Encontro do Papa com a vida consagrada em Trujillo (Vatican Media) |
Francisco encontra a vida consagrada do norte do Peru
Cidade do Vaticano
Após almoçar no Arcebispado de Trujillo e visitar a Catedral de Santa
Maria, o Papa Francisco foi ao “Colégio Seminário” para encontrar os
sacerdotes, religiosos, religiosas e seminaristas das Circunscrições
eclesiásticas do norte do Peru.
O Colégio tem 390 anos e é dedicado aos Santos Carlos e Marcelo.
Fundado em 1625 como casa de formação para sacerdotes, atualmente é
voltado à educação de jovens do primeiro e segundo grau.
Eis o pronunciamento integral do Papa:
"É costume que o aplauso seja no final, parece que vocês estão saudar-me, como se eu tivesse acabado: então vou-me embora..... (gritam:
não!). Agradeço as palavras que D. José Antonio Eguren Anselmi,
Arcebispo de Piura, me dirigiu em nome de todos os presentes.
Encontrar-me convosco, conhecer-vos, escutar-vos e manifestar o amor
ao Senhor e à missão que nos deu, é importante. Sei do esforço que
fizestes para estar aqui. Obrigado!
Acolhe-nos este Colégio-Seminário, um dos primeiros a ser fundados na
América Latina para a formação de tantas gerações de evangelizadores.
Estar aqui convosco é sentir que nos encontramos num desses «berços» que
geraram tantos missionários. E não esqueço que esta terra viu morrer,
quando andava em missão, aqui sentado na sua escrivaninha, São Toríbio
de Mogrovejo, bispo Patrono do Episcopado Latino-Americano.
Tudo nos leva a olhar para as nossas raízes, para o que nos sustenta
no curso do tempo, nos sustente no decorrer da história para crescer rumo
ao Alto e dar fruto. As raízes. Sem raízes não existem flores, não
existem frutos.
Dizia um poeta que tudo aquilo que a árvore floresce, vem daquilo que
está debaixo da terra, das raízes. As nossas vocações terão sempre esta
dupla dimensão: raízes na terra e coração no céu, não esqueçam. Quando
falta uma das duas, algo começa a correr mal e a nossa vida pouco a
pouco definha (cf. Lc 13, 6-9). - como definha uma árvore que não
tem raízes. E digo-vos que realmente dá muita dor ver alguns
bispos, alguns sacerdotes, alguma religiosa que definharam.
E mais pena ainda me dá quando vejo seminaristas "definhados". Esta é
uma coisa muito séria. A Igreja é boa, a Igreja é mãe, e se vocês veem
que não conseguem, por favor, falem para que esteja a tempo, antes que
seja tarde, antes de darem conta de não têm mais raízes e que estão
a definhar. Assim, ainda haverá tempo para se salvarem. porque
Jesus veio para isto, para nos salvar. É por isto que vem: para salvar.
Apraz-me salientar que a nossa fé, a nossa vocação é rica de memória,
a dimensão deuteronómica da vida. Rica de memória, porque sabe
reconhecer que nem a vida, nem a fé, nem a Igreja começaram com o
nascimento de qualquer um de nós: a memória olha para o passado a fim de
encontrar a seiva que, ao longo dos séculos, irrigou o coração dos
discípulos e, assim, reconhece a passagem de Deus pela vida do seu povo.
Memória da promessa que Ele fez aos nossos pais e que, perdurando viva
no meio de nós, é causa da nossa alegria e nos faz cantar: «O Senhor fez
por nós grandes coisas; por isso exultamos de alegria» (Sal 126/125, 3)
Gostaria de partilhar convosco algumas virtudes deste ser ricos de memória.
1. A consciência feliz de si
O Evangelho, que ouvimos, habitualmente lemo-lo em chave vocacional, pelo que detemos-nos no encontro dos discípulos com Jesus. Preferiria,
porém, fixar-me em João Batista. Estava com dois dos seus discípulos e,
quando viu Jesus passar, disse-lhes: «Eis o Cordeiro de Deus» (Jo 1, 36); eles, ao ouvirem isto, deixaram João e seguiram Jesus (cf. 1, 37).
Isto é surpreendente! Estiveram com João, sabiam que era um homem
bom; antes, o maior dentre os nascidos de mulher, como Jesus o define
(cf. Mt 11, 11), mas não era aquele que devia vir. Também João
esperava outro maior do que ele. João sabia claramente que não era o
Messias, mas simplesmente aquele que O anunciava. João era o homem rico
de memória da promessa e da sua própria história.
