(RV) O
Papa Francisco visitou, na manhã de hoje, segunda-feira (16/10), por
ocasião do Dia Mundial da Alimentação, a sede do Fundo das Nações Unidos
para Agricultura e Alimentação (FAO), em Roma.
Após agradecer ao diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva, e as
demais autoridades, o Papa recordou, no seu discurso, que em 16 de
outubro de 1945, os governos decidiram eliminar a fome no mundo através
do desenvolvimento do setor agrícola, instituindo a FAO.
“Era, disse, um período de uma grave insegurança alimentar e grandes
deslocamentos da população, com milhões de pessoas à procura de um lugar
para sobreviver às misérias e adversidades causadas pela guerra. À luz
desse contexto, reflectir hoje sobre os efeitos da segurança alimentar
na mobilidade humana significa retornar ao compromisso através do qual a
FAO nasceu, a fim de renová-lo. A realidade atual exige uma maior
responsabilidade em todos os níveis, não só para garantir a produção
necessária ou a distribuição equitativa dos frutos da terra - isso deve
ser dado por certo – mas sobretudo para garantir o direito de todo o ser
humano de alimentar-se segundo as próprias necessidades, participando
das decisões que o afetam e na realização das próprias aspirações, sem
ter que se separar dos seus entes queridos.”
Segundo Francisco, “diante de tal objetivo, o que está em jogo é a
credibilidade de todo o sistema internacional. Sabemos, sublinhou, que a
cooperação está cada vez mais condicionada por compromissos parciais,
limitando inclusive a ajuda nas emergências. Também as mortes por causa
da fome e o abandono da própria terra são notícias comuns, com o perigo
da indiferença. Precisamos urgentemente de encontrar novas maneiras de
transformar as possibilidades de que dispomos numa garantia que permita a
cada pessoa encarar o futuro com confiança, e não apenas com alguma
ilusão”.
O cenário das relações internacionais mostra uma capacidade crescente
de responder às expectativas da família humana, também com a
contribuição da ciência e da tecnologia que, ao estudarem os problemas,
propõem soluções adequadas.
“No entanto, recordou o Pontífice, essas novas conquistas não
conseguem eliminar a exclusão de grande parte da população mundial:
quantos são vítimas da desnutrição, de guerras e mudanças climáticas!
Quantos, acrescentou, precisam de trabalho ou dos bens necessários e são
obrigados a abandonar as suas terras, expondo-se a muitas e terríveis
formas de exploração. Daí que para o Santo Padre, valorizar a tecnologia
para o desenvolvimento é certamente um caminho a seguir, desde que
sejam tomadas acções concretas para reduzir o número de pessoas que
passam fome ou para controlar o fenómeno da migração forçada.”
Segundo o Papa, “a relação entre a fome e a migração só pode ser
enfrentada se formos a raiz do problema. A este respeito, os estudos
realizados pelas Nações Unidas, como tantos outros realizados por
organizações da sociedade civil, concordam que existem dois obstáculos a
serem superados: conflitos e mudanças climáticas”.
Daí a grave questão, disse o Papa: “como podem ser superados os
conflitos? O direito internacional, recordou Francisco, nos indica os
meios para preveni-los ou resolvê-los rapidamente, evitando que se
prolonguem e produzam fome e destruição do tecido social. Pensemos nas
populações martirizadas por guerras que duram décadas e que poderiam ter
sido evitadas, propagando efeitos desastrosos e cruéis como a
insegurança alimentar e o deslocamento forçado de pessoas.”
Para Francisco, “são necessários boa vontade e diálogo para frear os
conflitos e um compromisso total contra o desarmamento gradual e
sistemático, conforme previsto pela Carta das Nações Unidas, e para
remediar a chaga do tráfico de armas. Do que adianta denunciar que por
causa dos conflitos milhões de pessoas são vítimas da fome e da
desnutrição, se não agimos de forma eficaz em favor da paz e do
desarmamento”?
“Quanto às mudanças climáticas, disse, vemos as suas consequências
todos os dias. Graças aos conhecimentos científicos, sabemos como
enfrentar os problemas; e a comunidade internacional também desenvolveu
instrumentos jurídicos necessários, como o Acordo de Paris, que,
infelizmente, do qual alguns estão afastando-se. No entanto, reaparece a
negligência em relação aos delicados equilíbrios dos ecossistemas, a
presunção de manipular e controlar os recursos limitados do Planeta, e a
ganância do lucro. Portanto, é necessário esforçar-se por um consenso
concreto e prático, a fim de evitar os efeitos mais trágicos, que
continuarão afetando os mais pobres e indefesos. Somos chamados a propor
uma mudança nos estilos de vida, no uso dos recursos, nos critérios de
produção, mesmo no consumo, que em termos de alimentos apresenta um
aumento de perdas e de desperdício. Não podemos conformar-nos em dizer o
‘outro o fará’.”
Segundo o Papa, “estes são os pressupostos de qualquer discurso sério
sobre segurança alimentar relacionada com o fenómeno da migração. É
claro, observou, que as guerras e as mudanças climáticas provocam a
fome, então evitemos de apresentá-la como uma doença incurável”.
