Papa Francisco durante encontro com os religiosos na Catedral de Santiago |
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A vida sacerdotal e consagrada, no Chile, atravessou e atravessa horas difíceis de turbulência e desafios sérios.
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A vida sacerdotal e consagrada, no Chile, atravessou e atravessa horas difíceis de turbulência e desafios sérios.
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Cidade do Vaticano
O Papa Francisco encontrou-se, nesta terça-feira (16/01), com os
sacerdotes e consagrados chilenos, na Catedral de Santiago, no âmbito de
sua 22ª viagem apostólica internacional ao Chile e Peru.
“Neste encontro, queremos dizer ao Senhor: «Aqui estamos» para
renovar o nosso «sim». Queremos renovar, juntos, a resposta à vocação
que um dia alvoroçou o nosso coração”, disse o Santo Padre aos
consagrados e consagradas, presbíteros, diáconos permanentes e
seminaristas ali presentes.
Francisco deteve-se no último capítulo do Evangelho de São João, lido
no encontro, sublinhando três momentos de Pedro e da primeira
comunidade: Pedro/comunidade abatidos, Pedro/comunidade tratados com misericórdia e Pedro/comunidade transfigurados.
“Jogo com o binómio Pedro-comunidade, porque a experiência dos
apóstolos tem sempre estes dois aspectos: pessoal e comunitário. Andam
de mãos dadas, e não os podemos separar. É verdade que somos
chamados individualmente, mas sempre para ser parte dum grupo maior. Não
existe «selfie vocacional». A vocação exige que a sua foto seja tirada
por outra pessoa”, disse o Papa.
Pedro abatido
“Sempre gostei do estilo dos Evangelhos que não adornam, não mitigam
os acontecimentos, nem os pintam fazendo-os mais belos. Apresentam-nos a
vida como é e não como deveria ser. O Evangelho não tem medo de nos
mostrar os momentos difíceis, e até conflituosos, por que passaram os
discípulos.”
Jesus estava morto e algumas mulheres diziam que estava vivo. “Os
discípulos voltam para a sua terra. Vão fazer o que sabiam: pescar.
Porém, têm as redes vazias.”
“Os discípulos, mesmo tendo visto Jesus ressuscitado, tão grande é o
acontecimento que precisarão de tempo para compreender o sucedido.” A
morte de Jesus evidenciou uma espiral de conflitos no coração dos seus
amigos. Pedro renegou-o, Judas o traiu, o restante fugiu e escondeu-se.
"Ficou apenas um punhado de mulheres e o discípulo amado. O resto,
foi-se. Questão de dias, e tudo ruiu. São as horas da perplexidade e do
turvamento na vida do discípulo. Nos momentos «em que se levanta a
poeira das perseguições, tribulações, dúvidas, etc. por causa de factos
culturais e históricos, não é fácil enxergar o caminho a seguir.
Há várias tentações que caracterizam estes momentos: discutir ideias,
não prestar a devida atenção ao caso, fixar-se demasiado nos
perseguidores... e – creio que a pior de todas as tentações é ficar a
ruminar a desolação». Sim, ficar a ruminar a desolação”, enfatizou o
Papa.
“A vida sacerdotal e consagrada, no Chile, atravessou e atravessa
horas difíceis de turbulência e desafios sérios. Juntamente com a
fidelidade da imensa maioria, cresceu também a cizânia do mal com as
suas consequências de escândalo e deserção”, disse Francisco, recordando
as palavras do Arcebispo de Santiago, Cardeal Ricardo Ezzati Andrello,
proferidas no início do encontro.
"Dor pelo sofrimento das comunidades eclesiais, e dor também por
vocês, irmãos, que, além do desgaste pela entrega, experimentam o dano
que provoca suspeita e contestação, que pode ter insinuado – em alguns
ou muitos – a dúvida, o medo e a desconfiança.
Sei que, às vezes, vocês sofreram insultos no metro ou caminhando
pela rua; que, em muitos lugares, «paga-se caro» andar vestido de padre.
