"Que grande
sabedoria se encerra nas palavras de Santa Teresa Benedita da Cruz,
quando afirma: «Certamente, os eventos decisivos da história do mundo
foram essencialmente influenciados por almas sobre as quais nada se diz
nos livros de história. E saber quais são as almas a quem devemos
agradecer os acontecimentos decisivos da nossa vida pessoal, é algo que
só conheceremos no dia em que tudo o que está oculto for revelado». "
Cidade do Vaticano
A Catedral do Sagrado Coração de Jesus, em Skopja, foi palco do
último compromisso do Papa Francisco na Macedónia do Norte: o encontro
com sacerdotes (e familiares), religiosos e religiosas. No texto
abaixo, não estão inseridas as diversas improvisações do Papa:
"Queridos irmãos e irmãs!
Obrigado pela oportunidade que me dais de vos poder encontrar. Vivo
com uma gratidão especial este momento em que posso ver a Igreja
respirar plenamente com os seus dois pulmões – rito latino e rito
bizantino – para se encher do ar sempre novo e renovador do Espírito
Santo. Dois pulmões necessários, complementares, que nos ajudam a
saborear melhor a beleza do Senhor (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 116). Demos graças pela possibilidade de respirar juntos, a plenos pulmões, como o Senhor foi bom para connosco.
Agradeço os vossos testemunhos, sobre os quais gostaria de voltar.
Aludíeis ao facto de ser poucos e ao risco de ceder a algum complexo de
inferioridade. Enquanto vos ouvia, vinha-me à mente a imagem de Maria de
Betânia, que, tomando uma libra de perfume de nardo puro, ungiu os pés
de Jesus e enxugou-os com os seus cabelos. O evangelista conclui a
descrição da cena, dizendo: «A casa encheu-se com a fragrância do
perfume» (Jo 12, 3). Aquele nardo foi capaz de impregnar tudo e deixar uma marca inconfundível.
Há situações – e não são poucas – em que sentimos necessidade de
fazer contas à vida: começamos a olhar quantos somos... e somos poucos;
os meios que temos... e são poucos; depois vemos a quantidade de casas e
obras a sustentar... e são demasiadas! Poderíamos continuar a enumerar
as múltiplas realidades em que experimentamos a precariedade dos
recursos que temos à disposição para levar por diante o mandato
missionário que nos foi confiado. Quando isto acontece, parece que o
saldo do balanço apareça «a vermelho», ou seja, negativo.
É verdade que o Senhor nos disse: se queres construir uma torre,
calcula as despesas; «não suceda que, depois de assentar os alicerces,
[tu] não a possas acabar» (cf. Lc 14, 29). Mas, o «fazer as
contas» pode-nos levar à tentação de olhar demasiado para nós próprios
e, curvados sobre as nossas realidades e misérias, podemos acabar quase
como os discípulos de Emaús, proclamando o querigma com os nossos lábios
enquanto o nosso coração se fecha num silêncio marcado por subtil
frustração, que o impede de escutar Aquele que caminha ao nosso lado e é
fonte de júbilo e alegria.
Irmãos, «fazer as contas» é sempre necessário, quando nos pode ajudar
a descobrir e aproximar de muitas vidas e situações que todos os dias
sentem dificuldade em fazer quadrar as contas: famílias que não
conseguem continuar, pessoas idosas e sozinhas, doentes forçados a estar
na cama, jovens tristes e sem futuro, pobres que nos lembram o que
somos, isto é, uma Igreja de mendigos necessitados da Misericórdia do
Senhor. Só é lícito «fazer as contas», se isto leva a mover-nos
tornando-nos solidários, atentos, compreensivos e solícitos em
abeirar-nos das fadigas e precariedade em que vivem submersos muitos dos
nossos irmãos necessitados duma Unção que os levante e cure na sua
esperança.
Só é lícito fazer as contas para exclamar com força e implorar com o nosso povo: «Vinde, Senhor Jesus!»
Não quero abusar da imagem de Madre Teresa, mas esta terra soube dar
ao mundo e à Igreja, precisamente nela, um sinal concreto de como a
precariedade duma pessoa, ungida pelo Senhor, tenha sido capaz de
impregnar tudo, quando o perfume das Bem-aventuranças se espalha sobre
os pés cansados da nossa humanidade. Quantos foram tranquilizados pela
ternura do seu olhar, confortados pelas suas carícias, levantados pela
sua esperança e alimentados pela coragem da sua fé, capaz de fazer
sentir aos mais abandonados que não estavam abandonados por Deus! A
história é escrita por estas pessoas que não têm medo de gastar a sua
vida por amor: sempre que o fizestes a um dos meus irmãos mais
pequeninos, a Mim mesmo o fizestes (cf. Mt 25, 40). Que grande
sabedoria se encerra nas palavras de Santa Teresa Benedita da Cruz,
quando afirma: «Certamente, os eventos decisivos da história do mundo
foram essencialmente influenciados por almas sobre as quais nada se diz
nos livros da história. E saber quais são as almas a quem devemos
agradecer os acontecimentos decisivos da nossa vida pessoal, é algo que
só conheceremos no dia em que tudo o que está oculto for revelado».[1]
Com frequência, cultivamos fantasia sem limites pensando que as
coisas seriam diferentes, se fôssemos fortes, poderosos e influentes.
