(RV) “Diria que o significado central da conversão
pastoral que o Papa nos pede com a Carta ‘Misericordia et Misera’ é que
não existe pecado que a misericórdia de Deus não possa alcançar. E essa
mensagem deve estar no coração e no centro da Igreja, porque sua
mensagem é justamente a da misericórdia, o próprio Evangelho é a
mensagem da misericórdia.”
É o que afirma o diretor da revista jesuíta “La Civiltà Cattolica”,
Pe. Antonio Spadaro, um dia após a publicação do documento do Papa
Francisco que encerra o Ano Santo.
Lição de encarnação
“O Papa tem consciência de que cada um traz consigo o peso e a
riqueza da própria história – prossegue Pe. Spadaro. No fundo, há aí uma
grande lição de encarnação: a Igreja depara-se não com o pecado ou o
juízo de forma abstrata, mas com pessoas concretas.”
“De fato, no início da Carta o Papa faz referência ao Evangelho de
João 8, a uma pecadora e a um salvador, ou seja, a pessoas concretas.
Então, esta é a grande mensagem: não há barreira que resista diante da
misericórdia de Deus: nenhum pecado pode permanecer impossibilitado de
absolvição.”
Sacerdotes perspicazes
“O que mais me impressiona no texto é o tema da dimensão ‘artesanal’
da misericórdia, adjetivo, este último, que Francisco ama muito. E, se
quisermos, esse é também um apelo a recorrer a uma certa criatividade. O
pastor deve colocar-se diante de seus fiéis buscando de todas as formas
mostrar esse amor, essa bondade de Deus. No fundo, é propriamente o que
o Papa faz, não somente com suas palavras, mas também com seus
gestos”, acrescenta o sacerdote jesuíta.
“Além disso, há imagens muito bonitas na carta, como, após o silêncio
de Jesus, a das pedras que caem das mãos de quem queria lapidar a
adúltera. Ademais, há uma indicação muito precisa para os sacerdotes,
junto a tantas outras, que Francisco repete sempre: a de ser
perspicazes. Isto é, ser capazes de discernir cada caso. Portanto, não
ter normas gerais a ser aplicadas sempre e em todos os casos, mas
discernir as situações concretas, essa é a perspicácia.”
Não há pecado que impeça a misericórdia
“As escolhas precisas do Papa, que dizem respeito ao pecado do aborto
ou aos sacerdotes, chamados, lefebvrianos, parecem-me seguir na direção
de trabalhar em todos os campos nos quais é possível exercer a
misericórdia.”
“Portanto, no caso dos sacerdotes da Fraternidade São Pio X, fazer de
modo que a absolvição dos pecados dada por eles seja válida e lícita,
significa abrir um espaço onde a misericórdia de Deus tenha a prioridade
absoluta e não a divisão.”
“A decisão de estender, para além do Jubileu, a faculdade a todos os
sacerdotes a absolver o pecado do aborto provocado, significa que não há
pecado que impeça a misericórdia de Deus. E quando uma pessoa está
sinceramente arrependida, pode apresentar-se a um sacerdote e receber a
absolvição. Não é preciso seguir percursos difíceis e árduos”, precisa o
religioso.
“Consideremos também que, recentemente, os bispos sempre confiaram a
alguns sacerdotes a faculdade de absolver este pecado e o Papa está
apenas normalizando uma situação que efetivamente já vinha se
verificando.”
“Mas, no âmbito desta Carta essa escolha tem um significado
particular. O objetivo é assumir o sofrimento e a situação problemática
que uma mulher pode viver, tomando essa decisão gravíssima – visto que o
pecado é um mal que o Papa definiu como sendo gravíssimo – e dar a essa
pessoa a possibilidade de uma absolvição diante de qualquer sacerdote.”
Nenhuma desconsideração, o aborto é um homicídio
“Não há nenhum sentido afirmar que esta escolha desconsidera ou
banaliza o pecado do aborto provocado. O Papa, como disse mais vezes,
considera-o um pecado muito grave, um homicídio. E sobre isso não há
nenhuma dúvida, aliás, se reafirma esse conceito. Francisco quis apenas
reafirmar, com esse gesto, que não há uma barreira insuperável, não há
uma porta fechada. As portas que simbolicamente foram fechadas no final
do Ano Santo, na realidade permanecem abertas em suas fontes. A
finalidade é reafirmar que a misericórdia de Deus está ao alcance de
todos. Mas não significa afirmar que a absolvição é mais fácil: são
necessários o arrependimento e a consciência da gravidade, mas ao mesmo
tempo, o Papa quer fazer-nos entender que o Senhor faz-se próximo dos
pecadores. Não se recorda de nossos pecados, mas se recorda de nós, de
seus filhos”, conclui o diretor da prestigiosa revista dos jesuítas “La
Civiltà Cattolica”.
(RL)
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