João manifesta a consciência do discípulo que sabe que não é, nem
nunca será o Messias, mas apenas, chamado a indicar a passagem do
Senhor pela vida do seu povo. Nós, consagrados, não fomos chamados a
suplantar o Senhor, nem com as nossas obras, nem com as nossas missões,
nem com as intermináveis atividades que temos de fazer.
Simplesmente nos é pedido para trabalhar com o Senhor, lado a lado,
mas sem nunca esquecer que não ocupamos o seu lugar. Isto não nos faz
esmorecer na tarefa evangelizadora; antes, pelo contrário, impele-nos e
exige que trabalhemos, lembrando que somos discípulos do único Mestre. O
discípulo sabe que secunda, e sempre secundará, o Mestre. Esta é a
fonte da nossa alegria.
Faz-nos bem saber que não somos o Messias! Liberta de nos julgarmos
muito importantes, muito ocupados (é típico ouvir em algumas regiões:
«Não, a essa paróquia não vás, porque o padre está sempre muito
ocupado»). João Batista sabia que a sua missão era indicar a estrada,
iniciar processos, abrir espaços, anunciar que o portador do Espírito de
Deus era Outro. Ser ricos de memória liberta-nos da tentação dos
messianismos.
Esta tentação combate-se de muitas maneiras, incluindo com o riso.
Sim, aprender a rir-se de si mesmo dá-nos a capacidade espiritual de
estar diante do Senhor com os nossos próprios limites, erros e pecados,
mas também com os próprios sucessos, e com a alegria de saber que Ele
está ao nosso lado.
Um bom teste espiritual é interrogarmo-nos sobre a capacidade que
temos de rir de nós mesmos. O riso salva-nos do neopelagianismo
«autorreferencial e prometeico de quem, no fundo, só confia nas suas
próprias forças e se sente superior aos outros».
Irmãos, ride em comunidade, mas não da comunidade nem dos outros!
Tenhamos cuidado com as pessoas tão importantes, que se esqueceram como
se faz na vida para sorrir.
2. A hora do chamamento
João evangelista até refere, no seu Evangelho, a hora daquele momento
que mudou a sua vida: «Eram quatro da tarde» (1, 39). O encontro com
Jesus muda a vida, estabelece um antes e um depois. Faz-nos bem lembrar
sempre aquela hora, aquele dia-chave para cada um de nós, no qual demos conta de que o Senhor esperava algo mais. A memória daquela hora, em
que fomos tocados pelo seu olhar.
Sempre que nos esquecemos desta hora, esquecemo-nos das nossas
origens, das nossas raízes; e, perdendo estas coordenadas fundamentais,
pomos de parte a coisa mais preciosa que uma pessoa consagrada pode ter:
o olhar do Senhor. Talvez não estejas contente com o lugar onde te
encontrou o Senhor, talvez não seja adequado a uma situação ideal ou
«mais do teu gosto».
Mas foi lá que te encontrou e curou as tuas feridas. Cada um de nós
conhece onde e quando: talvez um momento de situações complexas, de
situações dolorosas, sim; mas foi lá que te encontrou o Deus da Vida
para tornar-te testemunha da sua Vida, para fazer-te participante da sua
missão e ser, com Ele, carícia de Deus para muitos.
Faz-nos bem recordar que as nossas vocações são um chamamento de amor
para amar, para servir. Se o Senhor Se enamorou de vós e vos escolheu,
não foi porque éreis mais numerosos do que os outros – de facto, sois o
povo mais pequeno – mas por puro amor (cf. Dt 7, 7-8). Amor
entranhado, amor de misericórdia que comove as nossas entranhas para iservir os outros com o estilo de Jesus Cristo.
Gostaria de me deter num aspeto que considero importante. Em muitos
de nós, a formação que tínhamos, no momento de entrar no Seminário ou na
Casa de Formação, era a fé das nossas famílias e vizinhos. Foi assim
que demos os nossos primeiros passos, apoiados não raro nas
manifestações de piedade popular, que, no Perú, adquiriram as formas
mais estupendas e um grande enraizamento no povo fiel e simples.
O vosso povo demonstra um carinho imenso a Jesus Cristo, a Nossa
Senhora e aos Santos e Beatos, com tantas devoções que nem me atrevo
sequer a nomear com medo de deixar alguma de lado. Nesses santuários,
«muitos peregrinos tomam decisões que marcam suas vidas. As paredes
[deles] contêm muitas histórias de conversão, de perdão e de dons
recebidos que milhões poderiam contar». Inclusive muitas das vossas
vocações podem estar gravadas naquelas paredes.