Por isso, convido-os a pedir a Deus que nos dê a lucidez de chamar a
realidade pelo seu nome, a coragem de pedir perdão e a capacidade de
aprender a ouvir o que Ele está nos diz."
O Papa acrescentou outro aspecto importante: “as nossas sociedades
estão a mudar. O Chile de hoje é muito diferente do que conheci no tempo
da minha juventude, quando estava a formar-me. Estão a nascer novas e
variadas formas culturais, que não se enquadram nos contornos habituais.
Temos de reconhecer que, muitas vezes, não sabemos como inserir-nos
nestas novas situações.
Frequentemente sonhamos com as «cebolas do Egito» e esquecemo-nos de
que a terra prometida está à frente. Que a promessa é de ontem, mas diz
respeito ao amanhã. Podemos cair na tentação de nos fecharmos e
isolarmos para defender as nossas posições que acabam por ser apenas
bons monólogos.
Podemos ser tentados a pensar que tudo está mal e, em vez de
professar uma «boa nova», tudo o que professamos é apatia e decepção.
Assim, fechamos os olhos perante os desafios pastorais, pensando que o
Espírito não tenha nada a dizer. Deste modo esquecemo-nos de que o
Evangelho é um caminho de conversão, mas não só «dos outros», também
nossa”.
“Gostemos ou não, somos convidados a enfrentar a realidade como nos é
apresentada: a realidade pessoal, comunitária e social. As redes –
dizem os discípulos – estão vazias, e podemos compreender os sentimentos
que isso gera. Regressam a casa sem grandes aventuras para contar;
regressam a casa de mãos vazias; regressam a casa, abatidos.”
“O que resta daqueles discípulos fortes, corajosos, vivazes, que se
sentiam escolhidos tendo deixado tudo para seguir Jesus? O que resta
daqueles discípulos seguros de si, prontos a ir para a prisão e até
dariam a vida pelo seu Mestre, que, para O defender, queriam mandar vir
fogo sobre a terra; que, por Ele, desembainhariam a espada e
combateriam? O que resta do Pedro que repreendia o seu Mestre
dizendo-Lhe como é que deveria orientar a sua vida?”
Pedro tratado com misericórdia
“É a hora da verdade, na vida da primeira comunidade. É a hora em que
Pedro se confrontou com parte de si mesmo: a parte da sua verdade que
muitas vezes não queria ver. Experimentou a sua limitação, a sua
fragilidade, o seu ser pecador.
Pedro, o instintivo, o chefe impulsivo e salvador, com uma boa dose
de auto-suficiência e um excesso de confiança em si mesmo e nas suas
possibilidades, teve que se curvar à sua fraqueza e pecado. Era pecador
como os outros, era carente como os outros, era frágil como os outros.
Pedro decepcionou Aquele a quem jurara proteção. Hora crucial na vida de
Pedro.”
«Depois de terem comido, Jesus perguntou a Simão Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que a estes?”»
Depois de comer, Jesus convida Pedro a passear um pouco e a única
palavra é uma pergunta, uma pergunta de amor: Tu me amas? Jesus não
censura nem condena. Tudo o que Ele quer fazer é salvar Pedro. Quer
salvá-lo do perigo de ficar fechado no seu pecado, de ficar «a mastigar»
a desolação, fruto da sua limitação; do perigo de desistir, por causa
das suas limitações, de todas as coisas boas que vivera com Jesus. Quer
salvá-lo do fechamento e do isolamento.
Quer salvá-lo daquela atitude destrutiva que é o vitimar-se ou, ao
contrário, cair num «vale tudo o mesmo», acabando por fazer malograr
qualquer compromisso no mais danoso relativismo. Quer libertá-lo de
considerar quem se opõe a Ele como se fosse um inimigo, ou de não
aceitar com serenidade as contradições e as críticas. Quer libertá-lo da
tristeza e sobretudo do mau humor.
Com esta pergunta, Jesus convida Pedro a escutar o seu coração e aprender a discernir.