Mas o segredo da nossa força, poder e influência, e até da juventude,
não estará porventura noutra parte que não no facto de «quadrarem as
contas»? Pergunto-vos isto, porque me impressionou o testemunho de
Davor, quando partilhou connosco aquilo que marcou o seu coração. Foste
muito claro! O que te salvou do carreirismo foi voltar à primeira
vocação, indo procurar o Senhor ressuscitado onde podia ser encontrado.
Partiste, deixando o seguro para caminhar pelas ruas e praças desta
cidade; aqui sentiste renovar-se a tua vocação e a tua vida;
abaixando-te até à vida diária dos teus irmãos para partilhar e ungir
com o perfume do Espírito, o teu coração sacerdotal começou de novo a
bater com maior intensidade.
Aproximaste-te para ungir os pés cansados do Mestre, os pés cansados
de pessoas concretas e, no local onde se encontravam, o Senhor estava à
tua espera para te ungir novamente na tua vocação. Muitas vezes gastamos
as nossas energias e recursos, as nossas reuniões, debates e
programações para manter abordagens, ritmos, perspetivas que não só não
entusiasmam ninguém, mas não conseguem sequer levar um pouco daquela
fragância evangélica capaz de confortar e abrir caminhos de esperança, e
privam-nos do encontro pessoal com os outros. Como são justas estas
palavras de Madre Teresa «aquilo de que não preciso, pesa-me»![2]
Deixemos de lado todos os pesos que nos separam da missão e impedem que o
perfume da misericórdia alcance o rosto dos nossos irmãos. Uma libra de
nardo foi capaz de impregnar tudo e deixar uma marca inconfundível.
Não nos privemos do melhor da nossa missão, não apaguemos as palpitações do espírito.
Obrigado, Padre Goce e Gabriella e vossos filhos Filip, Blagoj, Luca,
Ivan, por terdes partilhado connosco as vossas alegrias e preocupações
do ministério e da vida familiar. E também o segredo para continuar para
diante nos momentos difíceis que tivestes de passar.
O vosso testemunho tem aquela «fragância evangélica» das primeiras
comunidades. Lembremo-nos de que, «no Novo Testamento, se fala da
“igreja que se reúne em casa” (cf. 1 Cor 16, 19; Rm 16, 5; Col 4, 15; Flm
2). O espaço vital duma família podia transformar-se em igreja
doméstica, em local da Eucaristia, da presença de Cristo sentado à mesma
mesa. Inesquecível é a cena descrita no Apocalipse: “Olha que Eu estou à
porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, Eu entrarei
na sua casa e cearei com ele e ele comigo” (3, 20). Esboça-se assim uma
casa que abriga no seu interior a presença de Deus, a oração comum e,
por conseguinte, a bênção do Senhor» (Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Amoris laetitia, 15). Desta forma, dais vivo testemunho de como «a fé não nos tira do mundo, mas insere-nos mais profundamente nele» (Ibid.,
181). Não a partir daquilo que nós gostaríamos que fosse, não como
«perfeitos» ou imaculados, mas na precariedade das nossas vidas, das
nossas famílias ungidas cada dia na confiança do amor incondicional que
Deus tem por nós. Confiança que nos leva – como bem nos lembraste, Padre
Goce – a desenvolver algumas dimensões importantes, mas tão esquecidas
na sociedade desgastada por relações frenéticas e superficiais: as
dimensões da ternura, da paciência e da compaixão para com os outros.
Apraz-me sempre pensar em cada uma das famílias como «ícone da
família de Nazaré, com o seu dia-a-dia feito de fadigas e até de
pesadelos, como quando teve que sofrer a violência incompreensível de
Herodes, experiência que ainda hoje se repete tragicamente em muitas
famílias de refugiados descartados e inermes» (Ibid., 30). Elas
são capazes, graças à fé acumulada ao longo das lutas diárias, de
«transformar um curral de animais na casa de Jesus, com uns pobres
paninhos e uma montanha de ternura» (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 286).
Obrigado por terdes manifestado o rosto familiar de Deus connosco, que não deixa de nos surpreender no meio do arrumo da louça!
Queridos irmãos, obrigado mais uma vez por esta oportunidade eclesial
de respirar a plenos pulmões. Peçamos ao Espírito que não cesse de nos
renovar na missão com a confiança de saber que Ele quer impregnar tudo
com a sua presença."
VN
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