“As recentes previsões feitas pelos vossos especialistas, acrescentou
Francisco, contemplam um aumento da produção global de cereais, a
níveis que permitem dar maior consistência às reservas mundiais. Este
dado nos dá esperança e nos ensina que, se trabalharmos, prestando
atenção às necessidades e independentemente de especulações, os
resultados chegam. Na verdade, os recursos alimentares são muitas vezes
expostos à especulação, que os mede apenas em termos de benefício
económico dos grandes produtores ou em relação às estimativas de
consumo, e não em relação às exigências reais das pessoas. Desta forma,
os conflitos e o desperdício são favorecidos, e aumenta o número dos
últimos da Terra que buscam um futuro distante dos seus territórios de
origem.”
Francisco afirmou que diante desta situação podemos e devemos mudar o
rumo. Face ao aumento da demanda de alimentos é preciso que os frutos
da terra estejam a disposição de todos. Para alguns, bastaria diminuir o
número das bocas a serem alimentadas e dessa maneira se resolveria o
problema; porém esta é uma falsa solução se se leva em consideração o
nível de desperdício de comida e os modelos de consumo que desperdiçam
tantos recursos. Reduzir é fácil, compartilhar, ao contrário, implica
una conversão, e isso é exigente, recordou o Santo Padre.
O Santo Padre fez em seguida uma pergunta, a si mesmo e também aos presentes:
"Seria exagerado introduzir na linguagem da cooperação internacional a
categoria do amor, conjugada como gratuidade, igualdade de tratamento,
solidariedade, cultura do dom, fraternidade e misericórdia? Essas
palavras efetivamente exprimem o conteúdo prático do termo
"humanitário", tão usado na atividade internacional. Amar os irmãos,
tomando a iniciativa, sem esperar de ser correspondidos, é o princípio
evangélico que encontra também expressão em muitas culturas e
religiões, convertendo-se em princípio de humanidade na linguagem das
relações internacionais".
É necessário que a diplomacia e as instituições multilaterais
alimentem e organizem essa capacidade de amar, porque é o caminho
principal que garante, não só a segurança alimentar, mas também a
segurança humana em seu aspecto global. Não podemos agir somente se os
outros o fazem, nem nos limitarmos a piedade, porque a piedade se limita
às ajudas de emergência, enquanto o amor inspira a justiça e é
essencial para realizar uma ordem social justa entre realidades
diferentes que aspiram o encontro recíproco. Amar significa contribuir
para que cada país aumente a produção e alcance a auto-suficiência
alimentar. Amar se traduz em pensar em novos modelos de desenvolvimento e
consumo, e em adoptar políticas que não piorem a situação das
populações menos avançadas ou a sua dependência externa. Amar significa
não continuar a dividir a família humana entre aqueles que gozam do
supérfluo e aqueles que não têm o necessário.
Falando sobre o compromisso da diplomacia, o Papa salientou que a
mesma nos mostrou, também em eventos recentes, que é possível deter o
uso de armas de destruição em massa. Todos, disse, estamos cientes da
destruição de tais instrumentos. Mas estamos igualmente conscientes dos
efeitos da pobreza e da exclusão? Como deter as pessoas dispostas a
arriscar tudo, a gerações inteiras que podem desaparecer porque não têm o
pão quotidiano ou são vítimas de violência ou das mudanças climáticas?
Eles se deslocam para onde vêem uma luz ou percebem uma esperança de
vida. Eles não podem ser detidos por barreiras físicas, económicas,
legislativas e ideológicas. Somente uma aplicação coerente do princípio
de humanidade pode conseguir isso.
Por outro lado, vemos que diminui a ajuda pública ao desenvolvimento e
se limita a atividade das instituições multilaterais, enquanto se
utilizam acordos bilaterais que subordinam a cooperação ao cumprimento
de agendas e alianças particulares ou, simplesmente, a uma momentânea
tranquilidade.
Francisco fez então à todos, um pedido:
"Vamos ouvir, disse, o grito de tantos nossos irmãos marginalizados e
excluídos: "Tenho fome, sou estrangeiro, estou nu, doente, confinado
num campo de refugiados”. É um pedido de justiça, não uma súplica ou um
chamamento de emergência. É necessário, que em todos os níveis, se
dialogue de forma ampla e sincera, para que se encontrem as melhores
soluções e amadureça uma nova relação entre os vários atores do cenário
internacional, caracterizada pela responsabilidade recíproca, a
solidariedade e a comunhão".
O Santo Padre na conclusão do seu denso discurso afirmou que a Igreja
Católica, com as suas instituições, com um conhecimento directo e
concreto das situações a serem enfrentadas ou das necessidades a serem
satisfeitas, quer participar directamente desse esforço em virtude da
sua missão, que a leva a amar a todos e a lembrar àqueles que têm
responsabilidade nacional ou internacional, o grande dever de enfrentar
às necessidades dos mais pobres.
Gostaria que cada um descubra, no silêncio da própria fé ou das próprias
convicções, as motivações, os princípios e as contribuições para
infundir na FAO e outras instituições intergovernamentais, o valor de
melhorar e trabalhar incansavelmente para o bem da família.
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