Uma vez que «não era de Deus defender a verdade à custa da caridade,
nem a caridade à custa da verdade, nem o equilíbrio à custa de ambas,
Jesus quer evitar que Pedro se torne um voraz destruidor ou um
caritativo mentiroso ou um perplexo paralisado», como pode acontecer
connosco em tais situações.”
Jesus interpelou Pedro sobre o seu amor e insistiu nisso até ele Lhe
poder dar uma resposta realista: «Senhor, Tu sabes tudo; Tu sabes que
eu sou deveras teu amigo». E, deste modo, Jesus confirma-o na missão.
Assim o faz tornar-se definitivamente seu apóstolo.
“O que é que fortalece Pedro como apóstolo? O que é que nos mantém a
nós como apóstolos? Uma coisa só: fomos tratados com misericórdia. «Não
obstante os nossos pecados, os nossos limites, as nossas faltas; não
obstante as nossas numerosas quedas, Jesus Cristo viu-nos, aproximou-Se,
deu-nos a mão e teve misericórdia de nós. (…).
Cada um de nós poderá recordar, pensando em todas as vezes que o
Senhor o viu, que olhou para ele, que se aproximou dele e o tratou com
misericórdia». Não estamos aqui por sermos melhores do que os outros. Não
somos super-heróis que, do alto, descem para se encontrarem com os
«mortais».
A pessoa consagrada é alguém que encontra, nas suas feridas, os
sinais da Ressurreição. É alguém que consegue ver, nas feridas do mundo,
a força da Ressurreição. É alguém que, segundo o estilo de Jesus, não
vai ao encontro dos seus irmãos com a censura e a condenação.”
“Jesus Cristo não Se apresenta, aos seus, sem chagas; foi
precisamente a partir das suas chagas que Tomé pôde confessar a fé.
Somos convidados a não dissimular nem esconder as nossas chagas. Uma
Igreja com as chagas é capaz de compreender as chagas do mundo atual e
de assumi-las, sofrê-las, acompanhá-las e procurar saná-las. Uma Igreja
com as chagas não se coloca no centro, não se considera perfeita, mas
coloca no centro o único que pode sanar as feridas e que se chama Jesus
Cristo.
A consciência de ter chagas, nos liberta. É verdade; liberta-nos de
nos tornarmos autorreferenciais, de nos considerarmos superiores.
Liberta-nos da tendência «prometeica de quem, no fundo, só confia nas
suas próprias forças e se sente superior aos outros por cumprir
determinadas normas ou por ser irredutivelmente fiel a um certo estilo
católico próprio do passado».”
O Papa frisou que “em Jesus, as nossas chagas ficam ressuscitadas.
Tornam-nos solidários; ajudam-nos a derrubar os muros que nos encerram
numa atitude elitista, incitando-nos a construir pontes e ir ao encontro
de tantos sedentos do mesmo amor misericordioso que só Cristo nos pode
dar.
«Quantas vezes sonhamos planos apostólicos expansionistas,
meticulosos e bem traçados, típicos de generais derrotados! Assim
negamos a nossa história de Igreja, que é gloriosa por ser história de
sacrifícios, de esperança, de luta diária, de vida gasta no serviço, de
constância no trabalho fadigante, porque todo o trabalho é “suor do nosso
rosto”».
Vejo, com certa preocupação, que há comunidades que vivem acometidas
pela ânsia de constar no cartaz, ocupar espaços, aparecer e mostrar-se,
mais do que pela vontade de arregaçar as mangas e sair para tocar a
dolorosa realidade do nosso povo fiel.”
“Como nos interpela a reflexão deste Santo chileno, que advertia:
«Por isso, serão métodos falsos todos os que são impostos pela
uniformidade; todos os que pretendem encaminhar-nos para Deus,
fazendo-nos esquecer os nossos irmãos; todos os que nos levam a fechar
os olhos ao universo, em vez de nos ensinar a abri-los para elevar tudo
ao Criador de todas as coisas; todos os que nos fazem egoístas e nos
dobram sobre nós mesmos».
