(RV) Foi apresentada na manhã de hoje, sexta-feira, dia 24 de Novembro de 2017, às 11 horas – hora local de Roma - na Sala de Imprensa do Vaticano, a mensagem do Papa Francisco para o próximo dia mundial da Paz. O tema escolhido pelo Pontífice para o ano 2018 é: Migrantes e Refugiados: homens e mulheres em busca da paz.
A paz, que os anjos anunciaram aos pastores na noite de Natal,
recorda o Papa,[1] é uma aspiração profunda de todas as pessoas e de
todos os povos, sobretudo de quantos padecem mais duramente pela sua
falta. Dentre estes, que trago presente nos meus pensamentos e na minha
oração, quero recordar de novo os mais de 250 milhões de migrantes no
mundo, dos quais 22 milhões e meio são refugiados. Estes últimos, como
afirmou o meu amado predecessor Bento XVI, «são homens e mulheres,
crianças, jovens e idosos que procuram um lugar onde viver em paz».[2]
E, para o encontrar, muitos deles estão prontos a arriscar a vida numa
viagem que se revela, em grande parte dos casos, longa e perigosa, a
sujeitar-se a fadigas e sofrimentos, a enfrentar arames farpados e muros
erguidos para os manter longe da meta.
Daí que, com espírito de misericórdia, acrescenta Francisco,
abraçamos todos aqueles que fogem da guerra e da fome ou se vêem
constrangidos a deixar a própria terra por causa de discriminações,
perseguições, pobreza e degradação ambiental.
Entretanto, sublinha ainda o Santo Padre, estamos cientes de que não
basta abrir os nossos corações ao sofrimento dos outros. Há muito que
fazer antes de os nossos irmãos e irmãs poderem voltar a viver em paz
numa casa segura. Acolher o outro requer um compromisso concreto, uma
corrente de apoios e beneficência, uma atenção vigilante e abrangente, a
gestão responsável de novas situações complexas que às vezes se vêm
juntar a outros problemas já existentes em grande número, bem como
recursos que são sempre limitados. Praticando a virtude da prudência, os
governantes saberão acolher, promover, proteger e integrar,
estabelecendo medidas práticas, «nos limites consentidos pelo bem da
própria comunidade rectamente entendido, [para] lhes favorecer a
integração»[3].
Neste sentido Francisco recorda mais uma vez que os governantes têm
uma responsabilidade precisa para com as próprias comunidades, devendo
assegurar os seus justos direitos e desenvolvimento harmónico, para não
serem como o construtor insensato que fez mal os cálculos e não
conseguiu completar a torre que começara a construir.[4]
Particularmente interessante, é a questão que o Santo Padre dirige à
todos na sua mensagem: a saber, pergunta-se, porque há tantos refugiados
e migrantes no nosso mundo actual?
Nas sendas de S. João Paulo II, que na sua mensagem de paz do ano
2000 incluia o número crescente de refugiados entre os efeitos de «uma
sequência infinda e horrenda de guerras, conflitos, genocídios,
“limpezas étnicas”»[5] que caraterizaram o século XX, Francisco sublinha
que até agora, infelizmente, o novo século não registou uma verdadeira
viragem: os conflitos armados e as outras formas de violência organizada
continuam a provocar deslocações de populações no interior das
fronteiras nacionais e para além delas.
Todavia, acrescenta, as pessoas migram também por outras razões,
sendo a primeira delas «o desejo de uma vida melhor, unido muitas vezes
ao intento de deixar para trás o “desespero” de um futuro impossível de
construir».[6] As pessoas partem para se juntar à própria família, para
encontrar oportunidades de trabalho ou de instrução: quem não pode gozar
destes direitos, não vive em paz. Além disso, como sublinhei na
Encíclica Laudato si’, «é trágico o aumento de migrantes em fuga da
miséria agravada pela degradação ambiental».[7]
Neste percurso migratório, o Papa afirma ainda que a maioria das
pessoas migra seguindo um percurso legal, mas há quem tome outros
caminhos, sobretudo por causa do desespero, quando a pátria não lhes
oferece segurança nem oportunidades, e todas as vias legais parecem
impraticáveis, bloqueadas ou demasiado lentas.
