(RV) Não cessam os
combates em Aleppo, onde as forças rebeldes e o Exército de Bashar
al-Assad travam um feroz combate pelo controle da cidade. São centenas
os mortos nestes dias. Quem mais sofre as consequência são sempre os
civis, sobretudo as crianças, como denunciou o Papa Francisco no Angelus
deste domingo, apontando o dedo contra “a falta de vontade de paz dos
poderosos”, numa guerra que já dura mais de 5 anos.
O Núncio Apostólico na Síria, Dom Mario Zenari, comentou as palavras do Papa Francisco aos microfones da Rádio Vaticano:
“O Papa usa palavras fortes: “É inaceitável – diz – que tantas
pessoas inocentes, civis e sobretudo tantas crianças, paguem o preço
deste conflito”. E aqui eu gostaria de recordar também o contínuo
chamamento das Nações Unidas aos combatentes, a grande obrigação que têm os
combatentes em respeitar o direito humanitário internacional, a começar
pela proteção dos civis... Ban Ki-moon não cessa de repetir que também a
guerra tem as suas regras...
Infelizmente, no que tange à proteção dos
civis, estes cinco anos e meio de guerra revelaram-se um fracasso: se
pensarmos que diariamente são atingidos hospitais, escolas, mercados
populares, até mesmo campos de refugiados, igrejas, mesquitas; se
pensarmos que a população civil inocente foi atingida diversas vezes no
decorrer dos últimos três anos, vítima por exemplo, de armas químicas: a
comunidade internacional constatou, infelizmente, o uso desta arma
química mesmo que ainda não tenha identificado os culpados; depois,
gostaria de recordar a população civil indefesa, inocente, vítima da
arma da fome: se pensamos nas cerca de 600 mil pessoas assediadas e mais
ainda, às cerca de cinco milhões que vivem em localidades de difícil
acesso por causa da guerra: ainda, gostaria de recordar a população
civil em algumas zonas vítimas da arma da sede: pensemos em Aleppo onde
há alguns meses foram fechados as condutas de água; pensemos ainda nos
remédios, às vezes também usados como arma: em algumas localidades é
proibido o acesso aos remédios, aos instrumentos cirúrgicos.... E
depois, entre estas vítimas civis – como bem recorda o Papa – estão as
crianças: e ali, há um ano, as estatísticas falavam de cerca de 14 mil
vítimas entre crianças e menores mortos na Síria, aos quais, depois,
somam-se os mortos na travessia dos mares, algumas destas crianças
mortas de fome, muitas mutiladas... Vi em mais de uma ocasião em
Damasco, mesmo há dois dias, crianças que indo ou retornando da escola
foram atingidas por golpes de lascas de morteiros, que tiveram membros
amputados... Vi uma outra criança com um olho atravessado por uma
lasca...quantos eu vi! E depois estas crianças em certas localidades e
também em certos campos de refugiados, são submetidas a abusos sexuais,
as meninas a casamentos precoces; temos o triste fenómeno dos
meninos-soldado, temos mais de dois milhões de crianças não
escolarizadas... Portanto, eu diria que este chamamento do Papa é muito,
muito oportuno...”.
RV: O Papa falou de falta de vontade de paz dos poderosos...
“Aqui toca-se com a mão, como infelizmente a Síria tenha-se tornado
um campo de batalha por interesses geopolíticos regionais e
internacionais. Cada vez fica mais evidente que é uma guerra por
procuração; é uma guerra muito complicada e aqui exigiria-se – como diz
também o Papa – uma vontade mais forte, mais decidida por parte dos
poderosos, para poder acalmar esta terrível guerra”.
RV: Qual é a situação dos cristãos?
“A situação dos cristãos depende da região em que se encontram; são
expostos, como todos, a este sofrimento. Em relação às zonas sob
controle do Estado Islâmico, não temos mais comunidade, como em Deir
Ezzor, como em Raqqa; ali os cristãos partiram antes ainda da chegada do
Estado Islâmico. Temos três paróquias propriedade dos Franciscanos no
nordeste, na zona de Idlib: é uma zona muito, muito “tensa”, uma zona
sob o domínio daquela que – até há poucos dias – se chamava “al Nusra”. Ali
vivem cerca de um milhão de cristãos: sobrevivem; têm a possibilidade de
frequentar a igreja, de rezar, mas não podem manifestar externamente a
sua fé, nem com as cruzes, nem com o badalar de sinos. Esta é a zona
mais “quente” em que estão a viver os cristãos na Síria; e depois existe
a zona de Aleppo, na zona oeste, que está sob controle do exército:
porém, visitei-a há um mês e meio, no final de maio; estes nossos
bairros cristãos são locais justamente sobre a linha de demarcação e ali
vi as nossas catedrais, assim como também as ortodoxas, destruídas:
algo impressionante! Portanto, os cristãos das nossas comunidades de
Aleppo são atualmente aqueles mais expostos a tiros de morteiro e
bombas”.
RV: Quais são as perspectivas para a Síria, hoje?
“É difícil prever, porque o conflito foi assumindo, a cada ano,
aspectos particulares, complicações. Estão envolvidas diversas partes e
isto é o que o torna muito difícil. No início parecia uma guerra civil,
que por si só já é uma catástrofe; mas a ela juntou-se, mais tarde, uma
guerra por procuração, entrou depois uma outra guerra para complicar
tudo e esta é a guerra do Isis, do Daesh, do Estado Islâmico, que trouxe
mais sofrimentos, enormes. E a este propósito, falando do sofrimento
dos civis, gostaria de recordar aquilo que as Nações Unidas, sobretudo
nestas zonas – também na Síria, onde existe este Estado Islâmico – falam
já de um genocídio da população yazidi por obra do Isis, onde em
algumas zonas as mulheres e as jovens são até mesmo vendidas e compradas
no mercado como se fossem animais: a que ponto chegamos! A que ponto a
população civil paga as terríveis consequências deste guerra assim
complicada!”.
RV: O Papa também convidou para sermos próximo à Síria. Mas, como ser solidário com o povo sírio?
“Ontem o Papa usou uma arma: nós temos esta arma em que acreditamos; e
é a arma, antes de tudo, da oração. Foi um bonito momento, quando
chamou todos a rezarem em silêncio e depois rezar juntos a Nossa
Senhora, pela paz. Acreditamos nesta arma da oração. E depois a
solidariedade: a solidariedade efetiva para ir de encontro a este
sofrimento e a esta pobreza que cresce a cada dia; a solidariedade que
faz com que não se esqueça desta tragédia em que estão sofrendo tantos
nossos irmãos e irmãs”.
(JE/SC)
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