(RV) "O
primeiro e talvez o maior contributo que os cristãos podem trazer à
Europa de hoje é recordar-lhe que ela não é uma colecção de números de
instituições, mas é feita de pessoas" - uma das passagens-chave do
intenso e detalhado discurso do Papa Francisco, dirigido aos cerca de
350 participantes da conferência (Re)Thinking Europe, "Repensar a
Europa. Uma Contribuição Cristã para o Futuro do Projecto Europeu",
reunidos na Nova Sala do Sínodo. Políticos, cardeais, bispos,
embaixadores e representantes de movimentos e outras denominações
cristãs reunidos desde sexta-feira para reflectir juntos num encontro
organizado pela Comece, a Comissão dos Episcopados da Comunidade
Europeia.
A eles, o Papa aponta o caminho: os fundamentos da Europa são
"pessoa" e "comunidade", que "como cristãos nós queremos e podemos
ajudar a construir". Os tijolos são "o diálogo, a inclusão, a
solidariedade, o desenvolvimento e a paz". No seu quinto discurso sobre a
Europa e a União Europeia, Francisco recorda que um dos valores
fundamentais promovidos pelo cristianismo é precisamente "o sentido da
pessoa, criada à imagem de Deus". Concretamente, por exemplo, São Bento
apresentou uma concepção de homem radicalmente diferente daquela do
classicismo grego-romano e daquela ainda mais violenta das invasões
bárbaras: o homem já não simplesmente um cidadão nem servo do poder do
momento e muito menos uma moeda de troca destinada ao trabalho. "Para
Bento não existem papéis, existem pessoas" enquanto que hoje,
infelizmente, vemos como muitas vezes "não existem os trabalhadores, mas
os indicadores económicos", "não existem os migrantes , mas as quotas",
ou seja, uma questão de números – ressaltou Francisco.
Ter um rosto obriga, pelo contrário, a uma responsabilidade - recorda
o Papa - e, portanto, os cristãos devem recordar antes de tudo que a
Europa é feita de pessoas e fazer redescobrir o sentido de pertença a
uma comunidade, contra a tendência de viver em solidão do Ocidente,
confundindo o conceito de liberdade que é entendida como o dever de
estar sozinhos. "Para mim – disse o Papa - é uma coisa grave". Os
cristãos, ao invés, sabem que a sua identidade é "antes de tudo
relacional" e a família permanece o lugar fundamental desta descoberta.
E, como "união harmoniosa das diferenças entre o homem e a mulher", é
"tanto mais verdadeira e profunda, quanto mais generativa, capaz de se
abrir à vida e aos outros". Uma comunidade, de facto, é viva se sabe
acolher as diversidades, gerar novas vidas, trabalho, inovação e
cultura.
Do Atlântico aos Urais, do Pólo Norte ao Mediterrâneo, a Europa deve
ser um lugar de diálogo, como o era em certo sentido a antiga ágora, não
apenas espaço económico, mas coração da política. O convite de
Francisco é, portanto, de considerar o papel positivo que a religião tem
na sociedade, como pode ser o diálogo inter-religioso entre cristãos e
muçulmanos na Europa. E o Papa, de facto, adverte sobre "um certo
preconceito laicista ainda vivo", o qual, diz o Papa, não consegue
perceber este valor da religião na esfera pública e prefere relegá-la
apenas àquela privada. Mas, desta forma, se instaura "o predomínio de um
certo pensamento único, bastante difuso e que vê "na afirmação de uma
identidade religiosa um perigo para a própria hegemonia, acabando assim
por favorecer uma contraposição artificial entre o direito à liberdade
religiosa e outros direitos fundamentais.
A Europa deve também ser um espaço inclusivo valorizando, porém, as
diferenças. Nesta perspectiva, os migrantes são um recurso, mais que um
peso, e não podem ser descartados ao prazer de cada um. Por outro lado, o
Papa recorda que os governantes devem gerir com prudência a questão das
migrações. Não muros, portanto, mas o processo não pode ser sem regras.
E por parte deles, também os migrantes devem "respeitar e assimilar a
cultura" da nação que os acolhe.
E, finalmente, os cristãos são chamados a "dar novamente a alma à
Europa", como fez São Bento: ele não ocupou espaços, mas "deu vida a um
movimento contagioso e imparável, que redefiniu o rosto da Europa para
que da fé possa nascer aquela alegre esperança, capaz de mudar o mundo. E
Francisco concluiu com uma bênção aos presentes, os “nossos povos” e
também a Europa.
BS
BS
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