(RV) O Papa
Francisco celebrou, na manhã deste sábado, dia 19 de Novembro, às 11,00
horas de Roma, na Basilica de S. Pedro, a cerimónia do Consistório
Ordinário Público para a criação de 17 novos Cardeais, provenientes de
onze Nações do mundo e de todos os cinco continentes do planeta Terra,
sublinhando deste modo, a verdadeira universalidade e portanto a
catolicidade da Santa Romana Igreja. É o terceiro Consitório celebrado
pelo Papa Francisco desde a sua eleição ao Ministério de Pedro.
Na homilia Francisco iniciou por sublinhar que “a passagem do
Evangelho escolhida para esta cerimónia (cf. Lc 6, 27-36), faz parte
daquilo que muitos chamam «o discurso da planície». Despois da
instituição dos Doze, Jesus desceu com os seus discípulos para um local
plano, onde uma multidão estava à sua espera para O escutar e ser curada
por Ele. A vocação dos Apóstolos, vincou o Papa, o Santo Padre, aparece
assim associada com este «pôr-se a caminho» rumo à planície, para
encontrar uma multidão que se sentia «atormentada» (Lc 6, 18).
A opção deles, em vez de os fazer permanecer lá no alto, no cimo da
montanha, leva-os para o seio da multidão, coloca-os no meio das suas
tribulações, ao nível da sua vida. Assim o Senhor revela, a eles e a
nós, que o verdadeiro cume se alcança na planície, e esta lembra-nos que
o cume se situa num horizonte e, especialmente, num convite: «Sede
misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso» (Lc 6, 36).
Este convite, recordou o Santo Padre, está porém acompanhado por
quatro imperativos – poderíamos dizer quatro exortações – que o Senhor
lhes dirige, para moldar a sua vocação na existência concreta do
dia-a-dia. São quatro ações que darão forma, encarnarão e tornarão
palpável o caminho do discípulo. Poderíamos dizer que são quatro etapas
da mistagogia da misericórdia: amai, fazei o bem, abençoai e rezai.
Penso que, disse Francisco, sobre estes aspetos, é possível estarmos
todos de acordo, parecendo-nos mesmo razoáveis. São quatro ações que
facilmente realizamos com os nossos amigos, com as pessoas mais ou menos
chegadas, próximas na estima, nos gostos, nos costumes.
O problema, porém, sublinhou ainda Francisco, surge quando Jesus nos
apresenta os destinatários destas ações, e fá-lo com muita clareza, sem
divagações nem eufemismos. Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que
vos odeiam, abençoai aqueles que vos amaldiçoam, rezai pelos que vos
caluniam (cf. Lc 6, 27-28).
Estas ações, não nos vem espontaneamente a vontade de as fazer a
pessoas que aparecem a nossos olhos como um adversário, como um inimigo.
Ao vê-las, a nossa atitude primária e instintiva é desqualificá-las,
desacreditá-las, amaldiçoá-las; em muitos casos, procuramos
«demonizá-las» a fim de ter uma justificação «santa» para nos livrarmos
delas. Ao contrário Jesus, referindo-Se ao inimigo, a quem te odeia,
amaldiçoa ou difama, diz-nos: ama-o, faz-lhe bem, abençoa-o e reza por
ele.
Estamos portanto, faz nota o Pontífice, perante uma das
caraterísticas mais específicas da mensagem de Jesus, onde se esconde a
sua força e o seu segredo; daí dimana a fonte da nossa alegria, a força
da nossa missão e o anúncio da Boa Nova. O inimigo é alguém que devo
amar. No coração de Deus, não há inimigos; Deus tem apenas filhos. Nós
erguemos muros, construímos barreiras e classificamos as pessoas. Deus
tem filhos, e não foi para Se livrar deles que os quis. O amor de Deus
tem o sabor da fidelidade às pessoas, porque é um amor materno/paterno
que não as deixa ao abandono, mesmo quando erraram. O nosso Pai não
espera pelo momento em que formos bons, para amar o mundo; para nos
amar, não espera pelo momento em que formos menos injustos, ou mesmo
perfeitos; ama-nos porque escolheu amar-nos, ama-nos porque nos deu o
estatuto de filhos. Amou-nos mesmo quando éramos seus inimigos (cf. Rm
5, 10). O amor incondicional do Pai para com todos foi, e é, uma
verdadeira exigência de conversão para o nosso pobre coração, que tende a
julgar, dividir, contrapor e condenar.
