05 janeiro, 2015

Dom Toso: sobre a paz e os direitos, os líderes mundiais escutem o Papa Francisco



(RV) Decorreu de 3 a 5 de janeiro na Casa Frate Jacopa em Roma a tradicional "Escola de Paz" do início do ano. O evento foi aberto pelo relatório do arcebispo Dom Mario Toso, secretário do Conselho Pontifício Justiça e Paz, que incidiu na mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz deste ano centrada no tema "já não escravos, mas irmãos". Alessandro Gisotti pediu a Dom Toso, que recentemente publicou com a LEV o volume  "Riappropriarsi della Democrazia” (reapropriar-se da democracia), para comentar sobre a mensagem do Papa com um olhar para o ano que apenas começou:

R. Através das formas modernas de escravatura, o ser humano é esmagado, não lhe é reconhecida a dignidade transcendente e lhe é tirada a liberdade. E com isto é mantido vivo um vírus que, além de destruir o indivíduo, prejudica fatalmente a vida da sociedade, que é baseada na igualdade, reconhecimento recíproco, na comunhão e união moral entre as pessoas. Promove-se uma sociedade onde existe aquele que se comporta como senhor e aquele que é reduzido a mera coisa, mercadoria, meio. Uma coisa absurda sob o ponto de vista moral e civil. É necessário reagir rapidamente, diz o Papa, antes de tudo, por meio da superação de uma indiferença generalizada e uma mobilização coral para vencer uma das pragas que humilham as pessoas, especialmente os mais fracos e indefesos. Começando com o indivíduo, a sociedade civil e os Estados, a nível nacional e internacional. Ao lado de um urgente e convergente trabalho institucional de prevenção, de protecção das vítimas e de acção judiciária contra os responsáveis, precisamos de um vasto empenho articulado em três linhas principais: a assistência às vítimas; a reabilitação sob o perfil psicológico e formativo; a reintegração na sociedade de destino ou de origem. Um esforço decisivo para a acção de contraste, segundo o Papa Francisco, é dado pelas leis nacionais em matéria de migração, o emprego, as adopções, a deslocalização das empresas e a comercialização de produtos realizados mediante a exploração, que devem realmente ( e não apenas formalmente) respeitar a dignidade das pessoas.

Dito por outras palavras, pode-se dizer que o flagelo da escravatura moderna pode ser curada por meio Estado social  que hoje está sendo gradualmente desmanteladas sob os golpes de um neo-individualismo utilitarista que não reconhece a relacionalidade e a solidariedade. Pode ser prevenido através da universalização de uma democracia de alta intensidade, onde é feito possível para todos o acesso à educação, ao emprego, à segurança sanitária, à habitação, à alimentação, à terra. Assim,   pode ser vencido por meio da afirmação de um  Estado de direito que, como afirmou o Papa Francisco diante do Parlamento Europeu (25 de Novembro de 2014), se baseia na dignidade transcendente do homem e deve ser preservado daquele neo-individualismo libertário e daquele neo-utilitarismo hoje parecem miná-lo, pondo em jogo os próprios direitos, a segurança das normas e a certeza das penas.
    
"A paz é sempre possível", disse o Papa Francisco durante o Angelus do dia 1 de Janeiro. Mesmo no fim de 2014, vimos a viragem histórica entre os EUA e Cuba, favorecida pelo papel do Papa. É possível que também outros líderes políticos podem fazer uso daquilo que se tem chamado "efeito Francisco"?

R. Certamente. Além disso, infelizmente, também a guerra é sempre possível. O próprio Papa Francisco falou da existência de uma "Terceira Guerra Mundial em pedaços". Os equilíbrios entre  Estados e superpotências, alcançados com grandes esforços e anos de trabalho, se não forem devidamente apoiados e reforçados, podem desagregar-se. Basta pensar, sem ir muito longe, nas relações entre a Comunidade Europeia e a Rússia de Putin, no seu arrefecimento e sua deterioração em relação à questão da Crimeia e Ucrânia, às consequências económicas e políticas. E depois não devemos esquecer os arsenais de armas mortais que continuam a existir e que são atualizadas com terríveis instrumentos de morte da nova geração. Em última análise, não se pode parar no caminho da construção da paz, na remoção das possíveis causas da guerra. A melhor maneira de preveni-la é sempre a da educação, da boa política, o contraste eficaz em relação à deterioração do Estado de direito e da democracia, hoje inclinada para formas populistas, oligárquicas, assistencialistas. Não podemos aceitar formas democráticas que, finalmente, envolvem e beneficiam apenas um terço da população, enfraquecendo as classes médias e marginalizando os mais fracos, fomentando, assim, conflitos sociais

O ano de 2014 foi um ano infelizmente marcado por novas guerras, violência e por perseguições contra os cristãos e outras minorias, basta pensar no Iraque. Que contribuição acha que o Papa e a Igreja vão dar num mundo assim fragmentado?

R. A contribuição pode e deve ser diversificada. Existem, certamente, as palavras, os gestos do Pontífice. De especial importância o seu empenho em encontrar e falar com os diferentes líderes religiosos para estabelecer uma aliança contra todas as formas de fanatismo, fundamentalismo e do laicismo agressivos e excludentes, em defesa do direito à liberdade religiosa para todos. Há, depois, a ação dos vários Dicastérios da Cúria Romana, que são chamados a ajudar o papa e a Igreja neste sentido. Mas há também uma frente própria dos leigos que, com as suas associações e movimentos, devem lutar com mais coragem para os direitos das minorias, mas em geral, para os direitos de todos. Também neste campo, deve-se trabalhar no plano da prevenção, a defesa e promoção de um  Estado de direito não só fundado no consenso social, mas também, e primariamente, na lei moral natural, na busca comum da verdade, do bem e de Deus. Quando são desconsideradas estas premissas da liberdade religiosa é muito difícil poder derrotar aquele  espírito sectário e excludente que está na origem das perseguições, e, infelizmente, também é reforçado pelo individualismo libertário, cada vez mais penetrante e corrosivo.

O Papa anunciou que está para breve a publicação da sua Encíclica dedicada ao meio ambiente e ao desenvolvimento. O que podemos esperar deste documento, pensando nos muitos pronunciamentos do Papa Francesco sobre esta questão, mesmo recentemente?

R. Creio que um dos pontos principais será representado pela apresentação da actual questão ambiental como uma questão meramente antropológico e ética. Na solução de uma tal grande questão, inevitavelmente interligada com múltiplos outros problemas sociais e culturais, será decisivo um humanismo transcendente e relacional que apenas uma cultura aberta a Deus pode tornar possível. Um segundo aspecto que não será esquecido será certamente o da intrínseca conexão entre a questão da vida humana e a questão do meio ambiente, um aspecto  já  bem evidenciado pelo Papa Bento XVI na Caritas in Veritate. Não se pode pensar de resolver a questão ambiental sem uma ecologia humana. Não se pode esperar numa solução que salve o planeta do seu declínio inexorável quando se toma de assalto o Estado de direito e se procede a desmantelá-lo, começando pelo reconhecimento de um imaginário direito ao aborto, como aconteceu recentemente na França.

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