O povo de Deus não espera nem precisa de super-heróis, espera
pastores, pessoas consagradas, que conheçam a compaixão, que saibam
estender uma mão, que saibam parar junto de quem está caído e, como
Jesus, ajudem a sair desse círculo vicioso de «mastigar» a desolação que
envenena a alma.”
Pedro transfigurado
“Jesus convida Pedro a discernir e, assim, começam a ganhar força
muitos acontecimentos da vida de Pedro, como o gesto profético do
lava-pés. Pedro, que resistira a deixar-se lavar os pés, começava a
compreender que a verdadeira grandeza passa por se fazer pequenino e
servidor.”
“Como é grande a pedagogia de nosso Senhor! Do gesto profético de
Jesus à Igreja profética que, lavada do seu pecado, não tem medo de sair
para servir uma humanidade ferida”, frisou ainda o Santo Padre.
“Pedro experimentou, na sua carne, a ferida não só do pecado, mas
também das suas próprias limitações e fraquezas. Mas descobriu em Jesus
que as suas feridas podem ser caminho de Ressurreição. Conhecer Pedro
abatido para conhecer Pedro transfigurado é o convite a deixar de ser
uma Igreja de abatidos desolados para passar a uma Igreja servidora de
tantos abatidos que convivem ao nosso lado.
Uma Igreja capaz de se colocar a serviço do seu Senhor no faminto, no preso, no sedento, no desalojado, no nu e no doente.
"O problema não está em dar de comer ao pobre, vestir o nu, assistir o
doente, mas em considerar que o pobre, o nu, o doente, o preso e o
desalojado tenham a dignidade de se sentar às nossas mesas, sentirem-se
«em casa» entre nós, sentirem-se família. Este é o sinal de que o Reino
de Deus está no meio de nós. É o sinal duma Igreja que foi ferida pelo
seu pecado, foi cumulada de misericórdia pelo seu Senhor, e tornou-se
profética por vocação.”
Segundo o Pontífice, “renovar a profecia é renovar o nosso
compromisso de não esperar por um mundo ideal, uma comunidade ideal, um
discípulo ideal para viver ou para evangelizar, mas criar as condições
para que cada pessoa abatida possa encontrar-se com Jesus. Não se amam
as situações nem as comunidades ideais, amam-se as pessoas.”
“O reconhecimento sincero, contrito e orante das nossas limitações,
longe de nos separar de nosso Senhor, permite-nos retornar a Jesus,
sabendo que, «com a sua novidade, Ele pode sempre renovar a nossa vida e
a nossa comunidade, e a proposta cristã, ainda que atravesse períodos
obscuros e fraquezas eclesiais, nunca envelhece. (…)
Sempre que procuramos voltar à fonte e recuperar o frescor original
do Evangelho, despontam novas estradas, métodos criativos, outras formas
de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado
significado para o mundo atual». Como nos faz bem a todos deixar que
Jesus nos renove o coração!
“Ao iníciar este encontro, disse-lhes que vínhamos renovar o nosso
«sim», com garra, com paixão. Queremos renovar o nosso «sim», mas um sim
realista, porque apoiado no olhar de Jesus. Convido-lhes, quando voltar
para casa, preparar no seu coração um testamento espiritual, no estilo
do cardeal Raúl Silva Henríquez expresso nesta linda oração que começa dizendo:
«A Igreja que eu amo é a Santa Igreja de todos os dias... a sua, a minha, a Santa Igreja de todos os dias...
… Jesus, o Evangelho, o pão, a Eucaristia, o Corpo de Cristo humilde
em cada dia. Com os rostos dos pobres e os rostos de homens e mulheres
que cantavam, que lutavam, que sofriam. A Santa Igreja de todos os
dias».
Como é a Igreja que você ama? Ama esta Igreja ferida, que encontra vida nas chagas de Jesus?
Obrigado por este encontro. Obrigado pela oportunidade de renovar o
«sim» com vocês. A Virgem do Carmo os cubra com o seu manto.”
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