09 setembro, 2017

Colombia, abre teu coração e deixa-te reconciliar - Papa Francisco


(RV) Testemunhos de vítimas e carnífices das décadas de guerra na Colombia, alternaram-se, ontem em Villavicencio, na “Liturgia da Reconciliação”, um dos momentos mais esperados desta visita do Papa à Colombia.  Um acto altamente simbólico para suavizar os corações feridos, encorajar a pedir perdão e a perdoar, por forma a trilhar o difícil caminho da paz, há pouco iniciado.

No amplo palco suavemente decorado com panaria branca e amarela sobressia, do alto, o Cristo Negro sem braços nem pernas. E’ o que resta do chamado Cristo de Bojayá, “que no dia 2 de Maio de 2002 presenciou e sofreu o massacre de dezenas de pessoas refugiadas na sua Igreja”. Um Cristo mutilado que conserva, todavia, o rosto, com o qual – frisou o Papa – nos olha e nos ama. Um Cristo que interpela, que recorda o sangue derramado, as vidas destroçadas nessa terra da Colômbia, mas que é ainda “mais Cristo”, porque mostra que “veio para sofrer pelo seu povo e com o seu povo e também para ensinar que o ódio não tem a última palavra” – disse Francisco depois de ouvir com muita concentração e olhar participativo os quatro testemunhos que se sucederam no palco: um homem e três mulheres. A cada testemunho sucedia-se a colocação de um círio aceso numa mesa/altar. Ali foi colocado mesmo uma peça de vestuário branco em recordação dos dois filhos de Pastora Mira, uma senhora já com algum cabelo branco. Comoveu todos e se comoveu ao contar as peripécias dessa guerra que lhe levou os filhos, o marido, as actividades económicas, deixando-a no desconforto, mas que não quebrou a sua capacidade de perdoar. São, todavia, “feridas que custam a cicatrizar” e que fazem sofrer toda a humanidade, havia dito o Papa ao iniciar o seu discurso. Porém, mais que falar, Francisco disse querer estar perto, fixar nos olhos, escutar, abrir o seu coração ao testemunho de vida e de fé, rezar, chorar mesmo com as pessoas dessa terra regada com o sangue de milhares de vítimas inocentes.

Perante esses testemunhos de sofrimento e amargura, mas também de amor e perdão, testemunhos que falam de vida e de esperança, de “não deixar que o ódio se apodere do nosso coração”, o Papa, nas pegadas do salmo 85, agradeceu a Deus pelo dom da renovação:

Obrigado, Senhor, pelo testemunho daqueles que infligiram dor e pedem perdão; daqueles que sofreram injustamente e perdoam. Isto e possível com a vossa ajuda e a vossa presença. Isto já é um sinal enorme de que quereis reconstruir a paz e a concórdia nesta terra colombiana” .

O Papa comentou cada um dos testemunhos apresentados, pondo em relevo os aspectos significativos como a esperança, o amor que liberta contrariamente ao ódio que destrói, o facto de na guerra todos sermos, de algum modo, vitimas, inocentes ou culpadas, o abandonar o conflito e pôr-se a ajudar os outros, enfim, aspectos positivos que ajudam o processo de paz e reconciliação na Colômbia. Colômbia, um campo vasto, onde – advertiu o Papa - ainda há espaço para o joio. Mas – recomendou -  “Estai atentos aos frutos! Cuidai do trigo e não percais a paz por causa do joio”. Mesmo que os frutos não sejam perfeitos, o importante  é não impedir que “a justiça e a misericórdia se unam num abraço que assuma a historia de sofrimento da Colômbia. Curemos aquele sofrimento e acolhamos todo o ser humano que cometeu delitos, reconhece-os, arrepende-se e compromete-se a remediar,  contribuindo para a construção duma ordem nova, onde brilhem a justiça e a paz”.

O Papa recordou ainda que é também indispensável assumir a verdade. Um desafio grande, mas necessário, uma verdade que não leve à vingança de quem é mais frágil, mas à reconciliação e ao perdão.

“A verdade é contar às famílias  dilaceradas pela dor o que aconteceu aos seus parentes desaparecidos. A verdade é confessar o que aconteceu aos menores recrutados pelos agentes da violência. A verdade é reconhecer o sofrimento das mulheres vitimas da violência e abusos”.

E Francisco concluiu esse comovedor encontro a que assistiram milhares de pessoas, essencialmente vestidas de branco, com uma forte exortação aos colombianos a não terem medo da verdade e da justiça e a se reconciliarem:

“Colômbia, abre o teu coração de povo de Deus e deixa-te reconciliar. Não tenhas medo da verdade nem da justiça. Queridos colombianos, não tenhais medo de pedir perdão e de perdoar. Não oponhais resistência à reconciliação que vos faz aproximar uns dos outros, reencontrar-vos como irmãos e superar as inimizades. E’ hora de sanar feridas, lançar pontes, limar arestas. E’ hora de apagar os ódios, renunciar às vinganças e abrir-se à convivência baseada na justiça, na verdade e na criação duma autentica cultura do encontro fraterno”.

E na esperança de que os colombianos possam viver na harmonia e fraternidade desejadas pelo Senhor, o Papa, à maneira de São Francisco de Assis, pediu que sejamos construtores de paz. A seguir depôs perante a imagem do Cristo Negro de Bojayá todas estas intenções, e rezou a esse Cristo mutilado para que os colombianos se comprometam a restaurar o seu corpo e a ser testemunhos do seu amor na misericórdia infinita.

(DA)

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