Exorto-vos a não esquecer, e muito menos desprezar, a fé simples e
fiel do vosso povo. Sabei acolher, acompanhar e estimular o encontro com
o Senhor. Não vos transformeis em profissionais do sagrado que se
esquecem do seu povo, donde vos tirou o Senhor. Não percais a memória e o
respeito por quem vos ensinou a rezar.
Recordar a hora da chamamento, conservar memória feliz da passagem de
Jesus Cristo pela nossa vida, ajudar-nos-á a dizer aquela bela oração de
São Francisco Solano, grande pregador e amigo dos pobres: «Meu bom
Jesus, meu Redentor e amigo, que tenho eu que Tu não me tenhas dado? Que
sei eu que Tu não me tenhas ensinado?»
Assim, o religioso, o sacerdote, a consagrada, o consagrado é uma
pessoa rica de memória, alegre e agradecida: trinómio a fixar e manter
como «armas» contra todo o «disfarce» vocacional. A consciência
agradecida alarga o coração e estimula-nos para o serviço.
Sem gratidão, podemos ser bons executores do sagrado, mas
faltar-nos-á a unção do Espírito para nos tornarmos servidores dos
nossos irmãos, especialmente dos mais pobres. O povo fiel de Deus tem
olfato e sabe distinguir entre o funcionário do sagrado e o servidor
agradecido. Sabe distinguir entre quem é rico de memória e quem é
desmemoriado. O povo de Deus sabe suportar, mas reconhece quem o serve e
cura com o óleo da alegria e da gratidão.
3. A alegria contagiante
André era um dos discípulos de João Batista que seguira Jesus naquele
dia. Depois de ter estado com Ele e ter visto onde morava, voltou para
casa de seu irmão Simão Pedro e disse-lhe: «Encontramos o Messias!» (Jo
1, 41). Esta é a maior notícia que lhe podia dar, e levou-o a Jesus. A
fé em Jesus é contagiosa, não pode esconder-se nem fechar-se; aqui se vê
a fecundidade do testemunho: os discípulos recém-chamados, por sua vez,
atraem outros mediante o seu testemunho de fé; e – como vemos na
passagem evangélica – Jesus chama-nos por meio de outros.
A missão brota espontaneamente do encontro com Cristo. André começa o
seu apostolado pelos mais próximos, pelo seu irmão Simão, quase como
algo natural, irradiando alegria. Este é o melhor sinal de que
«descobrimos» o Messias. A alegria é uma constante no coração dos
apóstolos; vemo-la na força com que André confidencia ao seu irmão:
«Encontramo-Lo!» Pois «a alegria do Evangelho enche o coração e a vida
inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar
por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do
isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria».
Esta alegria abre-nos aos outros, é alegria para ser transmitida. No
mundo fragmentado onde nos é concedido viver e que nos impele a
isolar-nos, somos desafiados a ser artífices e profetas de comunidade.
Porque ninguém se salva sozinho. E gostaria de ser claro nisto.
A fragmentação ou o isolamento não é algo que acontece «fora», como
se fosse apenas um problema do «mundo». Irmãos, as divisões, as guerras,
os isolamentos, vivemo-los também dentro das nossas comunidades. E
quanto mal nos faz! Jesus envia-nos a ser portadores de comunhão, de
unidade; mas, muitas vezes, parece que o fazemos desunidos e, o que é
pior, muitas vezes fazendo o outro tropeçar.
É-nos pedido para sermos artífices de comunhão e unidade, o que não
equivale a pensar todos do mesmo modo, a fazer todos as mesmas coisas.
Significa apreciar as várias contribuições, as diferenças, o dom dos
carismas dentro da Igreja, sabendo que cada um, a partir da sua
especificidade, dá a própria contribuição, mas precisa dos outros. Só o
Senhor tem a plenitude dos dons, só Ele é o Messias.
E quis distribuir os seus dons de tal maneira que todos possamos dar o
nosso, enriquecendo-nos com o dos outros. É preciso defender-se da
tentação do «filho único», que quer tudo para si, porque não tem com
quem partilhar. Àqueles que devem exercer cargos no serviço da
autoridade, peço, por favor, que não se tornem autorreferenciais;
procurai cuidar dos vossos irmãos, fazei com que estejam bem, porque o
bem é contagioso.
Não caiamos na armadilha duma autoridade que se transforma em
autoritarismo, esquecendo que, antes de tudo, é uma missão de serviço.
Queridos irmãos, mais uma vez obrigado! E que esta memória
deuteronómica nos torne mais alegres e agradecidos por sermos servidores
de unidade no meio do nosso povo.
Que o Senhor vos abençoe e a Virgem Santa vos proteja. E não vos esqueçais de rezar por mim".
VATICAN NEWS
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