diálogo como forma de se chegar à paz. E começou por citar casos como a
Ucrânia, o Médio Oriente, onde há outros conflitos com consequências
assustadoras, como o “alastramento do terrorismo de matriz
fundamen-talista entre a Síria e o Iraque. Este fenómeno é consequência
da cultura do descarte aplicada a Deus” que é reduzido “a um mero
pretexto ideológico” - disse o Papa, para quem tudo isto requer “uma
resposta unânime” a fim de travar o alastrar das violências e
restabelecer a concórdia. E por isso lançou um apelo a toda a comunidade
internacional e aos diferentes governos para que “Assumam iniciativas
concretas em prol da paz” para essa região que, sem cristãos seria um
Médio Oriente desfigurado – disse referindo-se à sua carta aos cristãos
no Natal.
O Papa falou depois da Nigéria “onde não cessam as violências que
atingem indiscriminadamente a população”, “um flagelo que é preciso
erradicar, pois nos atinge a todos nós”.
Francisco referiu-se também com apreensão aos “conflitos de carácter
civil que afectam outras partes da África” como a Líbia, a República
Centro-Africana, onde há resistência aos esforços de paz; à situação no
Sudão do Sul e nalgumas regiões do Sudão, do Corno de África e da
República Democrática do Congo, onde não cessa de crescer o número de
vítimas entre a população civil – disse - almejando “um compromisso
conjunto dos vários governos e da comunidade internacional, para que se
ponha termo a toda a espécie de luta, ódio e violência e se comprometa a
favor da reconciliação, da paz e da defesa da dignidade transcendente
da pessoa”.
Mas Francisco não esquece também o estupro que fere no corpo e na alma a dignidade de mulheres daquele país africano.
O rosto mais emblemático da cultura do descarte – o desprezo do ser
humano por parte de quem detém o poder – verifica-se em todos os
conflitos bélicos, mas o Papa chamou também a atenção para “formas
subtis e astutas de rejeição”. E recordou os doentes isolados e
marginalizados, entre os quais os afectados pela epidemia de Ébola. A
este respeito apelou mais uma vez a comunidade internacional a assegurar
uma assistência humanitária adequada aos pacientes e para que haja um
esforço comum para debelar a doença.
Outras vidas descartadas são também os numerosos deslocados e
refugiados,entre as quais crianças sós – disse o Papa - recordando que
também a Sagrada Família foi forçada a fugir da sua terra Natal, tal
como acontece hoje com milhares de pessoas à procura simplesmente de
salvar a própria vida. Mas para além do drama das viagens a que são
sujeitas, vêem-se também obrigados “a enfrentar o drama da rejeição”.
Perante isto “é necessária uma mudança de atitude” – disse, exortando
“Tanto os Estados como as organizações internacionais a agirem
diligentemente para resolver estas graves situações humanitárias e
fornecer aos países de origem dos migrantes ajudas que favoreçam o
progresso sócio-político e a superação dos conflitos internos, que são a
causa principal de tal fenómeno. É necessário agir sobre as causas e
não apenas sobre os efeitos".
Depois há os exilados ocultos, ou seja os idosos, os deficientes,
considerados um fardo para as próprias famílias, os jovens sem trabalho,
a própria família que não goza de apoios adequados, para o bem da
sociedade quando se apoiam outras formas de convivência… “tudo isto é
contrário à dignidade humana e deriva duma mentalidade que põe no centro
o dinheiro, os benefícios e os lucros económicos em detrimento do
próprio homem” – disse o Papa.
Ainda no que perturba a paz no mundo o Papa recordou que uma
globalização niveladora gera um mundo uniforme e desprovido de
identidade é fácil detectar o desânimo nas pessoas, desânimo que é
agravado também pela crise económica. E o Papa fala da necessidade de
animar os jovens, reflectindo sobre o modo como lhes são transmitidos os
valores e qual tipo de sociedade nos preparamos para lhes entregar –
disse recordando o seu encontro com os jovens na Coreia do Sul e,
evocando a sua partida hoje de novo para a Ásia, exprimiu o desejo que
seja retomada o diálogo entre as duas Coreias.
No capítulo dos aspectos positivos que dão esperança ao mundo, o Papa
evocou a cultura do encontro que encontrou na Albânia; a Turquia, ponte
histórica entre o Oriente e Ocidente, e onde pode constatar os frutos
do diálogo ecuménico e inter-religioso, assim como a solicitude pelos
refugiados do Médio Oriente, o mesmo na Jordânia; a retomada do diálogo
entre os Estados Unidos e Cuba depois de mais de 50 anos de silêncio; as
transformações político-sociais no Brukina-Faso; o acordo que pôs fim
em Março passado a longos anos de tensões nas Filipinas. O Papa
encorajou também o empenho a favor duma paz estável na Colômbia, bem
como as iniciativas que visam restabelecer a concórdia na vida política e
social da Venezuela e exprimiu a esperança de que em breve se chegue a
um entendimento definitivo entre o Irão e chamado Grupo dos 5+1 sobre a
utilização da energia nuclear para fins pacíficos.
O Papa manifestou satisfação também pelo encerramento definitivo, por
parte do Estados Unidos, da prisão de Guantánamo e a disponibilidade
de alguns países para acolher os detidos.
Por fim encorajou os países que estão empenhados em favorecer o
desenvolvimento humano, a estabilidade política e a convivência civil
entre os seus cidadãos.
E recordando as palavras de Papa Paulo XVI, “nunca mais a guerra,
nunca mais a guerra”, disse que esta é também a sua invocação para este
novo ano em que haverá a continuação de dois processos importantes: a
redacção da Agenda do Desenvolvimento pós-2015, com a adopção dos
Objectivos de desenvolvimento sustentável e a elaboração de um novo
Acordo sobre o clima. O pressuposto para tudo isso – rematou - é a paz
que brota da conversão do coração.
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