Rangum
(RV) – Depois de um dia dedicado ao repouso, após uma longa viagem que
durou 14 horas de voo, finalmente o Papa Francisco proferiu, como
programado, o seu primeiro discurso em terras birmanesas às autoridades
civis, políticas e ao corpo diplomático no Centro Internacional de
Convenções na capital birmanesa Nay Pyi Taw.
Após exprimir o seu vivo reconhecimento pelo amável convite para
visitar o Myanmar, Francisco fez questão de agradecer também a todos
aqueles que trabalharam incansavelmente para tornar possível esta
visita. Venho, disse, sobretudo para rezar com a pequena mas fervorosa
comunidade católica da nação, para a confirmar na fé e encorajá-la no
esforço de contribuir para o bem da nação, disse. Entretanto o Papa quis
sublinhar um aspecto particularmente importante dessa sua visita e que o
torna ainda muito mais feliz:
Motivo de contentamento,afirmou, é o facto de a minha visita se
realizar depois do estabelecimento formal das relações diplomáticas
entre o Myanmar e a Santa Sé. Apraz-me ver esta decisão como sinal do
empenho da nação em prosseguir o diálogo e a cooperação construtiva
dentro da comunidade internacional alargada, bem como em renovar o
tecido da sociedade civil.
Gostaria também, acrescentou, o Santo Padre, que a minha visita
pudesse atingir toda a população do Myanmar e oferecer uma palavra de
encorajamento a todos aqueles que estão a trabalhar para construir uma
ordem social justa, reconciliada e inclusiva.
O Myanmar foi abençoado com o dom duma beleza extraordinária e
numerosos recursos naturais, mas o maior tesouro dele é, sem dúvida, o
seu povo, que sofreu muito e continua a sofrer por causa de conflitos
civis e hostilidades que duraram muito tempo e criaram profundas
divisões. Uma vez que agora a nação está a trabalhar por restaurar a
paz, a cura destas feridas não pode deixar de ser uma prioridade
política e espiritual fundamental. Só posso expressar apreço pelos
esforços do Governo em enfrentar este desafio, em particular através da
Conferência de Paz de Panglong, que reúne os representantes dos vários
grupos numa tentativa para pôr fim à violência, criar confiança e
garantir o respeito pelos direitos de quantos consideram esta terra como
a sua casa.
Neste sentido, alertou o Pontífice, o árduo processo de construção da
paz e reconciliação nacional só pode avançar através do compromisso com
a justiça e do respeito pelos direitos humanos.
Essa justiça, segundo o Papa, deve brotar da sabedoria dos antigos
que sempre definiram a justiça como a vontade de reconhecer a cada um
aquilo que lhe é devido, enquanto os antigos profetas a consideraram
como o fundamento da paz verdadeira e duradoura.
Estas intuições, confirmadas pela trágica experiência de duas guerras
mundiais, levaram à criação das Nações Unidas e à Declaração Universal
dos Direitos Humanos como base dos esforços da comunidade internacional
para promover a justiça, a paz e o progresso humano em todo o mundo e
para resolver os conflitos através do diálogo, e não com o uso da força.
Neste sentido, a presença do Corpo Diplomático entre nós testemunha não
só o lugar que o Myanmar ocupa entre as nações, mas também o
compromisso do país em manter e perseguir estes princípios fundamentais.
O futuro do Myanmar deve ser a paz, uma paz fundada no respeito pela
dignidade e os direitos de cada membro da sociedade, no respeito por
cada grupo étnico e sua identidade, no respeito pelo Estado de Direito e
uma ordem democrática que permita a cada um dos indivíduos e a todos os
grupos – sem excluir nenhum – oferecer a sua legítima contribuição para
o bem comum.
Referindo-se ao imenso trabalho a ser realizado no âmbito da
reconciliação e integração nacional, Francisco recordou o papel
privilegiado que cabe as comunidades religiosas do Myanmar. As
diferenças religiosas, disse, não devem ser fonte de divisão e
difidência, mas sim uma força em prol da unidade, do perdão, da
tolerância e da sábia construção da nação.
E o Santo Padre manifestou neste sentido mais uma vez a sua forte
convicção que as religiões podem desempenhar um papel significativo na
cura das feridas emocionais, espirituais e psicológicas daqueles que
sofreram nos anos de conflito. Impregnando-se de tais valores
profundamente enraizados, elas, disse o Pontífice, podem ajudar a
extirpar as causas do conflito, construir pontes de diálogo, procurar a
justiça e ser uma voz profética para as pessoas que sofrem. Neste
âmbito, Francisco reconheceu ser um grande sinal de esperança, o facto
de que os líderes das várias tradições religiosas deste país se estejam
comprometendo a trabalhar juntos, com espírito de harmonia e respeito
mútuo, pela paz, pela ajuda aos pobres e pela educação nos valores
religiosos e humanos autênticos, valores esses, que segundo o Papa,
contribuirão não só para construir uma cultura do encontro, da
solidariedade e do bem comum, mas sobretudo colocam as bases morais
indispensáveis para um futuro de esperança e prosperidade para as
gerações vindouras. E hoje, acrescentou o Papa, aquele futuro já está
nas mãos dos jovens da nação, que para Francisco, são um dom a estimar e
encorajar, um investimento que só produzirá um bom rendimento na base
de oportunidades reais de emprego e duma educação de qualidade. De
facto, observou ainda o Santo Padre, o futuro do Myanmar, num mundo em
rápida evolução e interconexão, dependerá da formação dos seus jovens,
não só nos campos técnicos, mas sobretudo na formação para os valores
éticos de honestidade, integridade e solidariedade humanas, que podem
garantir a consolidação da democracia e o crescimento da unidade e da
paz em todos os níveis da sociedade. É indispensável, disse o Papa, que
os nossos jovens não sejam espoliados da esperança e da possibilidade de
empregar o seu idealismo e os seus talentos na projectação do futuro do
seu país, melhor, da família humana inteira.
Nestes dias, quero encorajar os meus irmãos e irmãs católicos a
perseverar na sua fé e a continuar a exprimir a sua mensagem de
reconciliação e fraternidade através de obras caritativas e
humanitárias, de que toda a sociedade possa beneficiar. Espero que, na
respeitosa cooperação com os seguidores de outras religiões e com todos
os homens e mulheres de boa vontade, contribuam para abrir uma nova era
de concórdia e progresso para os povos desta amada nação. Longa vida ao
Myanmar! Agradeço-vos pela atenção e, formulando votos das melhores
felicidades no vosso serviço ao bem comum, sobre todos vós invoco as
bênçãos divinas de sabedoria, força e paz.
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