Em muitos países de destino, observou ainda o Pontífice,
generalizou-se largamente uma retórica que enfatiza os riscos para a
segurança nacional ou o peso do acolhimento dos recém-chegados,
desprezando assim a dignidade humana que se deve reconhecer a todos,
enquanto filhos e filhas de Deus. Daí o alerta de Francisco: Quem
fomenta o medo contra os migrantes, talvez com fins políticos, disse, em
vez de construir a paz, semeia violência, discriminação racial e
xenofobia, que são fonte de grande preocupação para quantos têm a peito a
tutela de todos os seres humanos.[8]
Neste sentido, Francisco adverte para o facto que a migração é um
fenómeno permanente da história: todos os elementos à disposição da
comunidade internacional, disse, indicam que as migrações globais
continuarão a marcar o nosso futuro. Alguns consideram-nas uma ameaça.
Eu, pelo contrário, convido-vos a vê-las com um olhar repleto de
confiança, como oportunidade para construir um futuro de paz.
Daí a importância, segundo o Papa, de olhar para o fenómeno
migratório com um olhar contemplativo, sustentado pela sabedoria da fé,
capaz de intuir que todos pertencemos «a uma só família, migrantes e
populações locais que os recebem, e todos têm o mesmo direito de
usufruir dos bens da terra, cujo destino é universal, como ensina a
doutrina social da Igreja. Aqui encontram fundamento a solidariedade e a
partilha».[9]
Precisamos por isso de lançar, também sobre a cidade onde vivemos,
este olhar contemplativo, «isto é, um olhar de fé que descubra Deus que
habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças (...), promovendo a
solidariedade, a fraternidade, o desejo de bem, de verdade, de
justiça»,[10] por outras palavras, realizando a promessa da paz.
Detendo-se sobre os migrantes e os refugiados, este olhar saberá
descobrir que eles não chegam de mãos vazias: trazem uma bagagem feita
de coragem, capacidades, energias e aspirações, para além dos tesouros
das suas culturas nativas, e deste modo enriquecem a vida das nações que
os acolhem. Saberá vislumbrar também a criatividade, a tenacidade e o
espírito de sacrifício de inúmeras pessoas, famílias e comunidades que,
em todas as partes do mundo, abrem a porta e o coração a migrantes e
refugiados, inclusive onde não abundam os recursos.
Este olhar contemplativo saberá, enfim, guiar o discernimento dos
responsáveis governamentais, de modo a impelir as políticas de
acolhimento até ao máximo dos «limites consentidos pelo bem da própria
comunidade rectamente entendido»,[11] isto é, tomando em consideração as
exigências de todos os membros da única família humana e o bem de cada
um deles.
Quem estiver animado por este olhar será capaz de reconhecer os
rebentos de paz que já estão a despontar e cuidará do seu crescimento.
Transformará assim em canteiros de paz as nossas cidades, frequentemente
divididas e polarizadas por conflitos que se referem precisamente à
presença de migrantes e refugiados. E o Papa concluiu a sua mensagem,
indicando quatro pistas de acção concreta nesse sentido denominadas
pedras miliárias para a acção: acolher, proteger, promover e
integrar.[12] Ao mesmo tempo, Francisco propõe a definição e aprovação
por parte das Nações Unidas, disse, de dois pactos globais: um para
migrações seguras, ordenadas e regulares, outro referido aos refugiados.
Enquanto acordos partilhados a nível global, estes pactos representarão
um quadro de referência para propostas políticas e medidas práticas.
Por isso, é importante que sejam inspirados por sentimentos de
compaixão, clarividência e coragem, de modo a aproveitar todas as
ocasiões para fazer avançar a construção da paz: só assim o necessário
realismo da política internacional não se tornará uma capitulação ao
cinismo e à globalização da indiferença, disse Francisco.
Nesta linha de acção, o Papa recorda que a Secção Migrantes e
Refugiados do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano
Integral, que dirige pessoalmente, sugeriu 20 pontos de acção[13] como
pistas concretas para a implementação dos supramencionados quatro verbos
nas políticas públicas e também na conduta e acção das comunidades
cristãs. Estas e outras contribuições, acrescenta o Santo Padre,
pretendem expressar o interesse da Igreja Católica pelo processo que
levará à adopção dos referidos pactos globais das Nações Unidas. Um tal
interesse confirma uma vez mais a solicitude pastoral que nasceu com a
Igreja e tem continuado em muitas das suas obras até aos nossos dias.
A mensagem do Papa Francisco para o dia mundial da Paz foi assinada
por ele no Vaticano, no passado dia 13 de Novembro 2017 – por ocasião do
dia da Memória de Santa Francisca Xavier Cabrini, Padroeira dos
migrantes – de 2017
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