(RV) Decorreu
de 3 a 5 de janeiro na Casa Frate Jacopa em Roma a tradicional "Escola
de Paz" do início do ano. O evento foi aberto pelo relatório do
arcebispo Dom Mario Toso, secretário do Conselho Pontifício Justiça e
Paz, que incidiu na mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz
deste ano centrada no tema "já não escravos, mas irmãos". Alessandro
Gisotti pediu a Dom Toso, que recentemente publicou com a LEV o volume
"Riappropriarsi della Democrazia” (reapropriar-se da democracia), para
comentar sobre a mensagem do Papa com um olhar para o ano que apenas
começou:
R. Através das formas modernas de escravatura, o ser humano é
esmagado, não lhe é reconhecida a dignidade transcendente e lhe é tirada
a liberdade. E com isto é mantido vivo um vírus que, além de destruir o
indivíduo, prejudica fatalmente a vida da sociedade, que é baseada na
igualdade, reconhecimento recíproco, na comunhão e união moral entre as
pessoas. Promove-se uma sociedade onde existe aquele que se comporta
como senhor e aquele que é reduzido a mera coisa, mercadoria, meio. Uma
coisa absurda sob o ponto de vista moral e civil. É necessário reagir
rapidamente, diz o Papa, antes de tudo, por meio da superação de uma
indiferença generalizada e uma mobilização coral para vencer uma das
pragas que humilham as pessoas, especialmente os mais fracos e
indefesos. Começando com o indivíduo, a sociedade civil e os Estados, a
nível nacional e internacional. Ao lado de um urgente e convergente
trabalho institucional de prevenção, de protecção das vítimas e de acção
judiciária contra os responsáveis, precisamos de um vasto empenho
articulado em três linhas principais: a assistência às vítimas; a
reabilitação sob o perfil psicológico e formativo; a reintegração na
sociedade de destino ou de origem. Um esforço decisivo para a acção de
contraste, segundo o Papa Francisco, é dado pelas leis nacionais em
matéria de migração, o emprego, as adopções, a deslocalização das
empresas e a comercialização de produtos realizados mediante a
exploração, que devem realmente ( e não apenas formalmente) respeitar a
dignidade das pessoas.
Dito por outras palavras, pode-se dizer que o flagelo da escravatura
moderna pode ser curada por meio Estado social que hoje está sendo
gradualmente desmanteladas sob os golpes de um neo-individualismo
utilitarista que não reconhece a relacionalidade e a solidariedade. Pode
ser prevenido através da universalização de uma democracia de alta
intensidade, onde é feito possível para todos o acesso à educação, ao
emprego, à segurança sanitária, à habitação, à alimentação, à terra.
Assim, pode ser vencido por meio da afirmação de um Estado de direito
que, como afirmou o Papa Francisco diante do Parlamento Europeu (25 de
Novembro de 2014), se baseia na dignidade transcendente do homem e deve
ser preservado daquele neo-individualismo libertário e daquele
neo-utilitarismo hoje parecem miná-lo, pondo em jogo os próprios
direitos, a segurança das normas e a certeza das penas.
"A paz é sempre possível", disse o Papa Francisco durante o Angelus
do dia 1 de Janeiro. Mesmo no fim de 2014, vimos a viragem histórica
entre os EUA e Cuba, favorecida pelo papel do Papa. É possível que
também outros líderes políticos podem fazer uso daquilo que se tem
chamado "efeito Francisco"?
R. Certamente. Além disso, infelizmente, também a guerra é sempre
possível. O próprio Papa Francisco falou da existência de uma "Terceira
Guerra Mundial em pedaços". Os equilíbrios entre Estados e
superpotências, alcançados com grandes esforços e anos de trabalho, se
não forem devidamente apoiados e reforçados, podem desagregar-se. Basta
pensar, sem ir muito longe, nas relações entre a Comunidade Europeia e a
Rússia de Putin, no seu arrefecimento e sua deterioração em relação à
questão da Crimeia e Ucrânia, às consequências económicas e políticas. E
depois não devemos esquecer os arsenais de armas mortais que continuam a
existir e que são atualizadas com terríveis instrumentos de morte da
nova geração. Em última análise, não se pode parar no caminho da
construção da paz, na remoção das possíveis causas da guerra. A melhor
maneira de preveni-la é sempre a da educação, da boa política, o
contraste eficaz em relação à deterioração do Estado de direito e da
democracia, hoje inclinada para formas populistas, oligárquicas,
assistencialistas. Não podemos aceitar formas democráticas que,
finalmente, envolvem e beneficiam apenas um terço da população,
enfraquecendo as classes médias e marginalizando os mais fracos,
fomentando, assim, conflitos sociais
O ano de 2014 foi um ano infelizmente marcado por novas guerras,
violência e por perseguições contra os cristãos e outras minorias, basta
pensar no Iraque. Que contribuição acha que o Papa e a Igreja vão dar
num mundo assim fragmentado?
R. A contribuição pode e deve ser diversificada. Existem, certamente,
as palavras, os gestos do Pontífice. De especial importância o seu
empenho em encontrar e falar com os diferentes líderes religiosos para
estabelecer uma aliança contra todas as formas de fanatismo,
fundamentalismo e do laicismo agressivos e excludentes, em defesa do
direito à liberdade religiosa para todos. Há, depois, a ação dos vários
Dicastérios da Cúria Romana, que são chamados a ajudar o papa e a Igreja
neste sentido. Mas há também uma frente própria dos leigos que, com as
suas associações e movimentos, devem lutar com mais coragem para os
direitos das minorias, mas em geral, para os direitos de todos. Também
neste campo, deve-se trabalhar no plano da prevenção, a defesa e
promoção de um Estado de direito não só fundado no consenso social, mas
também, e primariamente, na lei moral natural, na busca comum da
verdade, do bem e de Deus. Quando são desconsideradas estas premissas da
liberdade religiosa é muito difícil poder derrotar aquele espírito
sectário e excludente que está na origem das perseguições, e,
infelizmente, também é reforçado pelo individualismo libertário, cada
vez mais penetrante e corrosivo.
O Papa anunciou que está para breve a publicação da sua Encíclica
dedicada ao meio ambiente e ao desenvolvimento. O que podemos esperar
deste documento, pensando nos muitos pronunciamentos do Papa Francesco
sobre esta questão, mesmo recentemente?
R. Creio que um dos pontos principais será representado pela
apresentação da actual questão ambiental como uma questão meramente
antropológico e ética. Na solução de uma tal grande questão,
inevitavelmente interligada com múltiplos outros problemas sociais e
culturais, será decisivo um humanismo transcendente e relacional que
apenas uma cultura aberta a Deus pode tornar possível. Um segundo
aspecto que não será esquecido será certamente o da intrínseca conexão
entre a questão da vida humana e a questão do meio ambiente, um aspecto
já bem evidenciado pelo Papa Bento XVI na Caritas in Veritate. Não se
pode pensar de resolver a questão ambiental sem uma ecologia humana. Não
se pode esperar numa solução que salve o planeta do seu declínio
inexorável quando se toma de assalto o Estado de direito e se procede a
desmantelá-lo, começando pelo reconhecimento de um imaginário direito ao
aborto, como aconteceu recentemente na França.
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