Saber que Deus continua a amar mesmo quem O rejeita, é uma fonte
ilimitada de confiança e estímulo para a missão. Nenhuma mão, por mais
suja que esteja, pode impedir a Deus de colocar nela a Vida que nos
deseja oferecer.
A nossa época disse Francisco, carateriza-se por problemáticas e
interrogativos fortes à escala mundial. Tocou-nos atravessar um tempo em
que ressurgem, à maneira duma epidemia nas nossas sociedades, a
polarização e a exclusão como única forma possível de resolver os
conflitos. Vemos, por exemplo, como rapidamente quem vive ao nosso lado
não só possui a condição de desconhecido, imigrante ou refugiado, mas
torna-se uma ameaça, adquire a condição de inimigo. Inimigo, porque vem
duma terra distante, ou porque tem outros costumes. Inimigo pela cor da
sua pele, pela sua língua ou a sua condição social; inimigo, porque
pensa de maneira diferente e mesmo porque tem outra fé. Inimigo,
porque... E, sem nos darmos conta, esta lógica instala-se no nosso modo
de viver, agir e proceder. Consequentemente, tudo e todos começam a ter
sabor de inimizade. Pouco a pouco as diferenças transformam-se em
sintomas de hostilidade, ameaça e violência.
Quantas feridas se alargam devido a esta epidemia de inimizade e
violência, que se imprime na carne de muitos que não têm voz, porque o
seu clamor foi esmorecendo até ficar reduzido ao silêncio por causa
desta patologia da indiferença! Quantas situações de precariedade e
sofrimento são disseminadas através deste crescimento da inimizade entre
os povos, entre nós! Sim, entre nós, dentro das nossas comunidades, dos
nossos presbitérios, das nossas reuniões. O vírus da polarização e da
inimizade permeia as nossas maneiras de pensar, sentir e agir. Não sendo
imunes a isto, devemos estar atentos para que tal conduta não ocupe o
nosso coração, pois iria contra a riqueza e a universalidade da Igreja
que podemos constatar palpavelmente neste Colégio Cardinalício. Viemos
de terras distantes, temos costumes, cor da pele, línguas e condições
sociais distintas; pensamos de forma diferente e também celebramos a fé
com vários ritos. E nada de tudo isto nos torna inimigos; pelo
contrário, é uma das nossas maiores riquezas.
Finalmente o Papa dirigindo-se aos novos Cardeais recorda que Jesus
não cessa de «descer do monte», não cessa, disse, de querer inserir-nos
na encruzilhada da nossa história para anunciarmos o Evangelho da
Misericórdia. Jesus continua a chamar-nos e a enviar-nos à «planície»
dos nossos povos, continua a convidar-nos a gastar a nossa vida apoiando
a esperança do nosso povo, como sinais de reconciliação. Como Igreja,
continuamos a ser convidados a abrir os nossos olhos para vermos as
feridas de tantos irmãos e irmãs privados da sua dignidade, provados na
sua dignidade.
Amado irmão neo-cardeal, o caminho para o céu começa na planície, no
dia-a-dia da vida repartida e compartilhada, duma vida gasta e doada: na
doação diária e silenciosa do que somos. O nosso cume é esta qualidade
do amor; a nossa meta e aspiração é procurar na planície da vida,
juntamente com o povo de Deus, transformar-nos em pessoas capazes de
perdão e reconciliação.
Amado irmão, aquilo que hoje se te pede é que guardes no teu coração e
no coração da Igreja este convite a ser misericordioso como o Pai,
sabendo que «se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a
nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a
força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma
comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida».
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