29 outubro, 2017

Papa: recordar à Europa que ela não é feita de números, mas de pessoas


(RV) "O primeiro e talvez o maior contributo que os cristãos podem trazer à Europa de hoje é recordar-lhe que ela não é uma colecção de números de instituições, mas é feita de pessoas" - uma das passagens-chave do intenso e detalhado discurso do Papa Francisco, dirigido aos cerca de 350 participantes da conferência (Re)Thinking Europe, "Repensar  a Europa. Uma Contribuição Cristã para o Futuro do Projecto Europeu", reunidos na Nova Sala do Sínodo. Políticos, cardeais, bispos, embaixadores e representantes de movimentos e outras denominações cristãs reunidos desde sexta-feira para reflectir juntos num encontro organizado pela Comece, a Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia.

A eles, o Papa aponta o caminho: os fundamentos da Europa são "pessoa" e "comunidade", que "como cristãos nós queremos e podemos ajudar a construir". Os tijolos são "o diálogo, a inclusão, a solidariedade, o desenvolvimento e a paz". No seu quinto discurso sobre a Europa e a União Europeia, Francisco recorda que um dos valores fundamentais promovidos pelo cristianismo é precisamente "o sentido da pessoa, criada à imagem de Deus". Concretamente, por exemplo, São Bento apresentou uma concepção de homem radicalmente diferente daquela do classicismo grego-romano e daquela ainda mais violenta das invasões bárbaras: o homem já não simplesmente um cidadão nem servo do poder do momento e muito menos uma moeda de troca destinada ao trabalho. "Para Bento não existem papéis, existem pessoas" enquanto que hoje, infelizmente, vemos como muitas vezes "não existem os trabalhadores, mas os indicadores económicos", "não existem os migrantes , mas as quotas", ou seja, uma questão de números – ressaltou Francisco.

Ter um rosto obriga, pelo contrário, a uma responsabilidade - recorda o Papa - e, portanto, os cristãos devem recordar antes de tudo que a Europa é feita de pessoas e fazer redescobrir o sentido de pertença a uma comunidade, contra a tendência de viver em solidão do Ocidente, confundindo o conceito de liberdade que é entendida como o dever de estar sozinhos. "Para mim – disse o Papa - é uma coisa grave". Os cristãos, ao invés, sabem que a sua identidade é "antes de tudo relacional" e a família permanece o lugar fundamental desta descoberta. E, como "união harmoniosa das diferenças entre o homem e a mulher", é "tanto mais verdadeira e profunda, quanto mais generativa, capaz de se abrir à vida e aos outros". Uma comunidade, de facto, é viva se sabe acolher as diversidades, gerar novas vidas, trabalho, inovação e cultura.

Do Atlântico aos Urais, do Pólo Norte ao Mediterrâneo, a Europa deve ser um lugar de diálogo, como o era em certo sentido a antiga ágora, não apenas espaço económico, mas coração da política. O convite de Francisco é, portanto, de considerar o papel positivo que a religião tem na sociedade, como pode ser o diálogo inter-religioso entre cristãos e muçulmanos na Europa. E o Papa, de facto, adverte sobre "um certo preconceito laicista ainda vivo", o qual, diz o Papa, não consegue perceber este valor da religião na esfera pública e prefere relegá-la apenas àquela privada. Mas, desta forma, se instaura "o predomínio de um certo pensamento único, bastante difuso  e que vê "na afirmação de uma identidade religiosa um perigo para a própria hegemonia, acabando assim por favorecer  uma contraposição artificial entre o direito à liberdade religiosa e outros direitos fundamentais.

A Europa deve também ser um espaço inclusivo valorizando, porém, as diferenças. Nesta perspectiva, os migrantes são um recurso, mais que um peso, e não podem ser descartados ao prazer de cada um. Por outro lado, o Papa recorda que os governantes devem gerir com prudência a questão das migrações. Não muros, portanto, mas o processo não pode ser sem regras. E por parte deles, também os migrantes devem "respeitar e assimilar a cultura" da nação que os acolhe.

E, finalmente, os cristãos são chamados a "dar novamente a alma à Europa", como fez São Bento: ele não ocupou espaços, mas "deu vida a um movimento contagioso e imparável, que redefiniu o rosto da Europa para que da fé possa nascer aquela alegre esperança, capaz de mudar o mundo. E Francisco concluiu com uma bênção aos presentes, os “nossos povos” e também a Europa.

BS
BS

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